Percival Puggina
12/11/2021
Percival Puggina
Em 31 de maio de 2017, sob muita pressão, num tempo em que os grandes veículos de comunicação ainda cumpriam algum papel frente aos problemas nacionais, o Senado Federal aprovou, em 2º turno, a PEC 10/2013 que extinguia o foro especial por prerrogativa de função, mais conhecido no mundo do crime pela alcunha de foro privilegiado. Placar da votação 69 a zero. A proposta seguiu imediatamente para a Câmara dos Deputados, onde foi protocolada como PEC 133/17.
Desde então, muito provavelmente cumprindo acordo anterior, a proposta rolou como pedra de rio. Em fevereiro de 2019, redonda e polida como convém a uma boa pedra de rio, encalhou em remanso à porta do brioso plenário, aguardando a sábia deliberação dos 513 deputados ali aportados com seus novos e flamantes diplomas. Já recebeu mais de 30 requerimentos para ser posta em votação, sempre recusados pelos sucessivos presidentes daquele legislativo. Puxe o banco, sente e espere.
Salvo poucas, honradas e brilhantes exceções, a atual representação parlamentar nacional conseguiu a proeza de definhar moralmente em relação à anterior. Em votações sinuosas, anônimas, foi minuciosa no desempenho da tradicional função de cuidar bem de si mesma. Vingou-se da Lava Jato, restringiu quanto pôde a persecução criminal, aliviou eventuais próprias e futuras penas, transferiu à sociedade a conta de seus advogados. E por aí andaram. A tranqueira da PEC sobre foro privilegiado é só um pequeno exemplo.
Recentemente recebi da Editora Avis Rara um exemplar de “Os artigos federalistas”, célebre coletânea dos textos publicados pelos três principais inspiradores da Constituição dos Estados Unidos – Alexander Hamilton, John Jay e James Madison. No artigo 57, Madison se debruça sobre as tentações a que estão sujeitos os representantes do povo e aponta os modos de obstar suas consequências.
Lá pelas tantas, Madison escreve que a adoção de medidas opressivas pela Câmara dos Representantes também é tolhida porque “seus membros não podem fazer nenhuma lei que não tenha seu pleno efeito sobre eles mesmos e seus amigos, tanto quanto sobre a grande maioria da sociedade. Esse sempre foi considerado um dos mais fortes elos que permitem à política humana unir governantes e povo”. A seguir, Madison se pergunta: “O que poderá impedir os membros da Câmara de Representantes de fazer discriminações legais em favor de si mesmos e de uma classe da sociedade?”. E responde: “a índole de todo o sistema; a natureza das leis justas e constitucionais, e acima de tudo, o espírito vigilante e varonil que move o povo da América, um espírito que alimenta a liberdade e é, em troca, alimentado por ela”.
Peço a Deus que os leitores destas linhas, em vez de se deixarem abater pela realidade sobressaliente do contraste acima exposto, reconheçam seu próprio valor e enxotem os vendilhões do templo da democracia e da liberdade. E que o façam, com vigor cívico, para que os votos a serem dados em outubro do ano vindouro sejam apenas reflexos finais de uma longa ação esclarecedora sobre as verdades, princípios e valores fundantes de uma democracia que assegure nossa liberdade. Assim, este povo não mais será vassalo de ninguém.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
08/11/2021
Percival Puggina
De uns tempos para cá, a militância esquerdista brasileira parece haver encontrado o que fazer na afirmação de pautas ambientais e identitárias, ideologia de gênero, domínio do vocabulário e imposição do “politicamente correto”. A jornada se completa com algumas ações do tipo “Fora Bolsonaro” escrito assim, sem vírgula e sem ponto de exclamação. Mas aí já seria exigir demais.
Ao procurar votos por esses caminhos, estabelecendo a cizânia e, principalmente, restringido a liberdade de expressão, a esquerda acordou sua adormecida divergência natural. Aqui e ali, dispersos, os conservadores começaram a sentir cheiro de fumaça e passaram a reagir de modo inevitavelmente crescente, num mecanismo de autodefesa.
