Percival Puggina

20/04/2012
PRESÍDIO CENTRAL DE PORTO ALEGRE. VERGONHOSO PARA QUEM? Observando as imagens do Presídio Central de Porto Alegre, reiteradamente exibidas na tevê e em fotos de jornais, ocorre-me uma pergunta: quem demoliu aquela construção? Quem arrancou portas e arrombou paredes para que houvesse liberdade de movimentação interna dos presos? A maior parcela de responsabilidade pela situação física da construção é dos próprios presos sobre cuja dignidade humana tanto se fala, com justa razão. Mas é bom lembrar que os presos destruíram quase tudo que ali se encontra em estado ruinoso. Ademais, em qualquer presídio responsavelmente administrado, quem cuida da limpeza são os próprios encarcerados. Então, também aquela sujeira expressa imenso desleixo dos usuários. Por fim, outra grande parte da responsabilidade, a maior, sem dúvida, cabe ao Estado, que descumpre a primeira de suas funções essenciais (eu estou dizendo a primeira, aquela para a qual o Estado nasceu!) que é cuidar da segurança dos cidadãos. Ante tal situação, os cidadãos comuns, ao contrário do que vem sendo dito, não têm de que se envergonhar. Têm que se aborrecer, entristecer, indignar. Mas não têm por que se envergonhar. Pagamos impostos suficientes para proporcionar presídios excelentes, mas quando o dinheiro chega na ponta do serviço público prestado não dá nem para manter uma pocilga.

Percival Puggina

13/04/2012
O ministro Marco Aurélio Mello aproveitou seu voto em favor do aborto de anencéfalos para promover extenso ataque ao meu direito de opinião e ao meu direito de tentar fazer com que aquilo que penso adquira repercussão social e vigência jurídica e política no país onde nasci e onde sou cidadão no pleno exercício de meus direitos. O ministro está convencido de que apenas pessoas que pensam como ele - ou que, como ele, não pensam como eu - têm o direito de opinar e mobilizar opiniões sobre assuntos em que a Moral se encontra com o Direito. Isso ficou muito claro quando afirmou, textualmente, como argumento trazido ao seu voto, que: 1º) dogmas de fé não podem influenciar decisões do Estado; e que 2º) ?a questão posta nesse processo (...) não pode ser examinada sob os influxos de orientações morais religiosas?. Para o ministro, portanto, as opiniões que guardem relação com moral de base religiosa assemelham-se a dogmas e resultam impertinentes ao direito positivo brasileiro. Não há como conceder ao ministro o benefício da dúvida, supondo que ele talvez desconheça a diferença entre uma coisa e outra. Trata-se de uma hipótese inconcebível. Ele sabe. Aceito, então, sugestões que resguardem Sua Excelência de uma severíssima reprovação junto à opinião pública brasileira. Eu não encontrei qualquer que sirva a esse fim. Já vi muito tolo dizendo isso, mas o ministro não é um tolo. Ainda que eu estivesse solitário nas minhas convicções morais; ainda que não houvesse dezenas de milhões de brasileiros que pensam como eu sobre temas relacionados à vida, à família, à ordem social, à política, aos direitos fundamentais; ainda que eu fosse o único brasileiro a perceber que já estão impressos na Constituição da República os princípios que me inspiram e os valores em que creio, jamais aceitaria que me fosse recusado o direito de buscar civicamente, pelas vias institucionais, a vigência social e jurídica do meu ponto de vista. O Estado Democrático de Direito me assegura isso e mais: mesmo que a Constituição recusasse todas as minhas convicções - coisa que ela não faz e por isso suscita essas releituras tão em voga - ainda assim, ela me concederia o direito de opinar e de tentar mudar o que a meu juízo devesse ser mudado, segundo a ordem instituída. O ministro sabe que é assim. E isso nada tem a ver com dogma. Tem a ver com democracia e com direitos fundamentais dos cidadãos. Sobre o tema escreve com muita precisão o filósofo espanhol e professor de Direito Andrés Ollero: Ter em conta as convicções de todos equivale, por outro lado, a reconhecer que todos têm convicções. Os reais adversários do pluralismo e, portanto, da verdadeira liberdade humana, são, precisamente, aqueles que se afobam em proscrever do debate político quaisquer conceitos ou convicções que possam ser associados a alguma vertente religiosa. No fundo de tais esforços vicejam o orgulho e a vaidade, dois ingredientes que fermentam e estufam a massa de rocambole do STF. Aliás, do ministro Marco Aurélio Mello ouvi, viva voz, numa entrevista em foi questionado sobre certa indicação para aquela corte: O que mais quero é que apareça alguém para me fazer sombra. Que respeito pode uma vaidade dessas conceder à opinião alheia? ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões

