Percival Puggina

19/10/2014

 A partir de 1930, superados os tempos em que as divergências políticas se resolviam com a mão no sabre ou o dedo no gatilho, a política rio-grandense foi crescendo em civilidade. Eram fortes os confrontos entre PSD e PTB, entre Arena e MDB, entre PDS e PMDB, mas a convivência se mantinha em limites razoáveis.

 Graças a isso, minha geração nunca presenciou um antipetebismo, um antipedessismo, um antiarenismo ou um antipeemedebismo. Daí uma certa surpresa com o surgimento do antipetismo, força política com inusitada disposição para agir, tanto no campo da produção intelectual quanto na militância de rua. Sobrepondo-se aos partidos, o antipetismo desempenhou papel decisivo na sucessão estadual gaúcha de 2002, definindo as surpreendentes oscilações que se observaram ao longo do processo eleitoral.

Todos os analistas que se debruçaram sobre aquele pleito, dentro e fora do PT, foram unânimes em sublinhar esse fenômeno. Tarso Genro, então derrotado, também atribuiu ao antipetismo o resultado da eleição. O cientista político Giusti Tavares qualificou tal dito como tautológico, equivalendo a dizer que o PT perdeu porque seu adversário ganhou.

Nestes dias, estamos assistindo o antipetismo surgir como força política dominante em diversas unidades da Federação. Foi ela que primeiro viu em Marina Silva uma possibilidade de interromper a hegemonia petista no pleito de outubro. Foi ela que, tão logo o petismo fez os estragos de costume na imagem da acreana, mudou-se para o Aécio Neves, produzindo a reviravolta contada pelas urnas do dia 5 deste mês. É ela que agora, no Rio Grande do Sul, se mobiliza para impedir a reeleição de Tarso Genro. É ela que, nacionalmente, motiva a ação da oposição mais visível ao governo Dilma exercida por intelectuais e jornalistas com acesso a alguns meios de comunicação. E é ela que proporciona uma intensa mobilização oposicionista de massa, cotidiana e diuturna nas redes sociais. O antipetismo encontrou nessa nova mídia, tão caseira quanto universal, uma ferramenta de difusão de informações, de ditos e contraditos, assumindo à conta própria, aquilo que a oposição político-partidária não consegue fazer.

O antipetismo, escrevi em artigo publicado no Correio do Povo em 27 de março de 2003, é a tempestade colhida pelos semeadores de ventos. Quem observou a conduta dos candidatos presidenciais nos debates da Bandeirantes e do SBT pode apreciar nas falas da presidente Dilma (e nas ensandecidas falas de Lula nos últimos dias) o modo de agir do petismo. Porque deixa de lado a ética, a verdade e o interesse nacional, essa conduta, com o tempo, concede ainda maior vigor aos que a ela e a seu partido se opõem. No coração do petismo se vai produzindo a lesão que, com o tempo, debilitará o partido e o levará à derrota.

Quantas e quantas vezes, nos últimos 12 anos, em artigos, vídeos e palestras, chamei a atenção para a descontinuidade entre o furor acusatório do PT contra o governo FHC e seu total desinteresse, após assumir o poder, em investigar aqueles a quem acusara! Assim é o petismo, sempre transformando mentiras e versões em verdades e fatos. Na oposição, bastam-lhe os danos causados pelas acusações que faz. No governo, bastam-lhe os dividendos do poder. Mas não há mal que sempre dure.

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* Percival Puggina (69), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 


 

 

Percival Puggina

16/10/2014

Nos anos 60 a 64, houve uma acirrada batalha ideológica no Brasil. A política era debatida no campo das ideias e o comunismo ganhava crescente espaço entre os estudantes. Entidades estaduais e nacionais eram disputadas palmo a palmo e constituíam imagem visível da Guerra-Fria. Lembro-me que, em fins de outubro, na sede do R.U. (Restaurante Universitário da UFRGS) as paredes se cobriam de cartazes e faixas comemorativos do aniversário da Revolução Bolchevique. Era o outubro vermelho da moçada que se deixara seduzir pelas arengas de Leonel Brizola, pelo sucesso dos rebeldes de Sierra Maestra e pelo amplo movimento internacional de solidariedade a Cuba (mal sabiam eles o que estava tendo início naquela infelicitada nação).

