Percival Puggina
21/08/2021
Percival Puggina
A frase de Shannon Adler vale por uma sirene de alerta. Diz ele: “Frequentemente, aquilo que as pessoas não dizem, ou deixam de lado, conta a verdadeira história”.
E eu acrescento: Quantos de nossos males seriam evitados se não comprássemos por dois vinténs de sossego os dissabores de amanhã!
A omissão dos conservadores e liberais favoreceu, nas últimas décadas, a condução do Brasil por maus caminhos, em más companhias. Se é verdade que fizemos nossa autodescoberta em 2018, não é menos verdade que quando acordamos da euforia inerente àquela vitória, a soberania popular jazia entre quatro velas no artigo primeiro da nossa Constituição. Voltamos a ser a galinha dos ovos de ouro no poleiro daqueles que decidem nosso destino e regem nossas liberdades. O mudo consentimento dos omissos permite a migração do poder real da República para mãos impróprias.
Atente, pois. Se alguém lhe jogar por cima etiquetas ofensivas e frases feitas; se disser que “um outro mundo é possível”, que o problema de Cuba é o “terrível bloqueio ianque”, que a ideologia de gênero é uma imposição da vida moderna e uma necessidade das crianças, que as drogas devem ser liberadas, que “interrupção da gravidez” é direito da mulher, que os cristãos devem ficar de boca fechada para que só eles falem porque o Estado é laico, que a pobreza é causada pela riqueza, que a polarização faz mal à política, saiba: aí está alguém animado por mentalidade revolucionária. Alguém que fará qualquer coisa pelo poder e que, no poder, agirá por dentro e por fora da ordem para destruí-la, pondo em curso o projeto revolucionário. Saiba mais: essa pessoa não quer melhorar o mundo, como eu e você queremos. Ela quer destruir a civilização e os valores que buscamos preservar. O Brasil, para elas, é apenas um dos espaços geográficos dessa disputa. Por isso, rejeitam o patriotismo, a bandeira e o Sete de Setembro.
Nossos valores, nossos apreço à liberdade, nossa rejeição à tirania e aos totalitarismos os contraria. Nós, de fato, preferimos a ordem à desordem e à anarquia. Respeitamos a justiça e o devido processo, o Estado de Direito e a Democracia. Rejeitamos revoluções e abusos de autoridade. Sabemos que a prisão dos criminosos liberta os cidadãos. Não investimos contra os bens alheios e exigimos que a propriedade privada seja respeitada. Consideramos que o Estado existe para a pessoa humana e não a pessoa humana para o Estado. Sabemos que a instituição familiar é importante, deve ser preservada e constituir objeto de atenção. Queremos um Estado eficiente nas tarefas que lhe correspondem, não intrometido na vida privada. Entre nós, mesmo os ateus reconhecem o valor da moral judaico-cristã, apreciam os fundamentos da civilização Ocidental e estão longe de considerar o Cristianismo como um mal que deva ser extirpado dos corações e das mentes.
As forças que exercem de modo efetivo o poder nacional, em proporção a cada dia mais evidente, rejeitam esse inteiro pacote, sem acordo possível. Querem a posse integral dos meios para dirigi-los a fins opostos. Abandonam os cidadãos à sanha dos bandidos porque lhes convêm o aumento da criminalidade e a insegurança. Põem em curso as agendas identitárias, não porque se interessem pelas pessoas concretas, mas porque toda trincheira e toda fratura aberta na sociedade serve ao projeto. Defendem a liberação das drogas, não porque considerem isso melhor do que a proibição, mas porque a drogadição abala os valores das comunidades. Hasteiam a bandeira dos Direitos Humanos de cabeça para baixo porque as únicas agressões a direitos humanos que os mobilizam são as que, de algum modo, atingem militantes do seu projeto.
Não tenho a menor condição de compor um cenário nacional para os próximos sessenta dias. Só sei que ele, muito provavelmente, será como os omissos permitirem que seja, antes de porem a culpa em alguém.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
19/08/2021
Percival Puggina
Solidariedade aos que têm tolhida a liberdade de opinião.
O jornalismo brasileiro vive tempos funestos. A notícia morreu; viva a narrativa!