Lembro-me bem da primeira vez em que fui advertido de estar sendo politicamente incorreto. Eu criticara o incremento da gravidez na adolescência e seus efeitos, por vezes devastadores, sobre a vida de tantas jovens. Lá pelas tantas, denunciei a promiscuidade incentivada pela moderna produção “cultural”, especialmente por aquela produção voltada para a juventude. Meu interlocutor julgou-se no direito de me acusar de estar sendo politicamente incorreto ao desqualificar, com palavras e autoritarismo moralista, a “opção” das garotinhas. Minha resposta foi ainda mais incorreta e não caberia reproduzir aqui.
Por cancelar o debate sobre certos temas ditos sensíveis e dá-los por consensuais e irrecorríveis – malgrado sejam insustentáveis numa interlocução esclarecida e bem intencionada – o “politicamente correto” deixa de ser civilizado e benéfico para ser uma velhacaria.
Impõe, assim, uma servidão mental e se vai, pouco a pouco, entregando as liberdades para o discernimento e a tutela daqueles que confiam mais no Estado e no partido do que em si mesmos e na sociedade. Parcela poderosa do Estado e muitos partidos querem exatamente isso.
Breve não lembraremos mais o caso do jogador Maurício Souza, como não lembramos o caso do delegado que, manifestando-se sobre o estupro de uma menina de 11 anos pelo homem que vivia com a mãe, afirmou “haver crianças pagando muito caro pelo rodízio de padrastos em casa”. O autor da frase foi qualificado como machista e exonerado da função que ocupava na área de comunicação social de sua instituição.
Sempre que me deparo com esse tipo de abuso, essa estatização de conceitos, versões e narrativas como ação política, fico me perguntando se é para isso que nós, cidadãos, formamos partidos e instituímos poderes. Onde e quando esses poderes e partidos ocupam-se do Brasil real?
Principalmente, quando vão entender quão politicamente incorreto é seu agir e o quanto são cúmplices, por omissão ou interesse próprio, em relação a tantos de nossos males? Existe algo politicamente mais incorreto do que políticos incorrigíveis?
* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
07/11/2021
Percival Puggina
Sábado, dia 6 de novembro, vivi um dia excepcionalmente feliz. Em companhia do amigo Coronel Jorge Schwerz (do Canal Ao Bom Combate) e sua esposa, fui a Camaquã participar do Congresso do Movimento Brasil Conservador do RS.
Dois anos de “terrorismo e pandemia” paralisaram essas necessárias atividades, em seus primeiros movimentos, no início de 2020. Agora, quando a normalidade parece voltar à vida, conservadores retomam seus encontros regionais e municipais com o intuito de identificar o adversário, arregimentar, motivar, preparar quadros, estabelecer metas e estratégias para que seus princípios e valores se constituam em força política reconhecível como tal.
Ao longo destes últimos anos, tenho repetido insistentemente que todo o fogo descarregado sobre o governo do presidente Bolsonaro tem o conservadorismo como alvo real. Nós conservadores queremos exatamente o que eles querem ver destruído, desconstituído, fora da pauta das alternativas. Trata-se, então, de um enfrentamento travado no plano das ideias, da cultura e da política. No Brasil, diante do que vemos acontecer, a empreitada conservadora é uma obra de salvação nacional.
Por isso, foi muito prazeroso falar ao público que lotou, com interesse e entusiasmo o amplo auditório e dependências do Centro Empresarial Humanize, num evento notável. Pretendia retornar a Porto Alegre após minha participação no início da manhã, mas fiquei até o final da tarde porque logo percebi uma boa oportunidade para conhecer, reencontrar e, principalmente, aprender com figuras destacadas do nosso conservadorismo. Ali estavam, movidos pelo mesmo ideal, intelectuais, políticas, comunicadores e lideranças como, entre outros, José Carlos Sepúlveda, Ernesto Araújo, Paulo Henrique Araújo, João Pedro Petek, deputado Luciano Zucco, deputado Eric Lins, vereadora Fernanda Barth, Felipe Pedri, Paula Cassol, Bruno Dornelles, Carina Belomé, Gustavo Vitorino e os três maravilhosos talentos (o Paulo, o Augusto e o Bismark) do grupo Hipócritas.