 Em 1961 surgiu a POLOP (Organização Revolucionária Marxista Política Operária), como dissidência do PCB. Em 1962 foi constituída a organização intersindical CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) e, no mesmo ano, nasceu a Ação Popular, aglutinando a esquerda cristã formada na JUC e na Ação Católica. Essas e outras organizações, depois de 1964, iriam para a clandestinidade e dariam origem à uma centena de movimentos e conciliábulos guerrilheiros e terroristas.

 Algumas entidades que surgiram para produzir formação necessária à luta ideológica e cultural de resistência ao comunismo viveram poucos anos e deixaram má fama, acusadas de receber recursos financeiros de empresas norte-americanas e da CIA. Por outro lado, quando o governo Goulart caiu em 1964, acreditaram os defensores das liberdades democráticas que os perigos do comunismo estavam afastados e foram tratar da própria vida. Enquanto isso, nos bastidores, ano após ano, teve sequência o trabalho de infiltração e ocupação de espaços, de formação de quadros, de organização da massa; continuou o lento e sutil aparelhamento das instituições de ensino, das cátedras, dos cursos de formação para o magistério; desenvolveu-se a ocupação das redações dos veículos de comunicação, do ambiente cultural e dos seminários de formação religiosa. Assim, quando o país se redemocratizou, estávamos a um passo de dedo para que, em apenas cinco anos, um partido de massas como o PT já disputasse, com força, a presidência da República.

 Desnecessário falar sobre os 12 anos de governo petista. Nós, que percebemos para onde ele vem conduzindo o Brasil, não devemos supor que uma possível derrota do governo nas urnas do dia 26 equivalha ao desmonte da máquina que está em operação no país, destruindo reputações, manipulando a sociedade, comprando votos e gerando violência. No governo, o PT desgoverna, na oposição, não deixa governar.

Portanto, precisamos unir forças e, sem esmorecimento, prosseguir trabalhando para informar e formar a consciência política da sociedade, dando vitalidade aos valores de uma sólida democracia constitucional. Sem democratas, tudo que se consegue é um arremedo de democracia. E as rãs de Esopo logo estarão pedindo um rei. Uma possível vitória oposicionista em 26 de outubro é apenas o começo de um trabalho que inicia com meio século de atraso.
 

Percival Puggina

13/10/2014

Você lembra da frase símbolo do Fórum Social Mundial? Ela se espalhava pela cidade sempre que o evento ocorria aqui em Porto Alegre. "Um outro mundo é possível!", berravam, em tinta vermelha, os muros da capital. Outro mundo não é a mesma coisa que mundo melhor. Melhorá-lo, sim, claro, sempre. Ele será melhor com pessoas melhores, cultivando bons valores morais. Contudo, na visão dos discípulos de Marx e dos adoradores de Che que querem o tal outro mundo, é necessário destruir este e substituí-lo por algo ao seu gosto. Ou não? É daí e de nenhum outro lugar que procedem muitos dos males que bombardeiam a Civilização Ocidental e seus pilares.

 No início deste mês, li excelente artigo assinado por Paulo Vasconcelos Jacobina. No texto, o autor, que é Procurador da República, combate o conceito infiltrado no ambiente intelectual de que não existe um "direito natural" aplicável ao ser humano e decorrente de sua natureza. O mundo pós-moderno, ao considerar tal ideia ultrapassada e intolerável, franqueia as portas ao relativismo moral, primogênito da pós-modernidade, cadeira de balanço das consciências sem rumo nem prumo. Segundo ele, nada, absolutamente nada se deduz do ser em relação ao seu dever ser. Será que os bons pais e mães que me leem concordarão com isso ao contemplarem sua amorosa função pedagógica para com os filhos? No entanto, esse mal ataca e prospera, conduzido pela letargia das consciências que, em vez de ajustarem os atos ao naturalmente bom e justo, conformam a lei aos seus atos.