Sempre fui leitor de jornais. Minha mãe alfabetizou-me aos quatro anos, sentado no chão, lendo manchetes do velho Correio do Povo. Minhas primeiras lembranças de informação jornalística remontam ao ano seguinte, acompanhando a demorada contagem dos votos da eleição presidencial de 1950, com a derrota do brigadeiro Eduardo Gomes, candidato da minha família, e a vitória de Getúlio Vargas. Nunca mais deixei de ler jornais. Num pluralismo sadio, havia muita diferença entre eles. Eram assinados ao gosto do freguês.
Desastrosamente, nem nos tempos em que houve censura à imprensa vi mesmice semelhante à que percebo hoje. A boa e velha notícia, produto multiforme das ações humanas, razão de ser das empresas de comunicação e ganha pão dos jornalistas através dos séculos – pasmem – virou narrativa!
Todas as matérias passam por essa reciclagem. A informação se converteu em esforço de convencimento do público.
Os filósofos sabem que essa é a fase mais primária do discurso. Dispensa a retórica, a dialética e a análise. Quando, em programas ou textos mais longos, a narrativa se encontra com a análise, surge outro gravíssimo desvio – a fake analysis. Ela é aquele primor do sofisma, proporcionado por “especialistas” valorizados exatamente pelo comprometimento com a narrativa em curso.
O fenômeno ganha dimensões pandêmicas. As exceções são raras e não estão nos grandes grupos de comunicação, que se afiguram combinados, ensaiados, orquestrados, no repertório e na execução. Mesmo perante um ato jurídico disforme, como aquele em que se estruturam os dois inquéritos sucessivos abertos no STF contra os “atos antidemocráticos”, esses veículos se submetem à regência da narrativa, seguem-lhe a batuta e silenciam contra as anomalias. O Granma, jornal cubano, faz a mesma coisa.
Ao solicitar o bloqueio de toda monetização de alguns youtubers e canais digitais, o ministro corregedor–geral da Justiça Eleitoral escreveu que “de fato existe uma rede vasta, organizada e complexa para contaminar negativamente o debate político e estimular a polarização" (1). E ninguém redigiu uma linha a respeito!
Ninguém saiu da narrativa para ensinar que a polarização é elemento natural do ambiente político. Não é invenção, não é surto, não é crime, nem algo perigoso.
Temível é a política de um pólo só, como estou vendo acontecer desde quando os poucos conservadores ativos no Brasil perceberam não estar solitários e levaram à loucura o pólo até então hegemônico. O que houve no Brasil foi uma ruptura da hegemonia.
Essa deveria ser a notícia. O resto é narrativa.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
17/08/2021
Percival Puggina
“Senhores, estamos em uma época em que passa como irritante o fiel cumprimento dos mais sagrados e imperiosos deveres da honra política pelos representantes do povo” (Ruy Barbosa, em discurso no Senado, 1911)
Que fique clara, desde logo, minha opinião. A maior parte de nossos senadores decaiu na confiança da sociedade. Os 81 membros da Câmara Alta da República não forneceram sequer as 27 assinaturas necessárias para instalar a CPI da Lava Toga, que já era vista como necessidade nacional no início desta legislatura! O Senado brasileiro, junto com a Câmara dos Deputados, não se mostrou capaz de atender ao audível clamor nacional a favor da prisão após condenação em 2ª instância!
Definitivamente, esse Senado não é mais a “Casa de Ruy Barbosa”.
Por muitas vozes, esse poder de Estado alegou que a Lava Toga “desestabilizaria as instituições republicanas” e por igual motivo travou a tramitação das várias acusações encaminhadas contra ministros do STF. Tratava-se, porém, de um falso zelo institucional. A absurda CPI da Covid-19 foi entregue à maioria oposicionista e a senadores de má reputação, em deliberado esforço para desestabilizar o governo. O Senado preserva, reitero, a regra da eterna impunidade, o melhor guarda-chuva de criminosos que o mundo já viu: cumprimento de pena só iniciar após trânsito em julgado da sentença condenatória. Quem não sabe que o corporativismo da Casa e os problemas pessoais de tantos senadores com a justiça ocupam os primeiros lugares na lista de motivos dessa descomunal omissão?
O Senado silencia quando o STF, sob sua vigilância institucional, prende jornalista, prende deputado, censura meios de comunicação e transforma a Constituição em arma pessoal, de ataque, para uso ao gosto, como sal em batata frita.
A sociedade se vê ao relento! Desprotegida e receosa. Teme o órgão máximo do Poder Judiciário e percebe que não pode contar com o Senado.