Percival Puggina

07/04/2012
Em 2014, com a Copa, o Brasil receberá milhares turistas. Na África do Sul, contados um a um, foram 309.554, dos quais 32% eram africanos, 24% europeus e 13% americanos. Bem menos do que os 2 milhões de visitantes que foram assistir os jogos na Alemanha e um pouco menos do que os 400 mil que, em 1994, viajaram para os Estados Unidos. Embora em proporções distantes daquelas em que se alinham as euforias políticas, deve-se reconhecer que haverá, sim, expressivo fluxo de turistas. Todos devem ser bem recebidos e levar daqui boa impressão. Para eles e para isso vêm aí as tais obras, que são, de fato, o que mais nos interessa. Estamos faceiros com elas e reconhecemos, quase unanimemente, ser indispensável atender quaisquer exigências que a Fifa nos faça. Menos pela Copa, repito, e mais, muito mais, pelas obras da Copa. Estamos votando, inclusive, uma lei federal dizendo que durante o período dos jogos, certos preceitos da nossa legislação terão vigência sustada para que prevaleça a soberania da Fifa. Tudo pelas obras. Tenho bem presente o pânico que fazia fremir o Rio Grande toda vez que, nos arremates para acertar a empreitada do estádio do Inter, a bola batia na trave. Um gelo de fazer fumaça corria pela espinha dorsal das autoridades. Aquele pé no traseiro sugerido por um desaforado francês da Fifa poderia chutar para longe de nós os benditos empreendimentos. Enfim, desse risco parece que nos livramos. Contudo, no catálogo das promessas, no instigante saco de Papai Noel da Copa, há um detalhe que me incomoda como etiqueta áspera no cangote. Por que só agora aparecem recursos para essas melhorias em nossa infraestrutura, muitas das quais previstas e necessárias há longo tempo à mobilidade urbana de Porto Alegre? Só por causa da Fifa e seus turistas? Como se entende isso? Afinal, não há um dólar furado de origem externa a financiá-las. A Fifa só arrecada. Não põe um pila no negócio. Todas as obras serão feitas com dinheiro nosso, verde-amarelo, federal, do contribuinte brasileiro. Dinheiro que por algum motivo sinistro e malevolente não sairia do Tesouro Nacional nem dos cofres do BNDES pelo bem de Porto Alegre nem do Rio Grande do Sul. Dinheiro que não veria o pôr de sol do Guaíba se fosse para atender o povo daqui. Dinheiro que só deu as caras por causa dos turistas que aparecerão atraídos pelo evento. Estou apontando uma evidência, tipo - Olha aí, oh!. Aliás, ninguém se deu o trabalho de disfarçar. Não são para nós. São para a Copa. E então? Não é um insulto? Graças à Fifa e aos visitantes estrangeiros conquistamos um pacote de regalias que sem essa motivação não mereceríamos e não teríamos. É nisso que dá havermos permitido que a centralização de tudo nas mãos União relegasse Estados e municípios à situação atual. Não será preciso piorar muito para nos tornarmos meras colônias de uma metrópole localizada no Planalto Central. Estão nessa situação praticamente todas as unidades federadas, com exceção das amigas da corte. Não há separatismo nessa analogia que faço. Bem ao contrário, se estou reclamando é exatamente porque muito antes de ser gaúcho sou brasileiro e rejeito o que estão fazendo com a Federação sonhada por nossos ancestrais. Obras da Copa!. Me poupem. Especial para ZERO HORA 08/04/2012

