NOTA DO EDITOR: Este texto é um achado tardio. Foi publicado originalmente em setembro pelo jornalista Diego Casagrande em seu blog Opinião Livre, mas considero imprescindível ser lido por quem não leu e relido por quem leu.
Na década de noventa, o editor Siegrified Elwanger, do RS, publicou uma série de livros buscando revisar, historicamente, o Holocausto.
O editor foi processado e condenado pelo crime de racismo. A tese preponderante, até o processo chegar no Tribunal de Justiça do Estado, era de que o agir do editor estava respaldado pela liberdade de expressão, esta assegurada como direito constitucional de primeira grandeza.
Lembro-me que à época, o pronto de inflexão do julgamento foi o brilhante parecer do Procurador de Justiça Carlos Otaviano Brenner de Moraes, então adotado como razões de decidir pela Câmara Julgadora.
Otaviano, contrariando o consenso que estava se formando sobre o assunto, de que a liberdade de livre exprimir opiniões deveria se sobrepor a qualquer direito, trouxe o assunto ao seu devido eixo.
Segundo Otaviano, quando Direitos se chocam, e isso ocorre diariamente, há que se sopesar qual deles, no caso concreto, é o preponderante.
Foi isso que aconteceu naquele que ficou conhecido como Caso Elwanger. Entre a dita liberdade de expressão, alegada pelo acusado, e o crime de ódio propagado através de suas publicações, o TJRS , e depois o próprio STF , optaram por tutelar o último, em respeito aos mais de seis milhões de judeus mortos pelo nazismo e para que ideias como aquelas nunca mais vicejassem.
Muito embora a lição que se devesse extrair do Caso Elwanger, de que, através do exercício da chamada liberdade de expressão, o ódio pode ser propagado e os Direitos Humanos severamente vilipendiados, os últimos acontecimentos ocorridos em Porto Alegre mostraram que muitos não aprenderam nada.
A exposição QUEERMUSEU, que teve o Santander Cultural, por mais de duas semanas, como sua casa, de forma nada sutil trouxe como mote a apologia à pedofilia, ao bestialismo e ao racismo, além de atentar contra a liberdade religiosa.
Não faltaram, no entanto, vozes para defender, como Direito supremo, a se sobrepor aos demais, inclusive ao de crianças e adolescentes, tal como havia ocorrido no Caso Elwanger, a liberdade de expressão.
Dessa forma, para os defensores da exposição, o direito dos artistas criarem e exprimirem a sua “arte”, jamais poderia encontrar limites, ainda que atentados direitos fundamentais de outras pessoas.
Tal raciocínio, de todo anacrônico, é o caminho mais fácil para a disseminação do ódio, do antissemitismo, do racismo, da homofobia e de tudo o quanto as sociedades civilizadas buscam se proteger.
Se todas as ideias e ideais podem ser reproduzidos, nazistas, fascistas e outros istas utilizarão este desvão para reproduzirem os seus credos totalitários.
A democracia, através de suas instituições, não pode, sob pena de seu próprio fenecimento, admitir tal sandice.
Como vaticinava Edmund Burke: “povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la ”
• Fábio Costa Pereira é Procurador de Justiça do MP do RS