Percival Puggina

15/08/2012
OS PACOTES DO DESESPERO Percival Puggina Há evidências de desespero nos sucessivos pacotes que o governo petista vem desembrulhando no caminho do país para o buraco da estagnação econômica. Vários pacotes foram lançados para ativar o consumo. Depois, para baratear os financiamentos (leia-se endividamento da sociedade). Depois, para reduzir os preços de determinados bens encalhados nos pátios e armazéns das fábricas. Depois, para reduzir um pouco o custo Brasil (cortando parte dos tributos sobre energia). Depois, anunciando novos investimentos em infraestrutura (enquanto o PAC I e o PAC II ainda vegetam nas prateleiras das repartições e dos anteriores cortes orçamentários). Tudo em vão. A maré baixou assustadoramente e a ilha de prosperidade brasileira está ligada ao mapa-mundi pelo istmo dos erros e desvios de rumo praticados no segundo governo Lula e na farra publicitária que elegeu Dilma. Ela comanda, por norma constitucional, o Estado, o governo e a administração federal. Pois bem, o Estado brasileiro só anda em más companhias; o governo brasileiro está sem rumo; e administração pública federal está em greve. O tique-taque das bombas relógio espalhadas pelo taumaturgo ou mandingueiro Lula na sua trajetória para o Panteão republicano já se faz ensurdecedor. Só não ouve quem não quer.

Percival Puggina

12/08/2012
O país inteiro ? com as conhecidas exceções ? quer ver na cadeia os réus que venham a ser condenados no processo do mensalão. No entanto, é pouco provável que isso ocorra. Serão todos réus primários e as penas que venham a ser aplicadas certamente os levarão, no máximo, a um período no regime semiaberto e à liberdade. Assim é o nosso Código Penal, cujas disposições, tantas vezes, divergem da opinião pública. Desnecessário dizer que haverá uma grande frustração nacional se isso acontecer, e todo o longo e oneroso procedimento judicial redundará numa réplica do que vemos acontecer, diariamente, em relação aos agentes da cadeia produtiva do crime organizado ou desorganizado. São penas que acabam desatendendo as razões substantivas de sua existência, como veremos adiante. Infelizmente, a corrente filosófica que vem orientando os preceitos dos códigos e as decisões judiciais segue por caminho que acaba por estimular a criminalidade através da multiplicação da impunidade. O discurso que a produz e reproduz vê o criminoso como uma vítima das circunstâncias. E as regras que valem para os descamisados valem, também, para os de colarinho branco. Se o leitor destas linhas remover cuidadosamente a tinta daquele discurso, o que aparecerá por baixo é uma paisagem ideológica: o preso é preso porque é pobre e o pobre é pobre por culpa do rico. Portanto, construir penitenciárias, manter alguém preso, é dar guarida aos desejos de vingança que a sociedade, perversa e opressora, nutre em relação àqueles que de algum modo lhe revidam com trivialidades tais como furtos, assaltos, sequestros, latrocínios, tráfico de drogas e sevícias de toda ordem. Nessa tese, quem está preso deveria estar solto e quem está solto deveria estar preso. Você e eu, leitor, estamos apenas aguardando em liberdade a citação para nosso julgamento político-ideológico. A pena de prisão cumpre na ordem social, em quase todas as circunstâncias, um conjunto de relevantes papéis. Num país onde todo crime ?não dá nada?, reservar a pena de prisão aos delitos de maior lesividade é afirmar que o crime compensa. E ele já se tornou um dos maiores e melhores negócios do país! Não podemos esquecer que na realidade atual, na insegurança em que vivemos, a principal função da pena é apartar o criminoso do convívio social. Não é sequer fazer justiça, porque a justiça das penas raramente é reparatória. Tirar o bandido das ruas já é uma grande e meritória realização das instituições! Em segundo lugar, mas ainda assim com relevância, a pena de prisão tem uma função social educativa, mostrando ao criminoso e à sociedade que essa opção não é uma boa. Enquanto as funções expostas acima são objetivas em seus efeitos, a ressocialização é hipótese bem mais remota. Não parece razoável esperar que o ambiente de um estabelecimento penal consiga levar a um bom caminho quem não o encontrou no convívio familiar, na escola, nem nas esquinas da vida. Não devemos desistir da possibilidade, mas não podemos renunciar às penas de prisão porque o sistema não produz essa recuperação. Se o conhecimento das péssimas condições do nosso Presídio Central não é suficiente para inibir a criminalidade, não será um presídio nota 10 que o fará. Nada cumpre melhor esse papel do que a certeza da captura, da condenação e do encarceramento por longo prazo, com progressão lenta e arduamente conquistada. Zero Hora, 12/12/2012