Percival Puggina

07/04/2012
Em março de 1960 eu era um adolescente interiorano, recém chegado a Porto Alegre, iniciando o Curso Científico no tradicional Julinho, como era conhecido o Colégio Estadual Julio de Castilhos. Nunca vira uma escola com tanta gente, tamanha efervescência política e professores tão exigentes. Mas o que importa aqui é a política. Até sobre as provincianas disputas estudantis daqueles anos incidiam os reflexos da Guerra Fria. Os comunistas do Julinho - e havia muitos - cantavam uma espécie de grito de guerra em que se anunciava que a vil reação vai virar sabão. Havia estudantes profissionais, com idade para serem pais dos colegas, incumbidos, pelo Partidão, de angariar militantes para a prenunciada cadeia produtiva de sebos e sabões que usaria como matéria-prima a nós, os adolescentes da direita reacionária. Ainda hoje, quando encontro por aí alguns desses camaradas, me retornam à mente suas desajeitadas figuras juvenis cantando ameaçadores refrões pelos corredores do colégio. Posteriormente, na Faculdade de Arquitetura, testemunhei o upgrade da insanidade ideológica. Professores expurgados, colegas que desapareciam para, meses depois, reaparecer no Chile ou em algum lugar da Europa. Aquilo mexeu comigo. Como era contra radicalismos e violências suscitei malquerenças de ambas as trincheiras. Protestei contra o expurgo de professores. Fui fichado no DOPS. Reinava a desarmonia nas turmas, construíam-se sólidas inimizades e havia um mal-estar permanente nas salas de aula e na política estudantil. O país inteiro, aliás, não teve mais normalidade institucional até a eleição de Tancredo Neves. Sequestravam-se de diplomatas. Colegas envolveram-se numa ação fracassada contra o cônsul norte-americano em Porto Alegre. Bombas explodiam em atos terroristas. Assaltos a bancos, carros fortes, joalherias e supermercados eram ações expropriatórias para atender a crescente demanda da revolução comunista por recursos financeiros. A esquerda dava uma de Fidel e Che - os Batman e Robin da luta armada latino-americana. Sequestrava aeronaves, explodia quartéis, roubava armamentos. E repressão, claro. Como não? Por volta de 1985, a abertura estava concluída. Haviam retornado os que saíram do país. Foram criados novos partidos. Completara-se a anistia de 1979 com o perdão aos que haviam cometido crimes de sangue. O passado não era consertável, mas o futuro sim. Contamos, hoje, mais de um quarto de século de estabilidade num ambiente político marcado, até aqui, por muito menos ódios e ressentimentos. No próximo pleito presidencial, os adversários do regime instalado em 1964 terão exercido o poder por duas décadas consecutivas. Fernando Henrique esteve no exílio. Lula tinha sido líder sindical, passou uns dias na cadeia e fora afastado da presidência do seu sindicato. Em 2010 elegeu-se uma companheira em armas, como a ela se referiu o bem informado José Dirceu quando lhe passou a chefia da Casa Civil. Vinte anos. Como podem, agora, falar em Comissão da Verdade para pacificar o país e completar a redemocratização? Nada desmente mais essa farsa revisionista e revanchista do que o estresse político causado nas últimas semanas por sucessivos episódios. Vivem eles a nostalgia dos ideais revolucionários que se corromperam no poder. Foram-se as utopias e sucumbiu a reputação. É preciso, agora, posar como flagelados de uma guerra santa, como heróis e mártires de uma ingente luta pela democracia. É preciso suscitar ódios para recuperar o amor - ainda que seja, apenas, o amor próprio. Falsários! Com a dócil e emasculada aquiescência dos herdeiros do MDB, mais interessados em gravitar perto das prateleiras do almoxarifado do poder, tomam nas impróprias mãos uma bandeira democrática que nunca ergueram, fosse para a defender a democracia, como alegava fazer a ARENA, fosse para a restaurar enquanto esteve perdida. Em momento algum daqueles anos loucos usaram a palavra democracia de um modo que não fosse para a desqualificar como serva dos interesses da burguesia. Quando sequestraram o embaixador norte-americano Burke Elbrick, exigiram e conseguiram que fosse lido um manifesto em rede nacional. Com uma oportunidade de ouro dessas nas mãos, falaram em democracia? Não! Nem de passagem. Falaram em novos assaltos, sequestros, justiçamentos e extensão da guerrilha ao campo. Os panfletos que deixavam nos locais de suas ações tampouco usavam essa palavra. Os nomes das dezenas de organizações que atuaram no período ostentavam os vocábulos marxista, leninista, maoísta, revolucionário, comunista, socialista, proletário. Mas a palavra democrático jamais aparece! Não há um D em qualquer das siglas. Então, para alcançarem o intuito - bem stalinista, por sinal - de reescrever a história será preciso passar a borracha em muita coisa redigida por eles mesmos. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