 Se não existir um Direito que se possa extrair da natureza do ser humano, tudo será segundo o que estiver legislado, sem que haja qualquer sentido em nos interrogarmos a respeito de seus fundamentos morais. É por isso que temos ouvido falar tanto em "empoderamento", neologismo parido na maternidade do relativismo moral, infectada pelos vícios que corroem a vida social. Empoderamento é aquisição de força para impor a lei. Ele está no cerne do debate político brasileiro nestes tempos de disputa eleitoral. É ele que explica, por exemplo, o famigerado Decreto Nº 8.243 (que cria os conselhos populares, ou sovietes, dentro da administração federal). É ele que explica, também, a ação de grupos que tentam tomar a laicidade do Estado pelo seu avesso, fazendo com que deixe de ser uma proteção dos cidadãos e suas crenças para convertê-la em escudo protetor do Estado contra as opiniões das pessoas. E o que é pior, como muito bem afirmou o autor mencionado acima, transformando o Estado em grande "educador moral", coisa que ele não é nem deve ser.

Zero Hora, 12/10/2014

Percival Puggina

10/10/2014

 


 Sabe aqueles vídeos anunciados como contendo "cenas muitos fortes", tipo "tire as crianças de perto"? É com iguais cautelas que se deveriam abrir as matérias referentes às revelações feitas pelos dois mais famosos depoentes das últimas semanas, o doleiro Alberto Youssef e o engenheiro Paulo Roberto Costa.

Quem se tenha dado ao trabalho de escutar o teor dos depoimentos deste último, disponível no YouTube, ouvirá dele que em três partidos políticos com sólida presença no Governo Federal e no Congresso Nacional se estruturaram organizações criminosas. Não que ele assim as qualifique. Não, em seu relato, Paulo Roberto Costa, o "Paulinho" de Lula, simplesmente entrega o serviço, contando, em tom monocórdio, como eram feitos os acertos e a repartição do botim das comissões entre o PT, o PMDB e o PP. Não preciso dizer qual dos três ficava com a parte do leão.

Este escândalo, tudo indica, transforma Marcos Valério em mero pivete e o Mensalão em coisa de amadores. No entorno da Petrobras circula tanto dinheiro quanto petróleo. E foi muito fácil aos profissionais da corrupção abastecer desses tanques contas bancárias que saíam - lavadas, passadas e empacotadas - da lavanderia de Youssef.

Vários anos decorrerão entre os achados de agora e o trânsito em julgado de quaisquer sentenças condenatórias. Isso significa que, muito embora os crimes em questão tenham sido praticados num ambiente político, seus efeitos eleitorais serão jogados para bem depois do pleito que agora se desenrola. Nós, cidadãos, devemos lamentar que seja assim. No entanto, se não temos como saber mais sobre os fatos e seus atores, podemos e devemos levar em conta a dança das cadeiras nos tribunais superiores em geral e no Supremo Tribunal Federal em particular. Será certamente ali, outra vez, que serão tomadas as decisões mais relevantes sobre estes casos.

O STF continuará se renovando e promovendo alterações na composição de seu quorum por aposentadoria dos atuais ministros. E aí se impõe a reflexão que quero trazer ao leitor destas linhas. As últimas indicações do governo petista para o STF têm deixado a desejar. Portanto, ainda que o julgamento definitivo vá ocorrer lá adiante, a continuidade da atual administração federal não atende aos anseios nacionais por justiça e combate à corrupção. É o que a história recente parece deixar bem claro.

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* Percival Puggina (69), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

06/10/2014


 Nada está resolvido, exceto uma primeira lição aos arrogantes, aos que se julgam tutores da sociedade, pretendendo conduzi-la sob cabresto, como boiada, para as mangueiras de sua hegemonia e do totalitarismo que a acompanha.

Nada está resolvido, exceto que foi uma ilusão petista a ideia de que poderiam fazer no país o que bem entendessem. A sociedade, de modo bem consistente, deu muito mais votos à oposição do que ao governo, refletindo o que já se respirava nas ruas, oxigenando a consciência política nacional.

