Percival Puggina
Em 31 de maio de 2017, sob muita pressão, num tempo em que os grandes veículos de comunicação ainda cumpriam algum papel frente aos problemas nacionais, o Senado Federal aprovou, em 2º turno, a PEC 10/2013 que extinguia o foro especial por prerrogativa de função, mais conhecido no mundo do crime pela alcunha de foro privilegiado. Placar da votação 69 a zero. A proposta seguiu imediatamente para a Câmara dos Deputados, onde foi protocolada como PEC 133/17.
Desde então, muito provavelmente cumprindo acordo anterior, a proposta rolou como pedra de rio. Em fevereiro de 2019, redonda e polida como convém a uma boa pedra de rio, encalhou em remanso à porta do brioso plenário, aguardando a sábia deliberação dos 513 deputados ali aportados com seus novos e flamantes diplomas. Já recebeu mais de 30 requerimentos para ser posta em votação, sempre recusados pelos sucessivos presidentes daquele legislativo. Puxe o banco, sente e espere.
Salvo poucas, honradas e brilhantes exceções, a atual representação parlamentar nacional conseguiu a proeza de definhar moralmente em relação à anterior. Em votações sinuosas, anônimas, foi minuciosa no desempenho da tradicional função de cuidar bem de si mesma. Vingou-se da Lava Jato, restringiu quanto pôde a persecução criminal, aliviou eventuais próprias e futuras penas, transferiu à sociedade a conta de seus advogados. E por aí andaram. A tranqueira da PEC sobre foro privilegiado é só um pequeno exemplo.
Recentemente recebi da Editora Avis Rara um exemplar de “Os artigos federalistas”, célebre coletânea dos textos publicados pelos três principais inspiradores da Constituição dos Estados Unidos – Alexander Hamilton, John Jay e James Madison. No artigo 57, Madison se debruça sobre as tentações a que estão sujeitos os representantes do povo e aponta os modos de obstar suas consequências.
Lá pelas tantas, Madison escreve que a adoção de medidas opressivas pela Câmara dos Representantes também é tolhida porque “seus membros não podem fazer nenhuma lei que não tenha seu pleno efeito sobre eles mesmos e seus amigos, tanto quanto sobre a grande maioria da sociedade. Esse sempre foi considerado um dos mais fortes elos que permitem à política humana unir governantes e povo”. A seguir, Madison se pergunta: “O que poderá impedir os membros da Câmara de Representantes de fazer discriminações legais em favor de si mesmos e de uma classe da sociedade?”. E responde: “a índole de todo o sistema; a natureza das leis justas e constitucionais, e acima de tudo, o espírito vigilante e varonil que move o povo da América, um espírito que alimenta a liberdade e é, em troca, alimentado por ela”.
Peço a Deus que os leitores destas linhas, em vez de se deixarem abater pela realidade sobressaliente do contraste acima exposto, reconheçam seu próprio valor e enxotem os vendilhões do templo da democracia e da liberdade. E que o façam, com vigor cívico, para que os votos a serem dados em outubro do ano vindouro sejam apenas reflexos finais de uma longa ação esclarecedora sobre as verdades, princípios e valores fundantes de uma democracia que assegure nossa liberdade. Assim, este povo não mais será vassalo de ninguém.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Décio Antônio Damin - 15/11/2021 14:13:02
O egoismo e a auto proteção fazem parte do homem como indivíduo e, assim sendo, é esperável que votem leis para se protegerem...! A população como um todo é que não pode aceitar a discriminação como forma de governar e de fazer leis. O voto, ao que parece, não tem se mostrado suficiente para colocar a Democracia nos trilhos e assegurar que "todos sejam iguais perante à lei...! Mesmo os eleitos com a promessa de combater o sistema perverso acabam por voltar atrás para que tudo continue como está! O que tu pões à vista em teu comentário é um sonho que devemos, deixando de lado conveniências ideológicas momentâneas, acalentar e fazer o possível para que se torne realidade para nós,que vivemos oprimidos pela desigualdade...!!CIRINEU AFONSO DE LUCA - 15/11/2021 12:30:19
Professor faça uma crônica da união que o Jair está fazendo com o PL.Maceira - 15/11/2021 12:14:21
Parabéns pelo texto: claro e oportuno !Maria Carvalho - 15/11/2021 11:53:05
3xc3lwntw, como sempre! Parabéns!Marilena Mateika - 15/11/2021 10:20:39
Acredito que esse tipo de advertência não se aplica à maioria da população , que não sabe voltar e nem se preocupa em se informar sobre os traidores...Telmo Schoeler - 14/11/2021 12:19:28
Maravilhoso comentário do amigo Pugina. Só os cidadãos, pelo voto consciente e corretivo, poderá afastar os canalhas dos 3 poderes. Cada povo tem o governo que merece.JEOCI CARNEIRO - 14/11/2021 09:50:45