No início da manhã, também assistimos, falando de Brasília, o deputado Eduardo Bolsonaro e enquanto retornávamos a Porto Alegre, ainda se apresentavam àquele privilegiado e entusiasmado grupo, remotamente, os irmãos Weintraub, Valéria Sher e Anderson Sander.
Na coordenação geral do congresso do MBC/RS, a promissora liderança do jovem Maurício Costa, que, com numeroso e acolhedor grupo de parceiros da causa, fez acontecer o evento.
Foi semeadura em terreno fértil, necessária para colher uma restauração de princípios e valores em ausência dos quais o Brasil ficou irreconhecível e a própria obra civilizadora passa a exigir realinhamento e reconstrução.
Que em ritmo acelerado, sob as bênçãos de Deus, o mesmo se reproduza centenas, milhares de vezes em nosso país.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
04/11/2021
Percival Puggina
“Ou você tem estratégia própria, ou é parte da estratégia de alguém” (Alvin Tofler).
A falta de estratégia para resistência e a incapacidade de enfrentar à hegemonia instalada trouxeram a educação brasileira ao estágio atual. Só uma educação idiotizada ou moralmente ruinosa pode perder tempo com socioconstrutivismo, Paulo Freire, ideologia de gênero e formação de militantes usando para isso nosso mais precioso recurso: nossos filhos.
Ao longo dos anos colhi milhares de relatos como os que, sinteticamente, transcrevo a seguir. São professores que falam, comentando um dos tantos artigos que escrevi sobre a militância esquerdista em sala de aula.
***
(...) Tenho 42 anos, estou iniciando uma licenciatura em pedagogia e observando a ementa do curso já fiquei preocupado com a biografia esquerdizante. Durante toda minha formação fui influenciado por essa opressão. Se chegar a atuar como professor, não farei o jogo desses...
(...) Sou Pedagogo, discordo de Paulo Freire e já estou começando a sofrer represálias.?
(...) Sempre fui discriminado por não concordar com Paulo Freire. Ele nunca foi um Educador. Parabéns...
(...) Sou uma professora de Sociologia e História que não segue livros... Que não tem voz em meio a tanta doutrinação dentro da escola. Mas dou o meu recado e vou pela contramão.
(...) Experimente criticar Paulo Freire em qualquer curso de licenciatura no Brasil e você vai ser comido vivo. É absurdo como muitas pessoas engolem essa tal pedagogia crítica que de crítica só tem o nome (já que, aparentemente, não pode ser criticada).
(...) Sou historiador.... fiquei fora de instituições por sempre discordar do lixo. Não raro, os sequelados e patrulheiros levantam-se, em palestras e cursos meus, e vão embora. Meus compromissos são com a História, a seriedade, a verdade... não com besteiróis ideológicos.?
(...) Tive vários professores, aqui no interior do Amazonas, que falavam que íamos estudar, estudar, estudar para plantar mandioca na praia. Quem precisa de professores assim?
(...) Sou professor de Matemática da rede estadual. Há reuniões semanais em que tentam doutrinar os professores o tempo todo.
(...) Fiz letras e posso afirmar que não segui a profissão de professor porque odeio ver a Educação do país se deteriorando. Eles não conseguiram me doutrinar. Tenho saudades da cartilha e da minha primeira professora, naquele tempo os alunos aprendiam de verdade.?