Eu sei que há eleições logo ali e que o voto popular é o poder mais alto que se levanta. Verdade? Tal poder nos é surrupiado a cada omissão de nossos representantes, invalidado quando o silêncio dos parlamentos nos leva ao grito das praças e também este, por fim, se dissipa no calculado silêncio dos parlamentos.
Sim, há eleições e, de momento, o jogo político é para profissionais. Pois é aí que a democracia desanda e vira farsa, enganação. É salve-se quem puder para derrotar adversário e preservar mandato. E dane-se a dignidade!
Até outubro do ano que vem, o dinheiro resolverá tudo. Mesmo? Comprará o passado e o futuro? A memória e o esquecimento? O bem não feito e o mal feito?
Antecipo minha convicção de que os senhores senadores não acolherão o pedido de impeachment de dois ministros do STF, se proposto pelo presidente da República. E o rejeitarão de modo furtivo, esquivo como de hábito, sem colocar o nome na tela. Numa atitude que, esta sim, tem nome e é bem coerente com o que observo.
Como reagirão os bons senadores que ainda restam nesse gulag das esperanças nacionais?
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
14/08/2021
Percival Puggina
Ao fechar, por se haver revelado inútil, o inquérito dos atos antidemocráticos, o ministro relator abriu imediatamente outro com o mesmo perfil. Não se requer muita experiência e sensibilidade para entender que o ministro e seus colegas se agradaram do escudo protetor de que agora dispõem para coibir manifestações contra atos do poder.
Para justificar a abertura desse novo inquérito, Alexandre de Moraes escreveu que as investigações “apontaram fortes indícios da existência de uma organização criminosa voltada a promover diversas condutas para desestabilizar e, por que não, destruir os Poderes Legislativo e Judiciário a partir de uma insana lógica de prevalência absoluta de um único poder nas decisões do Estado”. Não acreditei até ler o mesmo texto, entre aspas, em vários veículos.
Acumulando funções de modo até hoje indisponível a qualquer outro membro do Poder Judiciário nacional, o ministro relator identifica “indícios” de “organização criminosa” orientada por “lógica insana” que pretende a “prevalência de um único poder”. Não sei se isso existe, mas parece pouco sólida a motivação. Ademais, ao inserir em seu texto uma estranha interrogação acusatória – “desestabilizar e, por que não, destruir os Poderes Legislativo e Judiciário” – o ministro viaja na instável canoa da mera suspeita e da subjetividade.
Tirados os adjetivos e a imagem de “organização criminosa”, sem a qual não haveria motivo real para qualquer inquérito, o intuito descrito corresponde, em grande parte, ao que parcela expressiva da sociedade vê como sendo o caminho para onde o ativismo judicial tantas vezes arrasta a nação.
Nesta mesma pista da história por onde trafegamos, atrás de nós, vem um caminhão carregado de decisões em que ministros constitucionalizam seu querer e inconstitucionalizam seu não querer, alardeiam seu caráter “contramajoritário” e suas aspirações a se tornar Poder Moderador da República, função de Estado inexistente no nosso gabarito constitucional.
No mesmo caminhão entram, agora:
- o absurdo comportamento de um hacker, tão curioso quanto consciencioso, que nenhum efeito ou dano causou nas entranhas dos computadores do TSE,
- os passos desse audacioso, apagados, por descuido, durante um serviço terceirizado;
- o caráter pouco comum do sigilo imposto pelo TSE, maior interessado em que o burlesco acontecimento de três anos atrás não chegasse ao público.
Até que haja sólida motivação para uma reforma institucional promovida com virtuosas intenções, assim anda e assim andará o Brasil, de crise em crise, de bolha em bolha, em conflito consigo mesmo, cativo de um sistema político feito para dar errado.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
13/08/2021
Percival Puggina
Por que motivo, tantas vezes tomadas como inspiração no acesso ao poder e ali chegadas numa corrente de esperança, resultam em fracassos éticos, políticos, econômicos e sociais? Qual seu erro essencial?
O erro essencial constatável nestes casos envolve a natureza humana. É um erro antropológico, sobre quem somos. Aquele que vai lidar com política ou outras ciências sociais, mas principalmente expor ideias e apresentar propostas para a organização da vida em sociedade, precisa conhecer o homem e sua natureza porque ele é o ente indispensável a partir do qual e com o qual se constrói o pensamento e a ação política. Ao desconhecê-lo, ao subestimá-lo, ao ver o ser humano apenas como um simples animal racional, ou como uma insignificância no conjunto da sociedade, proclama-se a tragédia por vir. Pelo viés oposto, ao superestimá-lo, tendo-o como deus de si mesmo, cometem-se erros tão terríveis quanto os que já foram praticados a partir de tais equívocos.
