Tudo por medo de um simples cartaz a ser fixado na parede da sala de aula, facilmente visível e disponível para constante consulta dos alunos: sim, esta é a única inovação no ordenamento jurídico nacional proposta pelo Escola Sem Partido (ESP), uma vez que todas as obrigações dos docentes a constarem deste lembrete aos estudantes já estão previstas na Constituição Federal e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Ainda assim, a gritaria dos contrários à iniciativa foi de ensurdecer desde o lançamento da campanha, e voltou a subir o volume semana passada em função do anúncio de um curso bastante inusitado ofertado pela UNB, referente ao “golpe” de 2016, e de toda a repercussão que se sucedeu.
Que o ideário socialista/progressista encanta ampla maioria dos professores dos ensinos médio, fundamental e superior não é novidade para ninguém; que muitos deles montam palanque diante da audiência cativa de suas turmas de jovens intelectualmente indefesos também é ponto patente; mas o que costuma dividir opiniões, mesmo entre aqueles que reconhecem o grave problema e concordam que algo precisa ser feito para brecar esta verdadeira produção em série de pessoas desorientadas e despreparadas para a vida adulta, é se o Escola Sem Partido não é mais do mesmo mal que pretende debelar.
Roberto Rachewsky, empresário e articulista, escreveu recentemente em artigo para o Instituto Liberal:
"Quando eu digo que o Escola sem Partido é um engodo por não atacar o problema educacional que temos no Brasil, mas por ajudar a perpetuá-lo, eu quero dizer que deveríamos partir para uma solução definitiva demandando o fim da interferência estatal na educação.
Governo é um órgão de coerção e todo tipo de arbitrariedade acaba sendo praticada por ele, inclusive a própria lavagem cerebral que o tal Escola sem Partido pretende paradoxalmente combater."
Basicamente, a discordância do escriba em relação ao ESP reside no método a ser empregado na resolução do conflito: em tese, o plano do advogado Miguel Nagib consiste em utilizar a repressão estatal para impedir um procedimento perverso que vem ocorrendo em instituições criadas e administradas pelo próprio Estado. Sendo assim, não seria mais fácil simplesmente transferir para o setor privado esta atividade econômica, provendo o governo, para situações de incapacidade financeira comprovada, vagas em colégios particulares (o denominado sistema de vouchers)?
Não há reparos a fazer na sugestão (em tese), com a qual um grande número de liberais concorda. Não faz muito sentido, de fato, lançar mão de uma “canetada mágica” do governo para remediar um distúrbio gerado por ele mesmo. Melhor cortar o mal pela raiz, sem dúvida. Neste cenário ideal, os pais e responsáveis matriculariam seus pupilos naqueles estabelecimentos educacionais cujos princípios de atuação fossem de seu agrado, gerando demanda por escolas com os mais variados perfis, conforme a procura.
Só que (na prática) o buraco é mais embaixo, por duas razões em especial.
1) Em primeiro lugar, privatização é palavra que, a despeito do esforço empreendido por diversos produtores independentes de conteúdo intelectual, ainda é tabu em nosso país. Privatizar mesmo estatais extremamente deficitárias e que foram palco de recentes escândalos de corrupção é sinônimo de desgaste político, protestos ruidosos e publicidade negativa para os governantes envolvidos.
Ora, se transferir refinarias de petróleo e agências de correios ou bancárias para empreendedores privados já é missão das mais ingratas, imagine então privatizar escolas públicas!
Ou seja, seria preciso, antes de tudo, suscitar, no imaginário popular, a noção de que quanto menos o Estado envolver-se em atividades não afeitas à sua tarefa original—?proteger a liberdade dos indivíduos, a propriedade privada e a vida?—?, melhor. E aí emerge a questão: com nossas crianças sendo catequizadas na cartilha comunista a todo momento, como este necessário ambiente favorável a privatizações poderia vingar eventualmente?
A dúvida neste caso, portanto, é como chegar lá?—?naquele dia em que um número suficiente de cidadãos prestará apoio à desestatização. É o imediatismo que leva alguns liberais a desprezar o ESP, passo intermediário sem o qual a jornada contra a doutrinação escolar tende a sucumbir miseravelmente.
Se podemos usar armas do adversário de encontro a ele mesmo, não vejo problema algum nisso. Gol contra também vale. Pensar diferente implica na busca pela pureza fatal que desconsidera qualquer retórica que não catapulte-nos diretamente ao objetivo final. E apressado come cru. Ou fica com fome…
2) A segunda razão é bem menos complexa do que a primeira: professores de escolas particulares, mesmo das mais caras, também praticam proselitismo político, aberto ou velado, durante as aulas. Quem não se lembra da agressão que sofreu o “fascista” Arthur do Val em frente à exposição Queermuseu em Porto Alegre, praticada por um professor dos quadros do Instituto Anglo? E não se enganem pensando que “ao menos ele foi demitido, coisa que dificilmente ocorreria em escola pública”: este foi um caso que ganhou publicidade; caso contrário, permaneceria tudo como estava.
Os cursos de graduação foram tomados quase que por completo pela ideologia revolucionária, e de lá saem todos os educadores para o mercado de trabalho. Não há porque imaginar que os mais competentes na arte de transmitir conhecimento (normalmente contratados pela rede privada) sejam menos nocivos do que aqueles menos versados no ofício (geralmente captados pela rede pública). Simplesmente não há para onde correr na conjuntura atual, considerando que nem mesmo o homeschooling é legalizado no Brasil.
Conclusão: será possível que exigir o fiel cumprimento de deveres funcionais de uma determinada categoria profissional, ainda que valendo-se do poder de coerção estatal se preciso for, é ideia tão tacanha ou contraproducente assim nesta empreitada contra a mentalidade anticapitalista disseminada? Há controvérsias. Cuidado para não fazer o jogo do adversário…