(...) agora sei porque o meu projeto de pós-graduação na Federal não foi aceito. (O professor, a seguir, cita Olavo de Carvalho em crítica a Lev Vigotsky, Emilia Ferreiro e Paulo Freire): “Os responsáveis pela adoção desse sistema são diretamente culpados pelo fracasso retumbante das nossas crianças, amplamente comprovado pelos testes internacionais. Esses homens não são educadores, são criminosos."
***
É natural que professores tenham posições próprias sobre questões sociais, políticas e econômicas. O que não podem é transformar sua sala de aula em local de militância e a cátedra em torno e formão para moldar os alunos à sua imagem e semelhança. Isso não é grosseria, é imoral.
Acho que já relatei isso, mas repito aqui o convite com que me deparei, “googlando” por aí, postado por um mestrando ou doutorando na área de Matemática. Nele, a comunidade acadêmica era instada a apreciar a explanação que faria sobre a "necessidade de uma atuação dos formadores no sentido de conscientizar os futuros professores de matemática de sua tarefa como intelectuais orgânicos a serviço da construção da hegemonia dos excluídos, dos explorados em geral”. Baboseira gramscista para professores de Matemática, em péssimo português.
Alunos, pais, legisladores e professores precisam se preparar para enfrentar a militância que, pilotando salas de aula, rouba o tempo e o futuro dos alunos.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
03/11/2021
Percival Puggina
É provável que só com ler o título deste artigo alguém já me esteja alertando mentalmente: "Olha que o Estado é laico!". Como se eu não soubesse! Tal advertência, tantas vezes lida e ouvida, tem por finalidade silenciar quem se manifeste a favor de algo que seja motivo de apreço para os cristãos. Isso leva ao seguinte disparate: do agnóstico ao bolchevista, do iletrado ao acadêmico, do maria-vai-com-as-outras ao ministro do STF, todos podem falar sobre quaisquer assuntos, especialmente sobre moral e valores. Admitem-se, com reverências, posições das mais diferentes culturas, da txucarramãe à budista. Calem-se, contudo, os que pretendam dizer algo que guarde relação com a cultura judaico-cristã, fundadora, com a filosofia grega e o direito romano, da civilização ocidental.
O tema "família" sempre foi conteúdo importante nas posições filosóficas e ideológicas. Os principais adversários do comunismo não são o capitalismo e a vida real, mas Deus e a família. Quando imposto pela força, o totalitarismo não tolerou que persistisse na sociedade algo que a influenciasse mais do que o Estado. Quando imposto pelo domínio da cultura, centra suas baterias na instituição familiar e em Deus. É a esteira aberta por Marx e por Engels.
Num sentido estritamente prático, sociológico, é impossível desconhecer que Deus e a família servem à sociedade, pelo amor, a ordem e a moral. Desconsiderados, restam apenas a lei, a força e o braço pesado de algum inimigo real da humanidade.
***
Contudo, não apenas os coletivismos e os totalitarismos investem contra a instituição familiar e contra a influência de uma cultura religiosa na vida social. Também a atacam, embora por outra frente, os defensores do individualismo exacerbado, anarco-individualistas. Afirmam que a família, por se constituir em um "coletivo" a influenciar fortemente os indivíduos, acaba opondo obstáculos à liberdade de cada um. “Culpa” que muitos atribuem também a Deus. Portanto, em benefício da liberdade de todos, é preciso reduzir a força desses vínculos.
Não é difícil perceber o que vai acontecer com a família à medida que os ataques forem prosperando e sendo adelgaçados, por vários modos e motivos, os vínculos entre seus membros. Combater a instituição familiar é atentar contra a humanidade e a liberdade. A família é essência do espaço privado, grupo humano em relação ao qual o Estado só deve agir para proteger e onde não deve entrar sem expressa e muito bem justificada determinação judicial. Ela é o porto seguro, escola do amor afetivo e efetivo, do serviço mútuo, do sacrifício pelo bem do outro, do martírio e do êxtase. Onde mais se haverá de prover tudo isso, geração após geração?