Percival Puggina

11/08/2012
DE ARREPIAR Percival Puggina Nas primeiras comemorações da equipe feminina brasileira de vôlei ao conquistar o ouro olímpico, assistidos por centenas de milhões de telespectadores do mundo inteiro, atletas e membros da comissão técnica puseram-se de joelhos, em círculo, no centro da quadra do ginásio Earls Court, e rezaram o Pai Nosso a plenos pulmões, sobrepujando o ruído das arquibancadas. Os membros do Conselho da Magistratura do Rio Grande do Sul e demais autoridades que andam por aí determinando a retirada de crucifixos das salas de audiência, bem como os que esgrimam com a tese da laicidade do Estado para justificar qualquer disparate devem ter ficado com os cabelos em pé.

Percival Puggina

11/08/2012
Há muitos anos, no velho balcão da antiga loja de ferragens da Kircher Hillmann situada na Av. Siqueira Campos em Porto Alegre, conheci um tipo muito interessante. Ele estava ao meu lado e conversava com o vendedor sobre uma ferramenta de formato estranho. Perguntei-lhes para que servia aquilo. Vou usá-la para os acabamentos de um barco que estou construindo, esclareceu o comprador. Surpreendeu-me haver fabricantes de barco em Porto Alegre e fiz alguma observação a respeito, pois supunha que eles fossem adquiridos de empresas de fora ou de revendedores. A surpresa maior me veio com a resposta: Estou fazendo apenas este, para mim. Quando terminar já estarei aposentado e tornar-me-ei um navegador solitário. Ainda que não seja aficionado de esportes náuticos, interessou-me conhecer a embarcação utilizada para tal finalidade e acabei acompanhando o sujeito até sua modesta moradia na Zona Sul. Feito em fibra de vidro e ainda sem os acabamentos, o bicho parecia uma grande baleia branca. Explicou-me que aquele era o sonho de sua vida e que, para realizá-lo, recusou-se a quaisquer outros prazeres e compromissos, inclusive ao casamento, tendo poupado todos os tostões que pôde. Recebi, naquele momento, uma oportuna lição sobre a liberdade humana e sobre o direito que temos de buscar nossos próprios caminhos, ainda que solitariamente e em flagrante misantropia, como era o caso. O episódio ensinou-me a ser compreensivo com os projetos de vida alheios. Com efeito, o navegador solitário que conheci na velha loja de ferragens ressurgiu como exemplo de determinação incontáveis vezes ao longo dos anos. A mais recente foi quando li sobre Sa Jae-Hyouk, o sul-coreano levantador de pesos que fraturou o braço ao tentar erguer 158kg em sua apresentação nos Jogos Olímpicos de Londres. O que tem a ver uma coisa com a outra? talvez se esteja indagando o leitor. Pois bem, enquanto assistia algumas das disputas transmitidas pela tevê, não pude deixar de considerar que certos esportes impõem ao corpo um tratamento desumano, que inevitavelmente contraria sua natureza, anatomia e fisiologia. Lesões integram o calendário de eventos de qualquer atleta ou esportista. No entanto, há atividades cuja sobrecarga e impactos impostos ao corpo são tão violentos que acabarão determinando danos permanentes. Será isso, verdadeiramente, esporte? Uma coisa é alguém adotar como objetivo de vida a tarefa de pegar no chão e colocar acima da cabeça o maior peso possível. O que é de gosto regala a vida. Outra bem, diferente, é estimular-se tal atividade com medalhas que quebram ossos. Uma coisa é nos admirarmos com a flexibilidade dos atletas; outra é torturarem-se crianças com alongamentos e sobrepesos, para futura glória do Estado em nome do qual se exibem. Há inúmeras matérias na Internet a respeito dos treinamentos chineses, por exemplo. Uma coisa é alguém querer ser atleta de nível olímpico; outra é tornar isso algo tão imperativo que determine o surgimento das mais sofisticadas técnicas de burlar os limites da natureza humana, gerando, em contrapartida, toda uma ciência para detecção de fraudes. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões

Percival Puggina

04/08/2012
AÇÃO PENAL 470... A ação que o PT ajuizará tentando proibir o uso da palavra Mensalão está na mesma linha de outras iniciativas do partido. O PT conhece o valor político das palavras e, por isso, chega ao ridículo nas suas tentativas para controlá-las. Há alguns anos, como resultado de um convênio celebrado entre a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, então chefiada por Nilmário Miranda, e a Fundação Universitária de Brasília, nasceu a cartilha Politicamente Correto e Direitos Humanos. Esse inacreditável documento listava 90 palavras que deveriam ser abolidas do vocabulário terem de conotação negativa. Entre elas as palavras comunista e preto. A atual iniciativa envolvendo o vocábulo mensalão foi parida no mesmo berço gramscista. Espero que o Poder Judiciário, se efetivamente acionado, e a imprensa percebam o sentido totalitário da manobra e o denunciem com o vigor que a pretensão exige.

Percival Puggina

04/08/2012
Argumento ad hominem é um falso argumento que pretende vencer e convencer mediante ataque verbal ao oponente. Já me defrontei com ele várias vezes. Também pode ser descrito como falácia, pois busca concluir sobre a correção de algo que esteja em pauta sem examinar seu conteúdo. Trago a expressão para este artigo porque, em dado momento da sessão de abertura do julgamento do caso Mensalão, o ministro Ricardo Lewandowski, altercando com o ministro Joaquim Barbosa, verberou indignado não aceitar argumento ad hominem. Opa! Esse tipo de coisa no Supremo? Tenho sido crítico do STF. Reiteradamente, aquela Corte vem se deixando levar pelas pressões de grupos de opinião mobilizados em torno de pautas que estariam mais legitimamente regradas pelo Congresso. Vejo como preocupante, também, o convívio da atual forma de provimento das vagas no Supremo com o instituto da reeleição para presidente da República. E mais incompatível ainda com a hegemonização (mexicanização) política em curso no país. Não havendo rodízio no poder político, o STF vira poder gêmeo do governo. Reproduz o mesmo perfil ideológico. É um receio que já se tem e é a causa da recente manobra desesperada com que Lula tentou adiar o julgamento para após a eleição. É que até o fim do ano o PT indicará dois novos ministros. Voltando aos fatos da sessão de abertura do julgamento. A acusação feita por Lewandowski ao relator Joaquim Barbosa, de ter deixado de lado o conteúdo para atacá-lo pessoalmente, é tão grave quanto surpreendente. A sala de sessões do STF não é mesa de bar, e o Pleno não é assembléia de grêmio estudantil. Tudo que ali se afirma exige fundamento. No entanto, Lewandowski acabara de se pronunciar favoravelmente ao pedido do advogado Márcio Thomaz Bastos para desmembrar o processo, o que faria remanescer sob juízo do STF apenas três dos 38 réus. Os outros 35 seriam borrifados em juízos de primeira instância, Brasil afora. Apoiar o pedido do advogado - pedido que remeteria os principais réus do processo (José Dirceu entre eles) para as calendas da impunidade e das chicanes recursais - foi, de fato, uma deslealdade com o relator e com a Instituição. Ricardo Lewandowski, há mais de dois anos, exercia a função de revisor do caso. Participara de outras decisões no sentido da unicidade do processo adotadas no plenário. E resolveu mudar de entendimento sobre essa questão fulcral no exato momento em que o julgamento começou? Note-se que se sua nova posição fosse referendada pela maioria dos colegas, o processo do Mensalão simplesmente se desfaria no ar! Os principais réus do caso não são os três que remanesceriam - deputados João Paulo Cunha, Pedro Henry e Valdemar Costa Neto. Diante disso, Joaquim Barbosa, do lado oposto da mesa, perguntou a Lewandowski os motivos pelos quais o colega, sendo revisor do processo há tanto tempo, não suscitara tal questão antes. O ministro não estava argumentando, nem agredindo. Estava fazendo uma pergunta, a mesmíssima que o país inteiro fazia naquele momento, vendo Lewandowski responder na lata, com voto escrito de 53 páginas, à consulta verbal de um advogado. Por que agora, ministro? Era uma interrogação lógica, imperiosa. E que permanece no ar, pendurada no teto do plenário, aguardando resposta racional. Quando o ministro declarou-se ofendido por ela, chamando de argumento o que era apenas um indispensável pedido de explicação, uma curiosidade nacional, e afirmando não admiti-la, ele estava se escondendo do dever moral de responder. E se fugiu disso, abriu a porta para as mais medonhas suposições. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões

Percival Puggina

29/07/2012
Como são longas as pernas da mentira insistentemente repetida por muitos! Uma delas atropelou-me outro dia. Centenas de informações sustentam, na internet, que a anistia de 1979 foi aprovada no Congresso pelo estreito placar de 206 votos a 201. Por essa vantagem mínima, a Arena empurrara a tal anistia goela abaixo da oposição. Diante de informação tão homogênea e coincidente, eu a comprei por boa e passei a repeti-la. No entanto, algo não abotoava. Duzentos e um congressistas, adversários do regime militar, se teriam oposto à anistia? Seria paradoxal. Por que rejeitariam um projeto que beneficiou milhares de parceiros? Pesquisando, tropecei noutra das longas pernas em que essa história caminha através dos anos: o projeto teria sido rejeitado pela oposição porque se tratava de uma auto-anistia que só interessava aos militares. Oh, verdade! Oh, história! O que fazem com vocês duas em nome da ideologia! Dia desses, soube que o JB disponibiliza um arquivo digitalizado de seus jornais desde os anos 30. A edição do dia 23 de agosto de 1979 quebra a perna dessas mentiras. Coisa feia. Fratura exposta. A véspera, dia da votação da anistia, fora tumultuado no Congresso. Pressão nas galerias. Exaltados discursos. O projeto do governo Figueiredo não anistiava quem tivesse participado de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. Para estes, as duras penas da lei. Mas havia uma emenda do deputado Djalma Marinho que anistiava a todos, ampla, geral e irrestritamente. Essa emenda, levada a votação, foi rejeitada por 206 votos a 201. Ah! Quer dizer que não houve 201 votos contra a anistia, mas 206 votos contra uma emenda que a ampliava? Os 201 votos que se diz terem sido contra o projeto de anistia, na verdade foram a favor de uma anistia muito mais ampla? Sim, foi isso mesmo. Aliás, a maioria parlamentar, a base do governo Figueiredo, entendia que os crimes contra a pessoa, crimes de sangue, não mereciam perdão. Para quem os cometera - a justiça. As penas da lei. Já o projeto em si - Lei nº 6683/79 - foi aprovado em acordo, por voto das lideranças. O país não se pacificou. Nos seis anos seguintes, continuou a campanha pela anistia ampla, geral e irrestrita, finalmente aprovada, em 22/11/1985, por um Congresso com plena legitimidade democrática, no corpo da emenda que convocou a Constituinte. Apesar de as coisas terem transcorrido desse modo, a história, mal contada e muito repetida, sobre longas pernas, insiste, agora, em que a desejada, pleiteada e ansiada anistia ampla, geral e irrestrita foi uma injustiça. Curiosamente, reproduz a posição da bancada linha dura de 1979 e clama pelas duras penas da lei. Anistia, não! Justiça! Justiça! Também acho injusto que terroristas, guerrilheiros, assassinos e assaltantes responsáveis por mais de uma centena de mortes andem soltos e recebendo gordas indenizações. Digo outro tanto de quem torturou e seviciou. Tais impunidades não são justas! Mas sei que por esse caminho não chegaríamos à normalidade democrática. O país só foi pacificado, só recuperou saúde institucional quando a Política superou a Justiça através da anistia de 1985. A anistia é um instrumento jurídico a serviço da Política. Da boa Política! Há conflitos, na história, que não se resolvem com Justiça, mas com Política. O passado não tinha conserto. Consertou-se o futuro. Foi esse o bom rumo que o Brasil escolheu e que alguns pernalongas, arrebatados pela ideologia do ódio, querem desandar. ZERO HORA, 29/07/2012