Ficou muito claro na voz das urnas que o governo petista, sob o ponto de vista eleitoral, só tem, como dividendos a receber, os lucros do coronelismo de Estado. O assistencialismo, elevado pelo PT à categoria das maiores realizações humanas, mantém a submissão dos carentes no ponto de calda para adoçar a vida do partido nas disputas eleitorais. E nada para elevar essa multidão a um patamar de dignidade superior.

Para o PT, estratégia eleitoral é a síntese da ação de governo. Em nome disso, tudo pode ser sacrificado, inclusive os cuidados com a estabilidade da moeda, com a moderação nos gastos públicos, com o desenvolvimento da economia segundo vetores sustentáveis. Para o PT, em já longa história recheada de exemplos, sempre valeu mais a versão do que o fato. Não é o discurso que deve convencer por sua consistência e congruência com a realidade, mas a repetição da versão com a intensidade necessária para obscurecer tudo mais.

Vem aí um segundo e definitivo turno. A nova rodada de embates, desta feita, será vis-à-vis. Tempos iguais. Olho no olho. A desproporção dos tempos de TV no primeiro turno serviu muito e bem à estratégia do PT. Em números redondos, para cada ataque de Marina a Dilma, Dilma contra-atacava sete vezes. A cada ataque de Aécio a Dilma, a presidente contra-atacava três vezes. Agora isso acabou. Retiram-se do cenário aqueles candidatos que, exceto por Marina Silva, ali só estavam buscando promoção a baixo custo. Mas ambos, Aécio e Dilma, terão por estratégia a sedução dos eleitores da acreana. Eles definirão o futuro quadriênio presidencial brasileiro. A própria Marina, preservando o compromisso de Eduardo Campos, já deixou claro que estará na oposição, trincheira que ocupou e do qual foi deslocada pela obstinada carga de cavalaria petista tão logo demonstrou que vinha para competir.

Os próximos dias serão dias para não mais esquecermos.

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* Percival Puggina (69), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

05/10/2014

 

Eu tenho um sonho. Domingo serão eleitos os novos parlamentares brasileiros. Eu tenho um sonho em relação a essa eleição. Meu sonho é o de que os novos deputados, em cada Assembleia Legislativa, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, formem frentes parlamentares liberais-conservadoras para fazer frente ao processo de sovietização do Brasil.

 

É urgente cancelar, pela via legislativa, essa tutoria que o Estado, através do governo, está impondo à sociedade brasileira, agindo como "pedagogo" da vida privada e social. Ninguém deu, seja ao Estado, seja ao governo, tal atribuição nas urnas! E ninguém, em estado mental sadio, autorizou o governo a ter um Supremo Tribunal Federal para chamar de seu.
 

Percival Puggina

03/10/2014

 

 Embora pilote minha churrasqueira com razoável competência, não sou perito em cortes de carnes. Li outro dia que o corte de costela é o mais consumido no Rio Grande do Sul. Pessoalmente, porém, não sou bem sucedido nas ocasiões em que tento assá-las. Repete-se algo que muitas vezes ouvi anfitriões comentarem em churrascadas alheias: "Esta costela não é bem aquela". Entende-se por "aquela", nessa frase, a costela ideal, com bastante carne, pouca gordura, osso delgado, macia e saborosa.

Quando me falam em socialismo, em comunismo, sempre me lembro dessas costelas que não dão certo. As experiências históricas com o socialismo jamais correspondem a "aquele" socialismo ao qual o vendedor de ideologia está se referindo. Você refuga a tese apontando os fracassos do socialismo e do comunismo (este definitivamente saiu do vocabulário com vergonha do próprio nome), e o vendedor de ilusões o interrompe para dizer que "aquilo" nunca foi o verdadeiro socialismo. Mas veja só, enquanto a costela, vez por outra, pode exibir um precioso corte "daquela", o socialismo não tem sequer uma solitária laranja de amostra que possa ser observada no pé da laranjeira. Sua principal sedução é assim apontada por Norberto Bobbio: “O socialismo é cativante porque cada um pode idealizá-lo como desejar”.