Somos seres complexos. Convivem em nós múltiplas dualidades e antagonismos internos inerentes à nossa existência.:
E, ainda:
Muito mais poderia ser dito com igual sentido. De nada vale preferir que fôssemos diferentes; é assim que somos e é assim que nos defrontamos cotidianamente com as tensões inerentes a tais características.
Portanto, toda ordem social que desconhecer as realidades acima não estará apenas predestinada ao insucesso. Estará condenada a se tonar um flagelo, uma tragédia com inscrição funesta nos anais da história.
Não se brinca com a natureza humana. Não se pode descartar de uma cultura, ou de uma civilização, a fé inerente àqueles que nela se integram. Não se pode fazer isso com todos, nem com ninguém. Tal afirmação nos transporta, pela mão, para o caráter simultaneamente individual e social do ser humano.
O dito erro antropológico está presente tanto no individualismo exacerbado quanto no coletivismo exacerbado porque ambas as dimensões são implícitas à nossa natureza, desde antes do nascimento até depois da morte. Ele marcou os coletivismos nascidos no século XX e continua a influenciar o pensamento e a ação política contemporânea.
Para agravar o cenário, ressurge, remodelado em forma e conteúdo, nas articulações do globalismo efluente neste século XXI, tem cadeira no STF e influencia o pensamento jus-político em nosso país..
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
09/08/2021
Percival Puggina
Durante duas décadas, várias vezes por semana, em programas de rádio e de TV com grande audiência em Porto Alegre, tive a feliz oportunidade de debater sobre temas políticos, sociais e econômicos com representantes do pensamento de esquerda no Rio Grande do Sul. O esquema dos programas era sempre o mesmo, fosse onde fosse: dois de cada lado da mesa, um assunto em pauta, argumentos e refutações correndo soltos.
Lamento dizer que foram anos nos quais me defrontei com muita desonestidade intelectual, deliberada corrupção da verdade, e muito aprendi sobre o que acontece com a Razão quando o poder está em jogo e a ideologia no comando. Sentaram-se no lado oposto deputados estaduais e federais, senadores, ex-governadores, professores de História e Ciência Política (muitos!) e raros foram os que, na hora de convencer o ouvinte ou o telespectador, se mantiveram fieis à verdade e à Razão.
Essa minuciosa observação e respectiva constatação me causaram, então, justificado receio sobre o que aconteceria com o poder quando confiado a pessoas de determinado perfil. Não deu outra. Os anos seguintes, como ficou sabido, viriam ratificar minhas suspeitas.
Não faço este relato por vanglória, mas com o intuito bem prático de afirmar que o ministro Barroso é uma síntese de todas aquelas maliciosas competências que desfilaram diante de mim e com as quais me antagonizei durante tanto tempo. São os mesmos maus tratos à verdade, a mesma cuidadosa inversão na relação entre causas e consequências, a mesma repulsa à divergência, o mesmo autoritarismo, a mesma capacidade de ocultar sentimentos e a mesma composição de narrativas sobre acontecimentos que as desmontam quando bem conhecidos.
Mesmo assim, duvido que algum daqueles meus antigos oponentes em debates fosse capaz de afirmar que um hacker permaneceu meses dentro dos computadores do TSE, tomando chá, aproveitando a paisagem e curtindo ar condicionado, sem causar dano significativo de qualquer natureza.
Che Guevara, numa entrevista ao London Daily Worker, referindo-se ao episódio dos misseis soviéticos em Cuba (1962), declarou: “Se os foguetes tivessem permanecido em Cuba, os teríamos usado contra o coração mesmo dos EUA, incluindo Nova Iorque. (...) Numa luta mortal entre dois sistemas temos que ganhar a vitória final. Devemos andar na senda da libertação, mesmo que à custa de milhões de vítimas atômicas”.
Essa frieza de alguém reverenciado como inspirador e mestre pela esquerda mundial está presente na atitude do ministro Barroso, que pouco se importa com esticar todas as cordas ao ponto de ruptura, criando uma seriíssima crise institucional, para não ceder posição. E ele não é um solitário no perfil daquela corte.