Esse foro absurdo é discriminatório e seletivo e como tal tal deve ser extinto. Parabéns, professor, pelo brilhante texto.EDISON BECKER FILHO - 13/11/2021 13:28:35
Antes de mais nada concordo plenamente com as colocações. Agora cabe identificar como isto ocorreu na América e a dificuldade de implementarmos tais evoluções aqui. Quanto mais pessoas palpitam sobre determinado assunto, e este não sendo lastreado por valores o que temos é anarquia e isto para mim está em nossos poderes Legislativo e Judiciário. Isto é nossa realidade. Conforme algumas vinculações pela nossa legislação eleitoral menos de 30 parlamentares foram eleitos pelo foto direto. Não consigo justificar mais de 500 se somente alguns gatos pingados nos representam, sem falar nos Senadores e na soma dos valores destes. Outro aspecto são as lideranças partidárias que oprimem qualquer tipo de representatividade. Elegemos quase 600 com custos altíssimos aos contribuintes e a sociedade. Nos representam na forma que muito bem conhecemos. Primeiro, segundo, terceiro, ... lugar para seus interesses que transformam e vendem como interesses dos brasileiros e sobre o cabresto de seus lideres. Nossa dita "democracia" é demais maquiavélica. Com raras exceções defendo a reeleição, e defendo que "politico bom é o que não foi reeleito", mas isto também não impedirá a dita politica brasileira. Existem coisas que não podem ser definidas por quem as vai cumprir, justamente pela justificativas apresentadas. Temos Senadores demais para o quase nada que produzem, e o mesmo digo de nossos deputados. Vejam o critério para escolha de nossa mais alta corte, que por tudo que tem apresentado de elogio fica só o "alta" pois o resto está em plena queda e não sei quando encontrarão o chão. Em algum momento nos deixamos levar por falsos valores, pela maquiagem, pela não valorização de coisas muito importantes que são os valores de uma nação, de uma sociedade, de um país e hoje amargamos com tantas coisas ruins. Não consigo identificar onde e como começou, mas sei que nosso preço está sendo alto demais e extremamente pesado. Nasci ouvindo certas coisas e estou chegando ao meu fim sem que quase nada tenha mudado. A miséria é necessária, o caos na saúde também, a insegurança não nos abandona, pelo contrário a cada dia se torna maior. Triste ficar num papel de espectador quando não se tem este perfil!Luiz R. Vilela - 13/11/2021 09:25:11
Pois é! O jogo é bruto. Ninguém em seu juízo perfeito, vai criar cobras, que um dia possa pica-lo. Assim os nobres e dignos representantes do povo, são refratários a criar uma legislação que um dia possa penaliza-los. É o instinto da sobrevivência, que é mais primitivo, que aqueles que o Zé Dirceu despertava no Roberto Jefferson. Políticos com foro privilegiado, somam-se aos milhares, juízes para julga-los, são apenas onze, somando-se ainda a má vontade, quando se trata daqueles que são mais iguais que outros. O foro privilegiado, tornou-se o caminho natural para a prescrição dos processos. Então vem a mente dos favorecidos a tese futebolística, de que em time que está ganhando, não se mexe. O mais interessante nisto tudo, é que a cada eleição, há renovação de eleitos, mas os novos, logo ficam como os velhos. Ai vem a observação, a política é a carteira de identidade de um povo. Então se pergunta, os políticos eleitos são melhores ou piores que os eleitores que os elegeram? Seria difícil achar diferença entre representantes e representados, pelo que se vê a cada eleição, parecem que são iguais.José Paulo Moletta - 13/11/2021 01:14:52
Excelente Sr PUGGINA, no Senador que concorrerá a reeleição, pelo RS, em que votei na anterior, não repetirei voto, e no Dep Fed em quem votei na eleição anterior, não terá repetição de meu votoJoão Afonso Moreira Neto - 12/11/2021 16:41:55
Salvo poucas, honradas e brilhantes exceções como não chama-los de hipócritas e traidores? São mesmo vendilhões da democracia.Menelau Santos - 12/11/2021 15:50:40
Professor Puggina escreve um texto que desenha perfeitamente esse mundo de safadeza. Lembrei-me da frase do Groucho, "meus princípios são esses, mas se você não gostar, tenho outros".Lenice Monteiro Arruda - 12/11/2021 14:29:16
Pelo visto o tal Foro Privilegiado não é válido pra todos fora da "turma" ... Ao jogar o Daniel Silveira aos leões do STF , (mesmo que ele tenha sido incauto ao exacerbar , "cutucando a onça com a vara curta")mostraram que uns "merecem mais foro" do que outros . É revoltante vermos tantas canalhices perpetratas , sendo aceitas como normais e merecedoras da solidariedade dos "pares" , que cada vez mais a ética e honestidade passam longe da vida política , com raras exceções ... E lá se vão todos , fingindo que não têm nada com a aberração da usurpação de poderes !