• Comentário ao filme, por LEONARDO FACCIONI
  • 20/09/2017
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POLÍCIA FEDERAL: A LEI É PARA TODOS


Neste 7 de setembro, lá me fui a contemplar o tão esperado filme da Lava Jato, cuja proposta foi ilustrar, com tintas de romance policial, a epopeia investigativa dos primórdios da Força Tarefa, até a condução coercitiva de Lula da Silva em março de 2016.

A produção está excelente, em vista dos padrões nacionais. Como obra de arte, claro, fica longe de representar qualquer marco da cinematografia: para dar coerência e integridade à trama, foi preciso converter a narrativa à primeira pessoa e elevar a personagem de Antônio Calloni (um delegado fictício da PF, amálgama – como todos os demais nesse núcleo – de inspirações verídicas) a ombudsman da história, o que me parece batido e um tanto cansativo. Ainda assim, a solução de continuidade cumpriu a difícil tarefa de tornar a Lava Jato um caso mais linear, fluído e compreensível, sem simplificações excessivas.

Eu receava que o roteiro fizesse concessões descabidas à torcida criminosa, a fim de afetar neutralidade política. Não as fez. Quando muito – embora, vá lá, para grande desgosto do historiador que há em mim – insistiu na falácia de que a corrupção endêmica seria uma constante brasileira desde as caravelas, curiosamente contradizendo-se quando, em passagem mais avançada, uma das personagens encaixa o começo da magna rapinagem apenas no governo Sarney.

Os atores estiveram muito bem em seus papéis. Ary Fontoura como Lula foi impagável: empáfia mafiosa, intimidação sindicalista, "alô?!" e "tchau, querida" estão todos lá. Marcelo Serrado, por sua vez, em suas discretas, porém significativas aparições como Sérgio Moro não ficou para trás, sempre digno, sempre judicioso. Youssef e Marcelo Odebrecht são ótimos arquétipos de vilões para um 007 à brasileira, permanecendo verossímeis e próximos aos originais. Os policiais protagonistas também andaram bem, com destaque para a atuação competente de Flávia Alessandra e o alcance humano da personagem de Bruce Gomlevsky.

O saldo é um muito bom thriller nacional – ademais, absolutamente didático para o entendimento da operação jurídico-policial que arrebatou o país.

Politicamente, o filme é um desastre para o lulismo, desnudado até a alma na metade final da película. Nem o "Brasil 247" foi poupado. Não fosse a delação de Palocci dominando os noticiários da semana, essa estréia estaria como alvo prioritário de todos os pasquins furiosos. Ficaram péssimos na fita.

Tal efeito não resulta de um recorte editorial, senão da fidelidade da obra aos fatos – tanto quanto dos fatos resultou seu argumento, a Lava Jato da vida real, algo devidamente retratado nos diálogos da telona: os criminosos não foram escolhidos pela Força Tarefa; os criminosos escolheram o crime, e a missão de policiais, procuradores e juízes é investigar, denunciar, sentenciar quem percorre essa via. Ponto, parágrafo, nova tomada.

Se recomendo a audiência? Sem dúvida. Comprem ingressos e prestigiem a produção, antes que os canhões da censura ideológica a identifiquem no radar. Dá gosto ver um filme brasileiro que não começa com logotipo de estatal. Apenas não esperem por um filme de ação: a tensão é fundamentalmente intelectual, e as sequências de prender o fôlego são poucas. Algo condizente com a temática, advinda de escutas telefônicas, cruzamento de informações, salas de interrogatório e tribunais.

Resta torcer para que a continuação não se dobre às redobradas pressões, como aconteceu com o segundo "Tropa de Elite", único precedente de filme nacional cujo alcance, fora das salas de cinema (embora, in casu, não intencional), foi favorável à civilização.

* Advogado