05/04/2012
DO CHINELO AO MOCASSIM ITALIANO Sofismas costumam ser muito bem-vindos como tática para formar consensos sociais. É comum, por exemplo, mas falso como flor de plástico, dizer-se que antes (tempo dos governos militares) a corrupção não aparecia por causa da censura. Pronto. Uma verdade histórica (havia censura) dá à luz uma mentira que passa a ser aceita como verdade (havia corrupção mas ela não podia ser revelada). Ora, se fosse assim, sustada a censura, cessaram os impedimentos à divulgação do que antes teria sido mantido oculto. Malgré tout, da revista Carta Capital aos inúmeros blogs e blogueiros a soldo do petismo, nenhum dos jornalistas ou veículos de mídia que vivem apregoando isso se mostrou capaz ou interessado em apontar casos de enriquecimento ilícito entre militares que exerceram poder no país entre 1964 e 1985. Generaliza-se contra a honra alheia em favor da própria desonra, porque o que mais se vê no Brasil, de lá para cá, é gente chegando em Brasília de ônibus e de chinelo para desembarcar imediatamente em mocassins italianos e camionetões importados.

Percival Puggina

30/03/2012
Para quem não lembra, o projeto de lei que se tornou conhecido como da Ficha Limpa foi aprovado na Câmara dos Deputados com 412 votos a favor e nenhum contra. Depois, tramitou no Senado e saiu de lá consagrado com um placar de 76 votos a zero. Está bem, nem toda unanimidade é burra, mas nessa aí, obviamente, havia alguma coisa estranha. À época, pensando a respeito, deduzi que a porção menos virtuosa, menos seráfica, dos dois plenários votara convencida de que a lei não seria para valer. Ela não haveria de passar pelo rigoroso crivo do STF. De fato, para o pleito de 2010 não passou. Mas agora, em 2012, retornou às portas do Supremo e ... surpresa! Colheu a bênção de sete ministros. Esqueceram-se os fichas-sujas de que os membros da nossa corte constitucional às vezes fecham um olho para o texto e decidem segundo a própria testa e gosto. No caso, afortunadamente, em perfeita consonância com o anseio nacional. Mas cá entre nós, essa lei não é constitucional porque esteja de acordo com a Constituição, mas porque o Supremo declarou que está. Porém - ah!, porém - como talvez dissesse o Paulinho da Viola, mesmo que os ministros escrevam em linhas direitas, os corruptos trafegam sobre linhas tortas. E eu temo que a Lei da Ficha Limpa produza como resultado apenas uma renovação dos quadros corruptos do país. Estaremos trocando corruptos de ficha encardida por corruptos com ficha novinha em folha. Quando digo isso, as pessoas me olham com incredulidade. Elas estão convencidas de que é a maldade humana que corrompe nossas primorosas instituições. A modelagem institucional do país não entra no foco de suas análises. O cidadão brasileiro, via de regra, pensa em nomes, em pessoas, em indivíduos. Quando avança um pouco mais pensa em ideias, princípios, valores. Mas raramente se detém a examinar nossas instituições. Por esse motivo, estamos sempre tentando consertar as consequências e desatentos às causas dos problemas. É como se proclamássemos: Abaixo as consequências! Longa vida às causas! Se examinarmos a realidade nacional desde essa outra perspectiva, na perspectiva das causas, ficará mais fácil perceber que mantido o modelo institucional, são remotas, aleatórias, as possibilidades de que não convirjam para a cena política novos figurantes com motivações análogas às daqueles que serão substituídos. No pernicioso conjunto das fichas sujas, a mais suja de todas é a ficha do nosso modelo institucional, onde os bons frutos são verdadeiros lírios do pântano e onde os estadistas rareiam, deslocados que são para outras esferas de atuação por um sistema que os repele. Trata-se de um conjunto de grandes males que parecem ter sido colhidos a pinça para produzir os efeitos que, em vão, tentamos combater: eleição proporcional de deputados tendo como circunscrição todo o território da unidade federada onde cada um reside; multipartidarismo que congestiona, que polui, pelo excessivo número de legendas e candidatos, toda a vitrine eleitoral, impedindo o efetivo confronto entre candidatos e propostas; estímulo (pelo sistema proporcional) à representação política dos grupos de interesse, em flagrante contradição e agressão ao bem comum; atribuição, a uma só pessoa, das funções de chefia de Estado, de governo e da administração; escolha dessa pessoa pelo sistema majoritário, independentemente da maioria parlamentar, que precisa ser composta por arrendamento das funções de governo e administração, e mediante uma cesta de favores cada vez mais robusta. Soma-se a isso feixe de poderes políticos, econômicos e financeiros nas mãos da presidência da República. É uma convergência que vai no contrapelo da democracia e do federalismo. Concentração de poder é antônimo de ambos e exerce atração irresistível aos mal intencionados. Todo nosso aplauso, então, às exceções, aos fichas-limpas num sistema que vai continuar gerando fichas-sujas. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões. Especial para a Revista Voto, edição de março/2012

