• Jayme Eduardo Machado
  • 22/04/2016
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O VILÃO VIRTUOSO


      Não, não se trata de defender Eduardo Cunha e suas vilezas, pois seria tão inútil como ouvir o governo Dilma justificar sua corrupção. Ademais, o presidente da Câmara já mostrou que sabe, como ninguém, se proteger, até porque, se não o fizer, ninguém fará por ele. E mesmo aqueles que o defendiam, desistiram, porque se percebe que é tão indefensável quanto o governo que fustiga.

       Escamotear vilanias, eis o pecado do seu talento.

Seu repertório prático começa por aparentar tendência anti-impeachment quando rejeita várias dezenas de pedidos com a mesma finalidade. Mas, antes, dos 39 que jogou fora, guardou a cereja. E a saboreou quando se tornou oportuno retaliar, mas não aceitou a inclusão de fatos que, embora imputáveis à presidente, não eram relativos ao mandato iniciado em 2015. Ao concordar com o que era útil ao governo atacado, na real estava também obstruindo o caminho para nulidade futura, o que certamente aconteceria sem a restrição do procedimento à atualidade dos fatos imputáveis. Confirmou-se quando, na sessão extraordinária do STF, a defesa da presidente se esforçou para anular a denúncia com o que dela Cunha já havia retirado. Eis a virtude do vilão na sua expressão mais técnica.

Mas o que a denúncia não pôde mostrar, porque se refere ao “antes de 2015”, Cunha sabe que a lei manda omitir, mas percebe ainda melhor que é o que ninguém esqueceu. Pois todos lembram dos maus antecedentes como razões pra lá de suficientes para escancarar a improbidade da presidente. De modo que tornou as “pedaladas” e os “decretos” que fundamentam o crime de responsabilidade, o foco que a obriga a se defender do “menos”, sem qualquer chance de se defender do “mais”. Que é tudo o que antecede 2015, está na cabeça de todos porque passo a passo é revelado pela Lava-Jato, e deságua no lastimável “estado a que chegamos”. Por coerência, valeu-se do mesmo argumento para rejeitar, no confronto com a comissão de ética da Câmara, tudo que não diga respeito ao foco, “mentir na CPI”. Eis a virtude do vilão na sua expressão mais astuta.

Por fim, quando na sessão de admissão do processo de impedimento, Cunha defrontou impassível dedos em riste apontando para a próxima bola da vez, lembrou o vilão audacioso de que nos fala Montaigne que “... mesmo no cadafalso, antes de ser enforcado, não perde a esperança de que alguém saia em sua defesa”-. E quem fez isso foram os do próprio governo Dilma com a acusação de que o impeachment não existiria sem ele. Na verdade os governistas enriqueceram seu rico acervo de incoerências, pois desnudaram a virtude do vilão na sua expressão mais eficaz.

* Ex-subprocurador-geral da República.