Nous sommes en 50 avant Jésus-Christ ; toute la Gaule est occupée par les Romains… Toute ? Non ! Car un village peuplé d’irréductibles Gaulois résiste encore et toujours à l’envahisseur. Et la vie n’est pas facile pour les garnisons de légionnaires romains…
No prefácio com o qual distinguiu meu livro “Nunca Antes na Diplomacia…: a política externa brasileira em tempos não convencionais”, o embaixador Rubens Barbosa começa exatamente por essas palavras: “Estamos no ano 50 antes de Cristo. Toda a Gália foi ocupada pelos romanos… Toda? Não! Uma pequena aldeia povoada por irredutíveis gauleses ainda resiste bravamente ao invasor. E a vida não é nada fácil para as guarnições de legionários romanos…”. Ele continua dizendo que eu não sou exatamente um “asterisco” na bibliografia brasileira de relações internacionais e de política externa, dado o acúmulo de obras já produzidas nessas áreas, e que tampouco me pareço com Obelix, embora eu costume arremessar menires intelectuais contra os acadêmicos ingênuos que interpretam o mundo através de seus livros.
O Brasil se encontra dividido em quase duas metades simétricas.
Com efeito, creio poder orgulhar-me de uma boa contribuição para a literatura especializada nesses campos que constituem minha especialidade de pesquisa e de produção de trabalhos acadêmicos, ademais de participar do debate intelectual nessas e em outras áreas de relevante interesse público para o Brasil. Mas o fato é que, nos últimos dois meses, pelo menos, eu tinha deixado de lado essa produção voltada para estudos mais estruturais, ou de natureza mais analítica, passando a ocupar-me de pequenos textos de intervenção na realidade política do país, em compasso com a conjuntura eleitoral. Até cheguei a inverter uma antiga resistência a certas ferramentas de comunicação social, como o Facebook, por exemplo – que considero, acertadamente, como um grande “perdedor de tempo”, o precioso e extremamente exíguo tempo de que disponho para ler e escrever – para participar mais ativamente do debate político que incendiou o país em torno de dois projetos de nação.
A questão agora não é tanto pessoal – embora eu tenha que confirmar um novo retraimento nos estudos de maior profundidade, em lugar da dispersão em textos curtos de intervenção no debate político – quanto ela é, justamente, de natureza social, mais especificamente, no caso presente, de ordem intelectual grupal. Aparentemente, o Brasil se encontra dividido em quase duas metades simétricas, não exatamente opostas no plano das políticas públicas – uma vez que ambos tendem a confirmar o papel bastante preponderante do Estado no encaminhamento dos principais problemas nacionais – quanto elas o são no que respeita as filosofias que subjazem aos programas de governo das duas coligações que se digladiaram nas eleições presidenciais de 2014. As pessoas, como eu, mais identificadas com a preeminência do indivíduo sobre o Estado, com os terrenos das liberdades individuais e das iniciativas privadas, como forma de superar os graves problemas de desenvolvimento econômico e social do país, podem estar se sentido órfãs no momento presente, quando triunfam – não de maneira acachapante, mas ainda assim de modo incisivo – os elementos mais negativos da institucionalidade política e da mobilização social, o que pode dar uma impressão de desesperança, ou de inutilidade, quanto à mensagem que elas gostariam que fosse, finalmente, incorporada ao ideário brasileiro do desenvolvimento nacional: o das liberdades econômicas, o da redução do papel do Estado e da promoção concomitante do papel da iniciativa privada, da concorrência sadia, da abertura econômica e da liberalização comercial, como as formas mais adequadas para justamente fazer o país avançar.
Uma sombra de desesperança, quando não de desespero, perpassa as mentes e as vontades mais engajadas nos combates dos dois ou três últimos meses: alguma intenção de abandonar o combate intelectual, projetos de abandonar o país, retraimento em áreas de exclusivo interesse pessoal, enfim, retirada do campo de batalha e abandono do terreno de lutas que sempre foi o nosso: não necessariamente a liça eleitoral, mas o esforço didático de educação política, de esclarecimento econômico, de defesa da lógica e da promoção do raciocínio inteligente na exposição, análise e divulgação de pontos de vista que se identificam com uma visão liberal, libertária, em todo caso de democracia avançada e de regimes de mercados como os mais consentâneos com a construção de um país progressista, avançado no plano das liberdades individuais e comprometido, tanto quanto outras correntes, com a redução de iniquidades sociais e de falta de oportunidades para os menos contemplados com riqueza pessoal ou familiar.
Não somos poucos, mas certamente somos minoria, pelos tempos que correm. Mas, se tivermos certeza da validade de nossas ideias, do acertado de nossas propostas, da adequação de nossos projetos aos ideais de um mundo livre e de um Brasil mais próspero, não podemos recuar no combate intelectual. Constituímos, no presente, uma espécie de quilombo de resistência intelectual contra ideias e propostas aparentemente dominantes, mas que sabemos contraditórias ou mesmo retrógradas em relação aos valores e princípios de organização social, econômica e do trabalho produtivo, que caberia imprimir a setores mais vastos da sociedade brasileira para retomar um curso mais virtuoso de desenvolvimento com plena defesa das liberdades individuais e coletivas no Brasil contemporâneo.
Não vamos nos desmobilizar: combateremos à sombra – no duplo sentido analógico e metafórico – mas combateremos, reorganizando nossas forças, examinando o panorama após a batalha, e traçando novas estratégias e novos princípios táticos para melhor posicionar nossas ideias – como diria um especialista em publicidade – com vistas a conquistar mais terreno nos espaços que são os nossos: estes são, basicamente, de inteligência, de trabalho analítico, de esforço didático e de continuidade no nosso próprio esforço de aprofundamento do estudo das questões teóricas, dos problemas do Brasil e da região, da discussão em torno de propostas factíveis de melhorias gradativas num país que escolheu, temporariamente pelo menos, mais distribuir do que produzir.
Esse esforço não é em vão, e não será inútil, pois ele corresponde exatamente às nossas vantagens comparativas, às nossas qualidades de pesquisadores, aos nossos projetos de vida e ao nosso engajamento no terreno do debate de ideias em prol de um país mais avançado. Momentaneamente, estamos submergidos pelas hordas de hunos e de visigodos, que destruirão um pouco mais dos valores acadêmicos que tanto prezamos e que tanto procuramos defender, contra o culto da ignorância e da crua prepotência antiliberal, mas a escuridão não é completa, nem está ela destinada a durar para sempre. Persistiremos em nosso quilombo, que aos poucos vai se alargar à medida em que consigamos propagar nossas luzes, com base unicamente na razão prática e na lógica bem fundamentada.
Este é justamente o momento de se fazer um balanço completo das razões e das causas do triunfo das nulidades, e da nossa própria derrota, para traçar um programa de trabalho, de estudos e de discussões, que focalize as questões mais relevantes da atualidade brasileira e internacional. Dispomos de ferramentas analíticas para tanto e de instrumentos operacionais para persistir nessa missão intelectual. Vou me dedicar a estudos de maior profundidade, a trabalhos de maior consistência empírica, mas não pretendo abandonar a arena do debate público e da apresentação de propostas, sempre quando minhas vantagens comparativas se revelarem úteis nesse tipo de trabalho. Não esmorecer é a palavra do momento; redobrar os esforços é um projeto decidido.
Allons, enfants, a aldeia continua resistindo…
http://diplomatizzando.blogspot.com
*Diplomata e professor universitário