Percival Puggina

24/03/2012
Não é demais voltar ao assunto quando não passa um dia sem que a mídia abra espaços para a decisão do Conselho de Magistratura do TJ/RS. Viva! Mais uma façanha do Rio Grande. Noutra despachamos a Ford. Nesta, os crucifixos, enxotados e empacotados. Há uma peculiaridade passando batida nessa história. Quem é, mesmo, que quer a remoção? Até hoje, não vi entre as manifestações de apoio à determinação uma única que tenha sido emitida por qualquer das centenas de confissões religiosas em consideração às quais se diz que foi decretada. Embora o relator do processo tenha escrito que o cidadão judeu, o muçulmano, o ateu, ou seja, o não cristão, tem o mesmo direito constitucionalmente assegurado de não se sentir discriminado pela ostentação de símbolo expressivo de outra religião em local público, ninguém, de crença alguma, se manifestou, mesmo que fosse para um simples e protocolar muito obrigado. Por quê? Por que lhes ficou inequívoco terem sido usados para intenções que também lhes são hostis! As próprias entidades que requereram a retirada dos crucifixos articulam-se em torno de comportamentos sexuais e não sobre religião ou religiões. Nesse mesmo viés, se observamos com acuidade iniciativas análogas, será forçoso perceber que tampouco provêm de crentes ou ateus num sentido genérico, mas de pequena parcela destes últimos - os ateus militantes. Suas manifestações, sistematicamente, se voltam contra o que os símbolos representam, ou seja, as religiões, cuja influência na sociedade anseiam por eliminar. Mostram, especialmente em relação ao cristianismo, animosidade e um conhecimento de panfleto. Sempre mencionam Cruzadas, Inquisição e Galileu, mas parecem incapazes de escrever meia página séria sobre esses temas pois tudo que repetem, vida afora, foi o que ouviram por aí, servido como nutrição ideológica. Desculpem-me o sarcasmo, mas passei os últimos dias lendo tais tolices aportadas anacronicamente como se fossem argumentos para justificar a retirada dos crucifixos! Pior do que desconhecer pelo não uso da inteligência é conhecer raivosamente pelo uso do fígado. Corre-se o risco de passar por cima do tesouro e ir catar lixo logo adiante. Esse exótico discernimento, assumido nos poderes de Estado, resulta danoso à identidade nacional, ofensivo à história do Brasil, depreciativo ao que há de melhor na civilização ocidental e agressivo a um bem do espírito e da cultura considerado precioso pela imensa maioria do povo deste país! Mas a história ensina: é preciso gerar descrédito ao que merece respeito para, depois, exigir respeito ao que não merece. Quando os constituintes de 1988 promulgaram nossa Constituição declarando que o faziam sob a proteção de Deus estavam querendo dizer que a essência dos preceitos esculpidos na nossa lei maior e a ordem jurídica de convivência a que ela nos submete não decorrem de uma ideologia ou da mera vontade humana, não foram achados na rua ou numa mesa de bar, mas provêm de uma lei natural, transcendente e superior. Com efeito, do Estado recebemos a cidadania, mas não é dele que nos vêm a dignidade humana nem os correspondentes direitos. Ora, o ateísmo militante não tolera isso. Deseja manipular a natureza humana a seu bel-prazer e a sociedade inteira através da política. O Estado, como o concebem, não pode conviver com juízos morais divergentes. Por isso, reitero: a remoção dos crucifixos é muito menos um ato jurídico e muito mais um ato político que contradiz nossa história e tradição. Paredes nuas não têm passado nem memória. Assemelham-se a santuários do nada. Especial para Zero Hora, em 25/03/2011