O perigo que ronda o Brasil não é causado pelos conservadores que têm a manifesta rejeição do ministro, mas pela recusa da esquerda, até bem pouco hegemônica, de conviver com a divergência. Que o exemplo proporcionado pelo ministro chame a nação à prudência. Os ingênuos, repito-me, estão na cadeia alimentar dos mal intencionados.É importante saber a quem se dá a chave.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
08/08/2021
Percival Puggina
Viajava fazendo companhia a meu pai. Campanha eleitoral, em tempos de estradas de chão. A faixa de rodagem era estreita e um pesado caminhão seguia à nossa frente levantando uma nuvem de poeira. Eu exclamei, enquanto comia o pó que entrava pelas frestas da velha Rural Willys: “Pai, buzina para que esse chato chegue para o lado e nos deixe passar!”. Resposta daquele político que seria eleito quatro vezes deputado estadual, veio com sabedoria nutrida em boas fontes: “Meu filho, ele não chega para o lado porque não tem ‘lado’ suficiente para isso. Quanto a ser um chato, lembra-te de que é ele e tantos outros como ele que fazem circular a produção e os alimentos de que todos precisamos”.
Dessas viagens ficou-me na memória este outro ensinamento: “Observa as mãos desses homens e mulheres com quem vamos estar”. Com um sentimento de curiosidade e, depois, de admiração, apertei pela primeira vez, mãos realmente calejadas, dedos engrossados pelo forcejar nos primitivos instrumentos de trabalho.
Com isso, estou dizendo que aquele homem que dedicou parte da sua vida à política em sucessivos mandatos de deputado, tinha enraizado em si um profundo respeito pela pessoa humana e sua dignidade. Era um modelo de conservador, um modo humanista de ser que aprendeu no volumoso livro dos acontecimentos de seu tempo. Sem dúvida, enriqueceu essa experiência com as responsabilidades de educar sete filhos, quatro homens e três mulheres.
Valores morais lhe saiam da boca e dos exemplos cotidianos. A liberdade devia ser sócia vitalícia da responsabilidade e isso trazia consequências naquele minúsculo e sagrado recorte da vida social.
Ordem, disciplina, carinho, amor. História e estórias contadas perto da lareira, jogos de cartas em que se disputavam palitos como fortunas. Amor aos livros e aos autores, à música e aos compositores, a Deus e suas obras. Lembranças de uma vida exemplar que moldou nosso modo de ser.
Foi por vê-lo escrevendo sobre economia para os jornais de Porto Alegre e minha mãe declamando suas poesias repletas de amor que, também, eu, cuidei de me tornar, tanto quanto possível, um cronista das minhas próprias horas. Ao proclamar aqui minha admiração por Adolpho Puggina eu o abraço no peito e presto homenagem, também, aos pais que me leem nestas linhas.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
06/08/2021
Percival Puggina
Ganhou destaque nos principais jornais do país, o manifesto assinado por 250 “personalidades” conhecidas no mundo político, cultural, empresarial em favor das urnas eletrônicas exatamente como são e estão. Não importa a essas pessoas que nenhuma democracia de respeito utilize esses artefatos para colher os sufrágios em suas eleições com extensão nacional. Essas democracias avançadas não as recusam por serem caras ou sofisticadas, com excesso de tecnologia embutida ou exageradamente seguras. Ao contrário, recusam-nas por não permitirem a contagem individual dos votos.
A urna brasileira, portanto, é uma exceção, confirmada como tal, por todas as regras eleitorais sérias.
Para a mídia brasileira, porém, 250 “personalidades” com viés político e partidário conhecido referendam sua perfeição malgrado a desconfiança que sobre elas recai no mundo todo.
O fato de milhões de brasileiros terem ido às ruas, em família, pedir que impressoras dos votos sejam acopladas às urnas eletrônicas não mereceu o mínimo respeito e consideração das instituições da República. Nem das 250 “personalidades” erguidas, pela mídia militante, ao panteão do civismo nacional.
Os próprios empresários que se apresentam para afirmar sua fé na invencível perfeição do sistema de coleta e apuração de votos no Brasil gastam bilhões ao ano para segurança de seus próprios sistemas! Por isso, o que dizem vira piada nacional.
Quando observo esses movimentos, examino quem os produz, me pergunto se resta dúvida sobre suas motivações.