Alguém dirá que o parágrafo acima é ficcional. Que não se pode tomar a exceção por regra. Admitamos. Admitamos que o descrito é exceção e que a regra, agora, é outra. Tem-se, então, um diagnóstico sobre a quantas anda nossa marcha involuntária para alguma forma de totalitarismo.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
01/11/2021
Percival Puggina
Há um tipo de jornalismo que não consegue esconder seu desagrado perante a democratização do direito de opinião. Quem detinha o monopólio da informação e da opinião, percebe, na vida real, quanto de poder precificável, ou monetizável, perdeu com isso. Em sociedades democráticas, não ser refutado era privilégio de poucos.
Há, nas redes sociais, muita gritaria multilateral, xingamentos, manifestações impróprias, notícias falsas? Sim, claro. Mas não podem ser esses desvios o assunto principal quando possibilidades abertas pelas novas tecnologias fazem resplandecer notáveis talentos que, por motivos óbvios, não teriam espaço nos veículos da outrora grande mídia. Esta, aliás, internamente, de um modo que a empobrece, dispensa seus talentos divergentes para preservar coesão em sua linha editorial. O efeito apenas contribui para seu descrédito. E lá se vão eles, os despedidos, fazer sucesso, criar e dinamizar as novas mídias.
Como desconhecer que grande número dos novos comunicadores sociais chega ao público com preparo cultural, competência dialética, proporcionados pelo curso do Olavo de Carvalho? Quanta diferença entre eles e militantes produzidos por cursos de Jornalismo de nossas universidades!
Imagine o quanto contraria o complexo de superioridade da esquerda, perceber, pelos motivos expostos, a disparidade de suas forças nas redes sociais.
Imagine a contrariedade daquele grupo de comunicação que se considerava “fazedor de presidentes”, atuando no Brasil, a cada quatro anos, como uma espécie não canônica de sagrador de cabeças coroadas!
Imagine a contrariedade dos políticos que, também eles, falavam sozinhos às suas bases através de uns poucos meios regionais de comunicação e, agora, precisam conviver com as redes sociais locais, chegando à palma da mão dos eleitores.
Imagine o desagrado de um poder de Estado sendo avaliado e criticado pelo próprio povo. Logo ele que, diante do espelho, se vê mimetizado, individual e colegiadamente, em democracia.
Imagine o desagrado de grandes veículos – tão seletivos nas matérias que divulgam – vendo suas omissões, erros e contradições, expostos à sociedade. A propósito, fatos recentíssimos me vêm à lembrança. Nenhum grande veículo (ao menos nada há no Google que o registre) noticiou a mais recente capa desonesta da revista IstoÉ plagiando uma capa da revista Time. Neste dia em que escrevo (01/11), nenhum grande veículo dedicou linha ou imagem para registrar a multidão de brasileiros que se aglomerou diante do hotel do presidente para festejá-lo em Roma. Não deixe de ver aqui as cenas proporcionadas pelo vídeo disponibilizado por Gustavo Gayer.
O ódio “às redes sociais” tem razões consistentes. Cutucam poderosíssimos vespeiros que se coligaram para enfrentar seus adversários nesse vasto e dinâmico território.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
30/10/2021
Percival Puggina
Milhões de cidadãos se sentem frustrados e impotentes. O produto natural é uma indignação que flui para as redes sociais, seu único espaço de expressão. Ali, ninguém é poupado. Os que patrulham a retórica alheia só leem e só veem ódio, fake news e articulações antidemocráticas quando as críticas se voltam ao Supremo.
Durante votos que pareceram discursos na sessão do TSE que julgou a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão, as redes sociais ganharam evidência. A palavra censura só não foi pronunciada porque tem carga negativa, mas ela esteve ali, suspensa como lâmina de guilhotina justiceira. Disseminar ódio tem sido acusação frequente contra as redes sociais. Muitos comunicadores já foram calados; outros calaram-se.
