Ricardo Mioto
EDITOR-ADJUNTO DE "COTIDIANO" - FOLHA
O humorista Marcelo Madureira, 56, acha que o PT promove no país a vitória da parasitagem do Estado: a classe média quer um emprego público, os pobres querem bolsas assistencialistas e os ricos querem "Bolsa BNDES".
Enquanto isso acontece, os artistas, que ficaram reféns de dinheiro público, se omitem, afirma. "Em um momento como este, cadê o Caetano Veloso, o Chico Buarque?"
Madureira é um entusiasta dos protestos contra o PT e esteve nos eventos de março e abril, inclusive discursando aos manifestantes.
Ele, que foi militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) na juventude, diz que a esquerda contemporânea tem "formação política tabajara" e não tem senso de humor. Leia, abaixo, a entrevista concedida à Folha.
Folha - Existe agora uma nova direita no país?
Marcelo Madureira - Não dá para limitar a discussão aos termos esquerda e direita. A pergunta é que tipo de sociedade queremos. Aí eu digo: certamente não é a que o PT quer. Certamente não é aquelas que as pessoas que se dizem de esquerda propugnam, mesmo porque elas não sabem bem o que querem. É muito estranho. Hoje as pessoas se dizem de esquerda, mas não sabem dizer se são a favor ou contra a propriedade privada dos meios de produção.
Uma crítica comum é que existe uma "esquerda de Facebook", que não se dedicou muito à leitura...
Sim, é toda uma geração politicamente despreparada. A esquerda de hoje tem uma formação política tabajara. Você precisa perceber algo: o que as pessoas querem é ser legais, parecer legais, querem ser do bem. Na minha época era mais fácil. A direita era o mal, a esquerda era o bem.
Mas isso não existe mais. O mundo se apresentou muito mais complexo. Essa tentação de ter resposta para tudo não convence mais.
Mas sempre houve a noção de que os fins justificam os meios
Mas os fins serem a conta bancária da cunhada? [risos]
Sua crítica maior ao PT é a corrupção?
Não. Muito pior que a roubalheira, é a incompetência. A questão na Petrobras não é só roubar, é a gestão desastrosa. O que nos alivia é: embora tenham batido os recordes, talvez sejam incompetentes para roubalheira também.
O pior é que o PT reforça a vitória do atraso. Que sociedade é essa que você quer construir em que o sonho das pessoas se limita a, se for da classe média, passar em um concurso público; se for pobre, arranjar Bolsa Família; e, se for rico, conseguir uma "Bolsa BNDES"? Todo mundo passa a querer ser parasita do Estado. Não há país que dê certo assim.
Mas, enquanto isso foi acontecendo, o que se viu na oposição foi certo silêncio.
A oposição deixou a desejar? Deixou. Foi omissa, em alguns momentos até cooptada. O preço disso está sendo pago.
Há muita crítica ao papel do PSDB neste momento.
Eu votei no Aécio, até fiz um videozinho para a campanha. O PSDB tem certo reconhecimento de que há uma perplexidade, essa complexidade nas coisas. Há discussões densas que têm de ser feitas, as soluções não são simples, precisamos pensar também no longo prazo.
Mas, sim, eu vejo uma parcela grande da juventude querendo fazer política, e com frequência eles não encontram representação. Em alguns casos, o que acaba surgindo entre eles é até uma ideia meio exagerada de política liberal, de Estado mínimo. Eu não comungo totalmente com isso. É algo que precisa ser discutido com calma.
Talvez seja um pouco uma reação pendular, uma maneira de reforçar a oposição ao pensamento estatista.
Sim, é um movimento pendular, você vai em busca de um oposto, mas neste caso me parece oposto demais.
Essa é uma contradição que a esquerda aponta: nas manifestações recentes, tem o liberal de Chicago, o conservador cristão, até o cara que pede a volta dos militares.
Vejo isso como pluralismo, acho até admirável, desde que se respeite as regras da democracia. Eu não tenho nada contra os cristãos, contra o pessoal do quartel. Mas acho suprema ignorância pedir a volta dos militares.
Você se incomoda de ser chamado de coxinha?
Eu não. Meu único ponto é que as coxinhas de São Paulo são muito melhores do que as do Rio. Vou mandar trazer um monte e fazer uma "Coxinha's Party". Quem não tem senso de humor, não sabe rir de si mesma, é a esquerda.
Eu não frequento muito o meio artístico, prefiro ficar em casa lendo, vendo filme. Mas é lamentável o papel da classe artística. É digno de pena. Em um momento como esse, os artistas completamente omissos. Cadê o Caetano Veloso, o Chico Buarque?
Muitos artistas e até jornalistas têm hoje situação muito complicada de dependência de dinheiro público, não?
Sim, e não foi só a classe artística. Foi o meio acadêmico, uma parcela dos intelectuais. Veja o MST [Movimento dos trabalhadores rurais Sem Terra] também. Está todo mundo imbricado de verbinhas. A explicação? Bom, no fundo, como sempre, basta seguir o dinheiro.
No nível pessoal, creio que tenha perdido oportunidades de trabalho, de comerciais. Não vou aqui falar apontando nomes, mas acontece isso de "não, o Madureira não".
Influenciou sua relação com os colegas do "Casseta"?
Não, nesse caso não. Alguém inventou que tínhamos brigado. Nada disso. Sempre fomos pluralistas e, para falar a verdade, o pessoal lá não pensa muito diferente de mim, não...
Vocês fizeram piada com vários governos.
Sim, embora não se faça muita piada política no Brasil. Eu atribuo o fato de o "Casseta & Planeta" ter saído do ar à pouca disposição da TV Globo de deixar a gente fazer piada política.
Mas vocês fizeram isso por quase 20 anos.
Sim, mas aí começaram cortes, cortes e mais cortes de conteúdo. Não acho que isso seja censura, veja bem. Cada empresa tem suas regras. Se você não concorda, você pede demissão. Censura vem do Estado.
Mas, de qualquer forma, o programa foi perdendo "punch", aquela verve crítica, que era vital. Mas isso é uma decisão dos empresários.
Você foi militante do PCB. É inevitável ser de esquerda na juventude?
Posso falar do meu caso. Eu fui procurando ao longo do tempo pensar, ter senso crítico, falar "pô, eu tô errado". Já defendi até o Partido Comunista da União Soviética. E agora? Não vou ficar aqui fazendo revisionismo histórico da minha própria vida.
Na época, era o que parecia mais certo. Não faço, digamos, que nem "O Globo" fez, aquele papel ridículo. [Em 2013, o jornal publicou que apoiar o golpe de 1964 tinha sido um erro.]
MARCELO MADUREIRA
FORMAÇÃO
Engenharia de produção pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
TRAJETÓRIA
Trabalhou no BNDES. Criou o jornal "Casseta Popular", que se fundiria ao "Planeta Diário" e viraria a revista "Casseta & Planeta". Na Globo, foi roteirista da "TV Pirata" e escreveu e atuou em "Dóris para Maiores" (92) e "Casseta & Planeta, Urgente!" (1992-2012). Assinou com Hubert, por 25 anos, a coluna Agamenon em "O Globo".