A grande acusação que lançam contra o capitalismo ou economia de mercado é a de ser um sistema que beneficia os ricos e responde pela miséria do mundo. No entanto, se dermos uma olhada no mapa da pobreza extrema do World Food Program, veremos que ela se concentra em regiões e nações que não têm e nunca tiveram uma economia baseada na livre iniciativa, no empreendedorismo. Não se conhece um único país cuja sociedade tenha sido rica e que empobreceu devido à sua inserção no mercado global. Do mesmo modo, não se conhece um único país cuja sociedade tenha evoluído econômica, social e politicamente enquanto se manteve num ambiente de economia estatizada e centralizada. Pelo viés oposto, os países europeus e asiáticos que se libertaram do comunismo em fins do século passado e adotaram a economia de mercado encontram-se, hoje, em diferentes mas ascendentes níveis de evolução econômica e social. Tampouco se conhece uma única sociedade que, tendo vivido sob o regime comunista e dele se libertado, manifeste desejo de retornar àquela desgraceira.

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* Percival Puggina (69), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

29/09/2014

Circula na rede um pequeno vídeo de quatro minutos no qual Margaret Thatcher, em sessão da Câmara dos Comuns, é contestada por um parlamentar do Partido Trabalhista que acusa seu governo de haver ampliado a distância entre os mais ricos e os mais pobres. Na resposta que dá, a primeira-ministra faz jus ao ódio eterno que a esquerda lhe dedica, dizendo que o partido de seu acusador prefere que os pobres sejam mais pobres contanto que os ricos também empobreçam. Acertou na "mosca". Empobrecer a todos é a marca registrada dos governos comunistas e socialistas mundo afora, ao longo de todo o século 20 e, ainda hoje, na Ibero-América do Foro de São Paulo.

Quem assiste a debates entre candidatos e à propaganda eleitoral gratuita, percebe quanto está impregnada em nossa elite política a ideia de um conflito natural entre pequenos e grandes, quaisquer que sejam os elementos a comparar e a régua que os meçam. Obviamente, adotado o marxismo como chave de leitura da realidade social, política e econômica, sendo os pequenos mais numerosos do que os grandes, é eleitoralmente preferível entrar em guerra contra os segundos. Mas a ideia toda é uma loucura, um delírio politiqueiro porque existe, na Economia do mundo real, uma interdependência entre os corpos produtivos que a compõem. Pequenos, médios e grandes precisam uns dos outros e o colapso de qualquer conjunto afeta funestamente os demais.

Por outro lado, o sucesso dos pequenos pressupõe a determinação de crescer. O pequeno empreendedor que abdique da expansão de seus negócios está fadado ao roteiro no sentido inverso. O preconceito marxista da malignidade dos grandes põe uma pedra no caminho do progresso da sociedade como um todo. Perceber que esse preconceito está internalizado em parcela significativa da elite política do Rio Grande, projeta sombras em nosso futuro.

Não admira que o Estado perca posições no contexto da Federação, decaindo, inclusive, em indicadores que outrora ponteou, como, por exemplo, na Educação. Também nesta se percebem os efeitos do apagão da inteligência. Criminaliza-se o mérito! Celebra-se a mediocridade! A "Pedagogia do Oprimido" pode ser um sucesso de público dentro do magistério, mas é um visível fracasso onde aplicada. Ela internaliza a opressão e, como um dínamo, converte as energias que poderiam produzir desenvolvimento individual e social em mera inconformidade ou, como pretendia seu criador, em revolta e militância política. É inacreditável: enquanto o povo clama por incentivos a novos empreendimentos e postos de trabalho, parcela tão importante da elite política ainda não entrou sequer no século 20.
 

Percival Puggina

26/09/2014

 Um leitor recomendou-me comentar o artigo de Leonardo Boff publicado no JB de 25 de agosto com o título de "O socialismo não foi ao limbo". É o que faço aqui.