É tênue a linha que separa a indignação do ódio. A indignação expressa inconformidade e impotência; é o sentimento dos injustiçados. Nos espaços próprios da cidadania e nos devidos limites, costuma significar dignidade ofendida, ou repulsa. Não deve descambar para o ódio porque este afeta o discernimento e pode conduzir a ações condenáveis. Mas se tem revelado conveniente confundir os dois sentimentos, chamando de ódio o que é pura indignação manifestada com emoção que a expresse.
O debate político, os desabafos dessa natureza nas redes sociais, não são do tipo acadêmico, dialéticos, como pareceu ser o desejo do ministro Roberto Barroso. Ao contrário, são manifestações que se parecem mais tensas, como ocorre nos parlamentos, por exemplo.
Por outro lado, ao longo de décadas, testemunhei e denunciei o ódio (neste caso, sim), expresso em violência e chamando à violência, como nas invasões do MST, nas vidraças quebradas e nos ônibus e catracas incendiados pelos que querem tarifa zero no transporte público, nas ações do exército do senhor Stédile, nas forças do senhor Vagner Freitas (CUT), nos black blocs e nos Antifas, que em sua primeira aparição na Av. Paulista já entraram numa fumaceira, queimando contêineres de lixo.
“Não há mais tempo para conversa e bons modos. (...) O que estamos esperando para cruzar o rio?” (Roberto Requião, na Fundação Perseu Abramo, 2009). “Na minha Bíblia está escrito que sem derramamento de sangue não haverá redenção” (Benedita da Silva, no mesmo evento).
Recuando no tempo, o Fórum Social Mundial transbordou amor à humanidade, mas os mais veementes aplausos, em verdadeira euforia, tomavam conta do auditório quando a revolução entrava na pauta com a presença de veteranos revolucionários das FARC, de Cuba, da Argélia, da Argentina e a cada menção a Che Guevara. Foram décadas de ódio e de apreço e compadrio com regimes odiosos.
Não se zela pela democracia atacando sua essência, a liberdade de opinião.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
28/10/2021
Percival Puggina
E nós, somos bonequinhos de papel?
Enquanto alguns aplaudiam a manifestação de Arthur Lira na sessão de ontem (27/10) da Câmara dos Deputados, reprovando o indiciamento de seis deputados pela CPI barraqueira, eu pensava: “Aí está a Casa a fazer o que melhor faz, ou seja, cuidar dos seus”.
A CPI, o STF, o TSE, o Congresso podem reservar para si e seus membros a liberdade de opinião. E podem inibir, silenciar e punir aqueles cujos ditos os desagradem, contanto que sejam plebeus, populacho, massa ignara. Como Mateus, Artur Lira cuida dos seus, e estes, cada um à sua vez, salvo nobres exceções, cuidam de si mesmos.
Arthur Lira, aliás, conduziu à Casa ao absurdo voto que sacramentou a prisão do incômodo deputado Daniel Silveira. Se me havia surpreendido o descontrole verbal do parlamentar, muito mais me escandalizou a aquiescência da ampla maioria da Câmara à insólita decisão do pleno do STF. Excessos verbais podem ser sancionados pelas normas regimentais do próprio parlamento, mas excessos processuais são insanáveis! E é isso que vejo acontecer à sombra dos inquéritos finis mundi abertos e reabertos no Supremo.
Não sei se foi o fantasma do deputado preso que apareceu diante de Arthur Lira e o inspirou a promover a acalorada defesa da imunidade parlamentar. Sei é que a presença de seis deputados federais no listão de Renan Calheiros ouriçou os brios do presidente da Casa. Por que seis deputados e nenhum senador, já que o senador incluído foi, depois, removido por pressão de Rodrigo Pacheco?
***
Aqui, de onde vejo tudo isso, não consigo esquecer a opinião irônica de um amigo para quem liberdade é coisa ótima, o que incomoda é a sua prática. Ou o que, na voz de tantos pensadores, diz ser a liberdade de opinião um direito à discordância. Para que te seja possível dizer o que o Estado quer ouvir não é preciso afirmar na Constituição que tens o direito de opinar.
