Estou lendo uma biografia recente do Ortega y Gasset e já cobri com os olhos uma boa metade do seu volume avantajado. O livro me veio à memória porque, no começo dos anos Vinte, o filósofo espanhol escrevia textos desesperados que formaram, depois, o volume Espanha Invertebrada, prolegômeno do famoso A Rebelião das Massas, publicado como livro em 1930. Ortega y Gasset constatava a ausência dos melhores e a tomada do poder pelos piores, exatamente como estamos vendo no Brasil de hoje. Qualquer observador da cena nacional haverá de escrever textos desesperados, pois estamos indo de desastre em desastre e uma explosão de violência política não está fora do horizonte, como aliás não estava na Espanha dos tempos de Ortega. Quem não se lembra da terrível guerra civil espanhola?
A nota interessante é que, com Ortega, aconteceu aquilo que Olavo de Carvalho chamou de paralaxe cognitiva, de forma radical. Ortega clamava pelos melhores e ele, que se achava o melhor, encarnou por um tempo o próprio homem-massa, ansioso por chegar ao poder. Ortega queria o poder para implantar o que chamou de “liberalismo socialista”, algo que certamente não defendeu ao final da vida. Claro que é uma contradição, pois hoje é possível melhor definir os dois termos, embora na origem ambos os movimentos, socialista e liberal, estivessem unidos pela revolução. Talvez a angústia de Ortega se tenha devido a esse abismo espiritual em que ele estava metido, de saber que o desastre vinha, mas que ele próprio inconscientemente se percebia como um agente do desastre. São as ironias que a vida traz.
O desastre atual do Brasil é que não há voz que se levante contra os piores, estão todos de acordo para que sigamos, em marcha de gado, para o precipício da crise econômica e da crise política. A primeira como resultado da desastrosa condução do Estado pelo PT; a segunda porque o PT não parece querer largar o osso do poder facilmente e, se tiver que sair, fará uma oposição tenaz e agressiva, liderando os movimentos sociais, a ponto de inviabilizar a normalidade no novo governo. A única força oposicionista que serve de alternativa, Marina Silva, é ela própria programaticamente uma socialista do naipe do PT, o que não revoga a necessidade de alternância, nesse momento, em face do desgaste petista e da ameaça totalitária que ele representa.
As forças políticas organizadas no Brasil, todas elas, fazem discurso para disputar o campo esquerdista, como se não existisse eleitorado conservador no Brasil. Isso tem acontecido desde 1985. O PSDB parece ser o exemplo claro dessa rejeição ao voto conservador, mesmo que esteja consciente de que um apelo às bandeiras conservadoras seria a única via de seu acesso ao poder. Temos um grande eleitorado, talvez uma maioria, que não dispõe de representação política e não aparece ninguém que queira representa-lo. Esse é o nosso desastre, que a unanimidade tomou conta de todas as classes em prol dos piores no poder.
É bom que se diga que, em torno das bandeiras esquerdistas, encontram-se os piores que querem o poder. São os revolucionários de todos os naipes, que variam entre si apenas no campeonato de virulência com que querem implantar a sua agenda nefanda. No Brasil, ficou claro que os melhores desapareceram com a direita política, desterrada violentamente desse dentro dos partidos políticos, das universidades e da imprensa. Até mesmo o Poder Judiciário, tradicionalmente conservador, entrou na onda revolucionária, com juízes fazendo as vezes de vingadores sociais e membros do STF querendo reescrever a Constituição a partir das súmulas produzidas por seus preconceitos ideológicos, ao arrepio da Constituição. O sistema jurídico brasileiro virou uma prisão de aloprados que está enlouquecendo toda a gente. É quase impossível se cumprir o conjunto de leis no Brasil, tal a contradição existente entre os diferentes diplomas.
A tarefa histórica imediata que se impõe é restaurar uma força política nacional de centro-direita, que possa disputar democraticamente o voto popular e assim recolocar os melhores no poder.