Percival Puggina

24/03/2012
Confesso que volta e meia me vejo assistindo, pela tevê, às sessões do Senado Federal ou às da Câmara dos Deputados, embora esta últimas, não raro, se assemelhem a uma fila de telefone público mandando recados para o interior. Pois foi num desses cateterismos televisivos através do coração da democracia brasileira que me deparei, na última quinta-feira, com a transmissão de uma sessão da Comissão de Relações Exteriores do Senado, sob presidência do senador Fernando Collor. Na pauta, dois requerimentos apresentados por Eduardo Suplicy. O paulista, com sua retórica de hipnotizador, propôs o envio de duas moções. Uma ao governo dos Estados Unidos pedindo a desocupação de Guantánamo, a liberdade dos cinco agentes cubanos presos e condenados pela justiça norte-americana, e o fim do tal embargo comercial que ninguém respeita. A outra moção seria dirigida a Cuba, pedindo a libertação dos presos políticos e o levantamento das restrições às entradas e saídas de cidadãos cubanos no próprio país. Para quem não sabe, cubanos só saem de Cuba com beneplácito do governo ou dos tubarões. E o beneplácito do governo é o menos provável. A primeira moção teve aprovação resoluta, unânime, indiscutível. A segunda abatumou. Os senadores Ranulfe Rodrigues, Vanezza Grazziotin, Fernando Collor e, principalmente, Delcídio do Amaral, entenderam inconveniente que o Brasil se imiscuísse em assuntos internos de Cuba. A moção foi rejeitada. Em vão Pedro Simon e Ana Amélia expressaram surpresa com a escancarada contradição. A maioria dos presentes não viu problemas em dar palpites à política norte-americana, mas fazer o mesmo em relação a Cuba, sim, constituiria grave intromissão em assuntos internos de uma nação soberana. Exclame-se, amigo leitor. Xingue. Mas escolha adjetivos que correspondam a um diagnóstico político correto. Aquela turma conta muito com a ingenuidade alheia. Preza imensamente a ingenuidade alheia! Graças a essa ingenuidade, pela qual o ocorrido aponta direto para a rematada incoerência e para o absurdo, eles se dão o direito de fazer política segundo uma lógica própria, uma racionalidade disciplinada e obedecendo a um mínimo ético que é o máximo da malícia. As pessoas tendem a concluir assim: Um peixinho de aquário perceberia tal contradição!. Sim, um peixinho de aquário e um senador stalinista. Então, entenda: qualquer deles, jamais votaria moção contra Cuba. Os repórteres que perguntaram à presidente Dilma e ao governador Tarso o que tinham a dizer sobre direitos humanos por lá, depois das recentes visitas à Ilha, proporcionaram a ambos oportunidade de tecer pesadas críticas aos Estados Unidos. Sem qualquer embaraço. Sobre Cuba, nada. Contradição? Não, apenas ética stalinista. Tudo pela causa, camaradas! Digam-me quando não foi assim. É por serem assim que tais autoridades, homens e mulheres, fazem um discurso sobre direitos humanos no Brasil, criam um Ministério da Mulher - e andam aos abraços com as autoridades iranianas. Vou encerrar reproduzindo parte de um artigo no qual Eça de Queiroz, em 1871, expressou seu constrangimento ante o que via acontecer em seu Portugal. No caso, ele menciona a Espanha. Nós deveríamos colocar-nos, pelos mesmos e muitos outros motivos, também constrangidos diante do mundo. Diz ele: O país não pode, em sua honra, consentir que os espanhóis o venham ver. O país está atrasado, embrutecido, remendado, sujo, insípido. O país precisa fechar-se por dentro e correr as cortinas. E é uma impertinência introduzir no meio de nosso total desarranjo, hóspedes curiosos, interessados, de luneta sarcástica. Com a sociedade ingenuamente adaptada a uma crise moral de rosto sujo e cauda longa, podíamos, muito bem, passar sem ressuscitar entre nós e exibir ao mundo uma ética stalinista de malícia e conveniência que se impõe sobre tudo. Espere a incoerência e não se surpreenderá jamais. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