Enquanto escrevo estas linhas, ouço o voto do ministro Roberto Barroso encerrando a decisão unânime do TSE no julgamento de ação movida contra a chapa Bolsonaro-Mourão. O ministro usou a maior parte do tempo para combater o mau uso das redes sociais, segundo ele uma exclusividade da ultradireita que se apossou dos conservadores e as utiliza para um discurso de ódio.
Ora, ministro, e o que é dito pela esquerda ao presidente da República, não apenas nas redes sociais, mas nos dos grandes veículos, o dia inteiro? O senhor vê, ali, críticas amáveis, polidas, despidas de animosidade? Essa animosidade não transparece, tantas vezes, nas próprias manifestações de membros de sua Corte? Não há, nisso tudo, discurso de ódio?
Arthur Lira não foi convincente na defesa que fez da liberdade de opinião. O ministro Roberto Barroso revelou uma visão unilateral da política que temos e tangenciou uma ideia de censura. A mim, por fim, parece impossível pedir-se às redes sociais uma dialética acadêmica onde os sentimentos pessoais fiquem do lado de fora.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
27/10/2021
Percival Puggina
Há um poder multiforme instalado no país. Décadas de formação e consolidação lhe permitem agir por conta própria e com agendas próprias. Embora de esquerda e interaja com seus partidos, dispensa representação política, tal a liberdade com que opera. O poder multiforme vale-se da democracia e das instituições para agir até contra a vontade das urnas na comunicação, no ambiente cultural, no sistema de ensino, no Poder Judiciário, no Ministério Público. Controla seus militantes no aparelho estatal e, embora laicista, influencia diretamente algumas igrejas.
O nome disso é hegemonia, fenômeno nefasto à democracia, que só pode ser superado pelo surgimento de força oposta, em um novo polo, vale dizer, através de polarização. No desempenho de seu papel acusador, investigador e julgador, o ministro Alexandre de Moraes costuma elencar, entre as razões de seu enfado contra alguém, o “estímulo à polarização”, ou o “reforço ao discurso de polarização”. A palavra entrou para o circuito dos chavões sem sentido no mundo dos fatos contra os quais briga.
Polarização é condenada por quem quer ser “terceira via”, ou por quem rejeita o conservadorismo, como o ministro e a quase totalidade de seus pares. Por longos anos, a formação esquerdista constituiu atributo necessário à indicação para o Supremo.
Tão logo Bolsonaro foi eleito, tudo ficou muito evidente. Ele poderia ser perfeito como um cristal de Baccarat (coisa que, não é) e ainda assim desabariam sobre ele e seu governo os males que pudessem pedir ao deus da mitologia nórdica, Thor e seu martelo de raios e trovões. A eleição do novo presidente inquietou a hegemonia esquerdista no país. Os mais poderosos setores de influência política e cultural na sociedade brasileira não concedem a isso indulto, nem habeas corpus.
Pelo muito que a hegemonia significa para a imposição de um poder efetivo sobre a vida social, era preciso que o imprevisto eleitoral tivesse a mais curta duração possível. A derrota da esquerda não a destruiu nem a levou a parar com o que sempre fez. No entanto, serviu para dar nitidez à sua existência e para mostrar o quanto era necessário o surgimento de outro polo no espaço real onde vivem cidadãos comuns, com anseios também comuns por liberdade, ordem, segurança, justiça e progresso; cidadãos que prezam a sacralidade do espaço familiar, o direito de propriedade e de defesa; cidadãos que afirmam valores comuns à cultura ocidental de que são herdeiros.
É isso que nós, conservadores, sustentamos. Esse é o polo onde nos situamos, de onde não queremos sair, e onde persistiremos em agir, malgrado as dificuldades que nos são impostas pelos ardilosos que protegem sua hegemonia condenando a polarização.
Se até eu aprendi, lendo Gramsci, que a banda toca assim...
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.