1 - O relatório favorável ao voto impresso, apresentado pelo deputado Felipe Barros, foi derrotado ontem por partidos políticos que, em dois anos e meio, não deram maioria para aprovar a PEC que permite a prisão após condenação em segunda instância; aprovaram leis que inibem a ação de quem combate o crime; tentaram abocanhar quase R$ 6 bilhões para financiar com recursos da sociedade suas campanhas eleitorais;
2 – Nossa Suprema Corte, anulando condenações, processos e provas, mudando de posição sobre prisão após condenação em segunda instância, fez ouvidos surdos ao clamor nacional e realizou a proeza de deixar Lula inocente como era quando, pela primeira vez, viu o pôr do sol desde o Alto do Magano em Garanhuns.
3 – Os grandes grupos de comunicação do país parecem haver perdido seus arquivos e sua memória. Silenciam sobre todos os partidos e congressistas que mudaram de opinião sobre voto impresso. Acusam o presidente de começar uma briga, como se ele não tivesse, desde os primeiros dias de gestão, sido alvo da Suprema Corte, onde ministros adversários sempre o trataram como tal.
É um imenso desafio à boa vontade não ver em tudo um ânimo que não condiz com o que se espera das instituições num regime democrático.
Haverá quem não perceba, na súbita resistência de tantos ao voto impresso, um alinhamento político automático, que fica muito aquém do bem de uma democracia tão desatenta ao eleitor, à voz das ruas e à vontade manifesta nas urnas?
Não é diferente o que se percebe ao examinar a lista das 250 “personalidades” que proclamaram sua confiança cega nas urnas opacas. Poucos ali não se contam entre os insatisfeitos com o resultado eleitoral de 2018. Seu objetivo presumível é o mesmo que desde 1º de janeiro de 2019 se percebe no Congresso e no topo do Poder Judiciário nacional.
Por fim, será adequada a uma democracia a sensação de que ao emitir estas opiniões entro em território onde tal liberdade e tais opiniões não são toleradas?
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
05/08/2021
Percival Puggina
O sucesso das redes sociais e da mídia alternativa se deve, principalmente, ao fracasso ético dos grandes grupos de comunicação do país. Se lessem o que publicam, se assistissem aos próprios programas com olhos de ver e não com olhos de quem dispara contra um alvo, talvez conseguissem compreender o fenômeno a que dão causa.
Enterra a si mesmo em cova rasa, à vista de todos, um jornalismo que silencia perante prisão de jornalistas, constrangimento de veículos e atos que reprimem a liberdade de opinião e expressão. Envolto em cortina de silêncio, tudo isso está acontecendo no país.
Nuvens escuras da incerteza cobrem os céus da pátria, grandes grupos de comunicação formam nosso mais ativo partido político e compõem bancada ao lado do STF. Menosprezam a liberdade de expressão de seus leitores, tanto quanto os ministros alardeiam como mérito sua permanente empreitada “contramajoritária”. Quem diverge é vilão e toda divergência é vilania.
Esgotam sobre os próprios leitores o vocabulário, os rótulos e os chavões que servem como carteira de identidade do grupo que foi varrido do poder em 2018.
Aliás, nada é tão parecido com um discurso da tropa de choque petista quanto o conteúdo de outrora expressivos meios de comunicação.
Eu me criei lendo jornais com enorme tiragem e elevada credibilidade, cujo conteúdo era enriquecido por opiniões competentes e textos de brilhantes escritores. Hoje, fico entre o riso e a tristeza ao perceber a unânime atenção, o apoio e a fidedignidade que lhes merecem atores bufos da cena política, como os senadores ficha-suja que encabeçam a CPI da Covid e ameaçadores ministros que nem mutuamente se respeitam.
Hoje, fico entre o riso e a tristeza, repito, ao ver como veículos outrora altivos e independentes cortejam o cesarismo togado da Suprema Corte. E nisso persistem, mesmo quando ela dilacera a Constituição, mesmo quando faz “justiça” com as próprias mãos e mesmo que suas convicções durem tanto quanto sirva às estratégias.
Veem as praças coloridas com as bandeiras da pátria comum, ocupadas pacificamente por famílias, idosos, pais, filhos, jovens. Ouvem-nos cantar hinos cívicos e rezar pelo bem do país.
Esse bom povo brasileiro está ali, com seus apelos e seus cartazes, porque ainda preserva a crença de que a democracia tem ouvidos para ouvir.
Esse povo sabe que as instituições são “da democracia”, a ela devem servir, mas não são, em si mesmas, “a democracia”.
Por sua militância porém, veículos que eram oráculos de nossos pais a tudo retratam com as cores da irracionalidade, do desprezo e do ódio. Dão mais guarida ao fascismo dos antifas do que à civilizada manifestação dos conservadores!
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.