Percival Puggina

27/07/2012
A Universidade Federal do Rio Grande do Sul avaliou o desempenho acadêmico dos alunos cotistas e não cotistas e concluiu, segundo matéria de Zero Hora em 25 deste mês, que os cotistas negros apresentam índices consideravelmente piores. Para cada aluno admitido pelo ingresso universal em 2008, com desempenho insuficiente, há 2,4 cotistas negros na mesma situação. Em percentuais, o mau desempenho é de 14,8% no sistema geral e de 34,8% entre os autodeclarados negros. Tal informação contradiz o que ouvi em sucessivos debates ao longo dos últimos anos, segundo os quais tudo ia muito bem, graças a Deus. Não havia diferença entre cotistas e não cotistas. Sabe-se agora que há, sim, como seria previsível. A universidade não serve - e não deve, mesmo, servir - para suprir deficiências na escolaridade anterior de seus alunos. As desigualdades sociais em meio às quais vivemos excedem, em muito, o tolerável, mesmo se considerarmos que há uma efetiva desigualdade natural entre os indivíduos. Nosso índice Gini (que mede a distribuição da renda nos países) é comparável ao das sociedades com desenvolvimento mais retardado. Chega a ser um disparate alguém observar o Brasil nessa perspectiva e deduzir que o mal está no acesso às universidades públicas. Não está! É na base do sistema de ensino, no bê-á-bá da cadeia produtiva da Educação, que ele se aloja e opera. Só os gênios que comandam a Educação nacional não sabem que na vida real, na vida do mau emprego, do subemprego e do desemprego, no mundo do trabalho árduo e do salário baixo, para cada graduado de cor negra que recebe seu diploma no último andar do sistema, dezenas de crianças estão entrando pelo térreo para padecer as mesmas deficiências que inspiraram a ideia das cotas. Atrás do conta-gotas racial percebido nos atos de formatura, há uma hidrelétrica de alunos negros e pobres, recebendo o precário tipo de educação que a nação fornece a seus alunos pobres e negros. E ninguém vê isso? De nada nos servem os tantos bons exemplos de outros povos que superaram desigualdades internas maiores do que as nossas e emergiram como potências no cenário industrial e tecnológico, através de um bom sistema de ensino, do trabalho e do mérito? Ademais, o próprio STF, ao contrário do que vem sendo repetido equivocadamente, deixou implícito que o sistema de cotas raciais é inconstitucional. O quê? perguntará espantado o leitor. Mas não foi exatamente o contrário?. Estive bem atento durante toda a sessão em que o STF admitiu o sistema. Percebi que os ministros falaram muito mais sobre Sociologia, História do Brasil, Antropologia e Política do que sobre a Constituição. Nesse particular, nesse pequeno detalhe, seguiram o voto do relator, ministro Lewandowski. Quanto a este, era inevitável que, em algum momento, abrisse a Carta da República e topasse ali com coisas como a igualdade de todos perante a lei e com o preceito (quase universal no mundo civilizado) de que ninguém será discriminado, entre outras coisas, por motivo de raça. Como saiu o ministro dessa enrascada? Afirmou que um sistema de cotas raciais precisa ser transitório, temporário, devendo viger até que desapareça a situação que lhe deu causa. Não sendo assim, seria inconstitucional. Ora, isso significa que o conta-gotas funcionará até que se esvazie a hidrelétrica. O preceito da não discriminação persiste, mas perde vigência por prazo impreciso, embora não infinito. Ah! Se isso não é um truque na cartola do politicamente correto, então vou ter que pedir para voltar à universidade por um sistema de cotas para deficientes mentais. E mais: doravante, pelas letras da mesma oratória, todo concurso para magistratura, todo certame intelectual ou cultural, toda prova de habilitação, que não previr cotas raciais será provisoriamente inconstitucional. Arre, STF! O Brasil importa técnicos e trabalhadores qualificados de nível médio porque não oferece esse tipo de formação aos seus jovens! Enquanto isso, as políticas de desenvolvimento social via universidade fazem o quê? Reproduzem a estúpida estrutura, tão do agrado da elite brasileira: um bacharelado, um canudo, um título de doutor, uma festa de formatura. E está resolvido o problema dos pobres. Até parece ideia de rico de novela. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões

Percival Puggina

22/07/2012
Os que foram para a luta armada no Brasil agiram com legitimidade moral? A resposta afirmativa a essa pergunta não dissolve a anistia. Já a resposta negativa desqualifica muitas das pretensões de seus militantes, seja no plano político, seja no das indenizações. Em 1966, o regime vigente contava dois anos, tinha amplo apoio popular e da mídia, e não dava sinais de esmorecimento. O primeiro sangue correu no dia 25 de junho daquele ano. Foi um atentado terrorista: a explosão de bomba no aeroporto de Guararapes, no Recife, onde deveria desembarcar o general Costa e Silva. Dois mortos, uma dúzia de mutilados e feridos. A tragédia só não foi maior porque uma pane no avião obrigara o general a se deslocar por via terrestre e o anúncio dessa mudança fizera com que a maior parte das pessoas já houvesse deixado o aeroporto no momento da explosão. Andassem as coisas conforme planejara a Ação Popular, teria ocorrido ali a maior chacina da história republicana. Com a indiscriminada impiedade do terrorismo, começou a luta armada no Brasil. Pois bem, onde era ensinado o fabrico de bombas em nosso país? Não havia, aqui, qualquer experiência com a produção de artefatos para ações terroristas. As escolas de engenharia e os engenheiros não estavam para essas coisas. O leitor tem uma chance de apontar no Google Earth (antigamente se diria no mapa-múndi) o lugar onde o construtor do artefato aprendeu as técnicas para sua montagem. Se colocou o dedo na ilha de Cuba, acertou. Foi lá, naquele decantado paraíso da autodeterminação dos povos, que o ex-padre Alípio de Freitas (indenizado pela Comissão de Anistia com mais de um milhão de reais) recebeu instrução e treinamento para ser terrorista no Brasil. Se Fidel não se importava com quanto sangue cubano fazia correr, não haveria de ser com sangue brasileiro que se iria preocupar. E assim andou a resistência armada ao regime de 1964: mais de uma centena de vítimas; assaltos a bancos e quartéis, com morte de sentinelas, vigilantes e clientes; execuções de companheiros, sequestros e justiçamento de adversários. Executaram um marinheiro inglês apenas por ser inglês. Por ser norte-americano, mataram um capitão na frente da mulher e dos filhos. Tendo presente o caráter efetivamente autoritário do regime então vigente e o rigor da repressão às organizações (cerca de uma centena) que partiram para a luta armada, a pergunta que se impõe é a seguinte: os que militaram nesses grupos e cometeram tais crimes agiram sob a proteção moral do direito de resistência à tirania? Tal alegação é apresentada insistentemente como forma de legitimar os atos cometidos É importante esmiuçar um pouco essa questão. Se é verdade que a sã filosofia, em nome do bem comum e da dignidade da pessoa humana, sempre reconheceu a existência de um direito de resistência à tirania, também é verdade que a mesma sã filosofia impõe condições para legitimar o uso da violência com esse fim. Ou seja, resistir à tirania é um direito. Empregar a violência para isso implica certas condições e os militantes da luta armada não se enquadravam em muitas delas, a saber: a) não estavam esgotados todos os meios pacíficos para reverter a situação; b) havia uma clara desproporcionalidade entre os meios e os fins (as ações violentas não conduziam ao objetivo proclamado); c) como o objeto de toda insurreição é instaurar um novo poder, a nova ordem pretendida (implantação de um regime comunista no Brasil) era sabidamente muito pior do que o regime que enfrentavam; d) inexistia a certeza moral de que os sofrimentos causados pela insurreição não seriam (como de fato não foram) superiores aos benefícios esperados das ações violentas. Porque tudo isso foi percebido com clareza pela sociedade brasileira, não houve qualquer apoio da opinião pública aos atos praticados pelos guerrilheiros. O desejo de acender, no estilo cubano ou chinês, focos revolucionários nos campos e nas cidades, fracassou redondamente. Ao contrário dos intelectuais fanatizados por ideologias, o povo, o povo simples, sabe que não se pega em armas e não se parte para a violência em má companhia, por uma causa ruim. ______________ * Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.