ROMA BEM VALE UMA MISSA
Henrique IV, que reinou sobre a França na virada para o século 17, enfrentou diversas vicissitudes até conseguir ser aceito como soberano em Paris. Henrique era protestante e, por isso, sofria rejeição da maioria católica parisiense. Por fim, para superar as dificuldades que lhe estavam sendo postas, resolveu tornar-se católico. Conta-se que o rei, que veio a ser muito reverenciado como excelente monarca, ao decidir converter-se, teria dito: Paris vale bem uma missa. Essa frase atravessa três séculos como metáfora para justificar certas concessões cobradas pela política aos que a ela se dedicam.
Em Roma, no dia 18 deste mês, a presidente Dilma, perguntada pelos repórteres sobre o que iria tratar com o papa Francisco, respondeu que o assunto seria pobreza e fome. A frase soou bonito porque, segundo se tem lido, expressa uma pauta bem ao gosto de Sua Santidade. Fome e pobreza.
A exemplo de outros chefes de Estado, a presidente foi à capital do mundo católico com o objetivo de assistir à missa inaugural do novo pontificado. Absolutamente justificável, a viagem, tendo em vista o fato de ser, o Brasil, a maior nação católica do mundo. Dilma representava, portanto, um bocado de gente, mas não tenho certeza de que representasse a si mesma, ou que atribuísse maior importância ao ato. Afinal, ela não parece ser muito dada a genuflexões e crendospadres (o substantivo consta no dicionário Houaiss).
Dilma achou legal viajar com toda a corte. Para acolher os devotos desembarcados do avião presidencial, foi necessário reservar 52 apartamentos em hotel com luxo compatível (procure na internet pelo Westin Excelsior e veja fotos de suas dependências), alugar sete automóveis com motorista, um carro blindado de luxo, quatro vans, um microônibus para a chinelagem e uma viatura para os agentes de segurança. Fico imaginando os convidados e sua resistente aquiescência. Putz, missa! Mas, afinal, terão dito, Roma vale bem uma missa.
Surge, agora, a questão da pobreza, já que de fome, na Itália, sequer se pode falar em voz alta. Com que autoridade a presidente falou sobre pobreza após mandar aos contribuintes brasileiros, via Tesouro Nacional, a conta de um roteiro turístico milionário? Tais contradições e abusos são evidências da ausência de limites que costuma cercar o exercício do Poder. Disso temos nossa quota diária de notícias, para constrangimento nacional. Informam os repórteres presentes que Dilma foi à missa e não comungou. Fez bem, porque essa viagem foi um grave pecado contra a virtude da temperança.
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* Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.