• Paulo Antônio Briguet
  • 02/06/2017
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SÓCRATES NO CAMPUS

 

(Publicado originalmente na Folha de Londrina)

— Professor José, excelente amigo, encontrá-lo é uma imensa honra! Mas diga, por favor, que motivos o trazem a esta Ouvidoria do campus universitário? O sr. pretende fazer alguma reclamação?

— Sim, Sócrates. Vim prestar queixa contra um colega de departamento.

— Pelo Deus, Professor José! Tal notícia deixa-me estarrecido. Suponho que esse colega tenha cometido um gravíssimo delito.

— Ele ofendeu outros colegas do departamento.

— Ó, luminar da ciência... Causa-me espanto que isso aconteça no ambiente universitário. Imagino que tenha sido uma ofensa realmente devastadora.

— De fato, Sócrates. Ele criticou uma carta de repúdio que nós elaboramos.

— O sr. quer dizer, nobre docente, que ele repudiou o repúdio?

— Exatamente.

— Mas a Universidade não é o espaço do debate, do contraditório, das diferenças?

— Sim, sem dúvida.

— O repúdio ao repúdio não seria, por assim dizer, um direito dos mestres acadêmicos?

— Desde que esse repúdio não seja, em si, um ato de intolerância.

— Ora, Professor José, peço que perdoe minha falta de acuidade, mas acho que ainda não compreendi a sutileza do seu argumento. Denunciando o repúdio ao repúdio, o sr. e seus colegas não estariam sendo precisamente intolerantes?

— De modo algum, porque a atitude desse professor acaba favorecendo os conservadores e reacionários, inimigos da nossa Universidade, os verdadeiros intolerantes...

— Mas, ilustre docente, amigo mui experto, a Universidade, como o próprio nome diz, não tem por objetivo estimular o contraste e o conflito de todas as ideias, inclusive aquelas que emanam dos círculos reacionários e conservadores?

— Nada disso, Sócrates! Conservadores e reacionários — bem como todos aqueles que ousarem defendê-los — devem ser retirados do nosso convívio. Não permitiremos discurso de ódio no campus. Não passarão.

— Professor José, corrija-me se eu estiver errado, mas o professor denunciado fez algum tipo de ameaça aos colegas? Incitou à violência? Acusou-os falsamente de algum crime? Usou chantagem, intimidação, dedo no olho? Tentou forçá-los a alguma coisa?

— Não, ele não fez nada disso.

— Então, ó digno docente, onde está o ódio no discurso do professor?

— Ele desqualificou a fala dos próprios colegas de departamento.

— Mas, excelente Professor José, o debate acadêmico não exige que se faça o confronto das hipóteses, sendo que é inevitável a consequência de que umas, as melhores, venham a desqualificar outras, as piores? Não seria exatamente isso que chamávamos em Atenas de Dialética?

— Ora, Sócrates, não venha você também me desqualificar! Você não tem nem mestrado. Será que não aprendeu nada? Continua defendendo o indefensável e corrompendo os jovens! Mas chega de conversa fiada; o Ouvidor está me chamando. Adeus, velho reaça.

— Adeus, Professor José. Tenha uma boa audiência. Você caminha para a Ouvidoria, eu para a eternidade. Só o Deus saberá quem tem mais sorte.

(Crônica baseada em fatos reais e recentes da nossa Universidade.)