Percival Puggina

18/03/2012
O que está em jogo nesse processo (...) é a disputa da memória e da verdade histórica e política do período. De um lado, os que lutaram contra o golpe militar, pela democracia e pela liberdade em nosso país (...). Extraído do site inverta.org. Não há qualquer novidade nisso. Nem na disputa da memória e da verdade, nem na deslavada e tão repetida mentira que lhe segue. A pacificação nacional, a normalidade democrática e a anistia, quando necessária para isso, sempre tiveram inimigos. No geral, os mesmos, que se reproduzem e se repetem como ondas chegando na praia das instituições nacionais. Durante os governos militares, a pacificação foi retardada por aqueles que pegaram em armas para derrubar um regime autoritário e implantar um outro, totalitário, infinitamente pior. Impossível negar: sob orientação e financiados por potências estrangeiras, ansiavam por implantar no Brasil uma ditadura do proletariado segundo os modelos que, entre outros, tiranizavam os povos da URSS, China e Cuba. Em diversos depoimentos, os próprios militantes da luta armada reconhecem que ela serviu para prolongar o regime militar. Assista, a propósito, o filme Hércules 56, onde conhecidos participantes daqueles episódios afirmam-no de viva voz e corpo presente. Não há que negar, tampouco: se entre os que pegaram em armas existiu alguém com afeições democráticas, essa afeição era tão clandestina, tão dissimulada que não chegou a ser conhecida. Jamais deu nome a qualquer de suas organizações ou fez parte de seus documentos ou manifestos. Bem ao contrário. A democracia, para eles, era papo da burguesia. A própria anistia de 1979 precisou - por incrível que pareça - superar obstáculos interpostos por dois flancos. Pelo flanco da direita agiam militares da chamada linha-dura e políticos civis que anteviram a perda do poder sob o qual vicejavam. Pelo flanco da esquerda atacavam-na políticos de muito mau caráter, receosos da concorrência dos exilados e anistiados que retornariam às refregas eleitorais. Lula chegou a expressar sua contrariedade com a possível volta dos que estavam no exterior em recado enviado ao general Golbery, através de Claudio Lembo, então presidente da ARENA: ?Doutor Claudio, fala para o general que eu não entro nessa porque eu quero que esses caras se danem. Os caras estão lá tomando vinho e vêm para cá mandar em nós? Essa reunião e a resposta de Lula foram testemunhadas pelo jornalista José Nêumanne que relatou o episódio no livro O que sei de Lula. Como tudo no Brasil, a anistia virou uma negociata. Milionárias indenizações e farta distribuição de robustas pensões vitalícias se derramam ainda hoje sobre árvores genealógicas inteiras. Em alguns casos fazendo justiça; noutros servindo à sanha de picaretas. E de novo Lula aparece na lista. Virou pensionista por ter sido destituído da presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Pediu e levou. Ligeirinho. Um negócio da China. Mas o fato é que apesar dos pesares, dos opositores e dos abusadores, a anistia restaurou a normalidade institucional e estamos no rumo para cumprir o mais longo período de estabilidade política da nossa história republicana. Mas isso não satisfaz os revanchistas. Em plena conformidade com a tradição dos totalitarismos, é preciso escrever a história com os substantivos e os adjetivos que lhes convém. É preciso transformar bandidos e traidores em mártires. É preciso pendurar no peito de guerrilheiros comunistas, assaltantes, quadrilheiros, sequestradores, cultores da violência, que sempre desprezaram a democracia e seus valores, a medalha de honra da causa que ridicularizavam. E é preciso acabar com essa tranquilidade porque, como ensinou o camarada Che Guevara de suas surradas camisetas, o ódio é instrumento de luta. Escolha o leitor com quem quer ficar. Se com o ódio cultivado de Guevara ou com as palavras que Mandela transformou em vida vivida na África do Sul: Ninguém nasce odiando (...). Para odiar as pessoas precisam aprender. E se podem aprender a odiar, podem aprender a amar. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.