 O artigo de Boff, resenhado, fica assim:
1) caiu o Muro de Berlim, muro do socialismo existente, que se reconhece violador de direitos humanos, autoritário, etc; 2) caiu, também, o muro de Wall Street e se deslegitimaram o neoliberalismo e o capitalismo; 3) o capitalismo centralizaria uma riqueza imensa em 737 grupos econômico-financeiros enquanto 85 pessoas acumulariam recursos equivalentes aos ganhos de 3,5 bilhões de pobres; 4) é necessário recuperar a experiência das reduções jesuítas e o comunismo da república comunista cristã dos guaranis; 5) o socialismo é tudo de bom; 6) o capitalismo é tudo de ruim e seus efeitos na sociedade são terríveis; 7) a única saída é acabar com a propriedade privada e instituir a propriedade social dos meios de produção, acautelando-se para que os indivíduos adiram a esse projeto de modo consciente e queiram viver as novas relações.

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Quero ater-me, aqui, às acusações que Leonardo Boff faz às economias livres. É como se do exílio do povo hebreu no Egito às investidas do Estado Islâmico, raros fossem os males da humanidade não derivados do neoliberalismo e do capitalismo. Ora, se a história andasse como ele a descreve, viveríamos sob inimaginável convulsão social, na guerra de todos contra todos (o armagedon que ele prenuncia), com uma queda de Bastilha por semana.
Diferentemente do que acontece com os socialismos e com o comunismo, as liberdades econômicas não tiveram um fundador, não tiveram um Marx na potência -1 para concebê-las. Ninguém apareceu na humanidade para excitar, na mente da plebe, legítimos anseios de realização pessoal por meios próprios. Ninguém preconizou: "Monta tua empresa, cria teu negócio, põe tua criatividade em ação, persegue teus ideais!". Tais bens da civilização foram conquistas dos indivíduos, no mundo dos fatos, na ordem da natureza, e têm sido o cada vez mais eficiente motor do progresso econômico e social.

Enquanto lê "O socialismo não foi ao limbo", o leitor vai sendo induzido a crer que a miséria de tantos, no mundo de hoje, é produto ou subproduto inevitável da economia de empresa. Portanto, os miseráveis da África e da Ásia eram seres humanos que viviam na abundância, na mesa farta e na prodigalidade dos frutos da natureza até que o famigerado capitalismo aparecesse para desgraçar suas vidas. O fato de que nas regiões do mundo onde se perenizam as situações que Boff descreve não exista uma economia livre, não haja empresas, nem empregos, parece passar ao largo das considerações do ex-frei. Vale o mesmo para a inoperância, nessas regiões, do braço do Estado, que o comunismo apresenta como sempre benevolente.

Cinco realidades vazam para a valeta lateral da pista por onde ele anda com sua análise dos sistemas econômicos. São fatos esféricos: 1) a fome era endêmica na Europa até meados do século passado e foi a economia de mercado que criou, ali, a prosperidade; 2) sempre que os meios de produção viraram propriedade do Estado a fome grassou mesmo entre os que plantavam; 3) enquanto as experiências coletivistas conseguiram, como obra máxima, nivelar a todos na miséria, a China, com o capitalismo mais rude de que se tem notícia, em poucas décadas, resgatou da pobreza extrema mais de 500 milhões de seres humanos (Word Bank, China Overview, apr/2014); 4) não é diferente a situação no Leste da Ásia, inclusive no Vietnã reunificado e comunista, no Camboja do Khmer-Vermelho, no Laos e na Tailândia; 5) quem viaja pelo Leste Europeu sabe quanto as coisas melhoraram por lá desde que as economias daqueles países, infelicitados pelo dogmatismo comunista, se libertaram do tacão soviético.

A história mostra, enfim, que o comunismo é imbatível quando se trata de gerar escassez, miséria e aviltamento da dignidade humana.  Nossa Ibero-América, onde as prescrições políticas e econômicas do Foro de São Paulo ditam regras para muitos países, parece nada aprender das constatações acima. Consequentemente, as coisas andam mal e é preciso botar a culpa em qualquer um que não nos vendedores de ilusões, nas utopias que se requebram como odaliscas, nos delírios do neocomunismo, nos corruptos e nos corruptores. Decreta-se, então, para todos os males, a responsabilidade da economia de empresa, do capitalismo e, sim, claro, dos Estados Unidos.

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* Percival Puggina (69), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.