O crítico literário Jonathan Poole, em recente matéria que escreveu para o semanário South Weekly, afirma que algumas das famosíssimas peças de William Shakespeare teriam sido escritas, na realidade, por uma prima dele, que vivia em Hampshire. Segundo Poole, apoiado em recentes descobertas de historiadores ingleses, o bardo foi o canal de acesso de uma mulher criativa à autoria teatral, o que era inconcebível naquela época, naquela sociedade.
Foi também divulgado, em janeiro passado, pelo antigo dono da gravadora Trojan Records, que a conhecida banda de rock The Who, criadora de sucessos como Can´t Explain e My Generation, nunca existiu. O produtor musical Allan Mersey “inventou” esse grupo e gravou, em estúdio, com artistas free-lancers, composições de autores que buscavam um espaço para suas criações, colocando-as no mercado como gravações do grupo The Who. Para dar realismo à banda, Mersey contratou quatro rapazes para fazer as apresentações, onde o som era feito em play-back.
Documentos milenares, escritos por um tal Giges, descobertos em 2007, num vilarejo próximo a Pylos, no sudoeste da Grécia, colocam por terra a notável façanha de Fidípedes, narrada por Heródoto. Aquele militar grego teria corrido de Maratona a Atenas, para anunciar a vitória na batalha contra os persas. Após a notícia, teria caído morto, por exaustão. Os documentos agora encontrados narram que, diferentemente do que escreveu Heródoto, a notícia daquela notável vitória teria chegado a Atenas, passando por aquele local, muitos dias depois da batalha, trazida pelo vitorioso general Milcíades e por seus comandados.
É reduzidíssimo o número dos que sabem que uma das mais visitadas obras de arte do mundo, a tela chamada de Mona Lisa, ou La Gioconda, exposta no Museu do Louvre, é a terceira versão da obra-prima de Leonardo da Vinci, e a de menor qualidade artística. Das duas Mona Lisas iniciais, pintadas por da Vinci, uma – a principal - se perdeu nas convulsões sociais da Revolução Francesa. A segunda foi roubada, em 1911 – e nunca mais encontrada. A terceira versão não seria de Leonardo, mas pintada por um grupo de artistas italianos, naquele início do século vinte, a partir das muitas imagens impressas disponíveis, sendo apresentada como a que fora roubada. É esta a tela hoje exposta no Louvre e vista por multidões de visitantes.
As interessantes – e chocantes - informações acima, como boa parte das novas revelações históricas que aparecem a todo momento, na mídia mundial, têm algo em comum: foram forjadas. Nunca existiram Jonathan Poole, South Weekly, a prima escritora de Shakespeare, Allan Mersey, Giges, os citados documentos achados no vilarejo grego ou a terceira Mona Lisa. É tudo pura invenção minha, gerada algumas horas atrás.
Contudo, existiu a banda The Who e as canções citadas foram gravadas por ela; existe a cidade de Pylos no sudoeste grego e Milcíades foi, de fato, o comandante grego na batalha de Maratona; e a tela Mona Lisa foi, realmente, roubada em 1911, ficando por longo tempo desaparecida. Aí está o perigo: a mentira mesclada com a verdade pode se tornar muito mais verossímil do que a própria verdade. E imensamente instigadora da fantasia humana.
As quatro “descobertas” citadas no início desse texto foram engendradas, hoje, por mim, E, para isso, me vali do estilo que caracteriza boa parte das ”revelações” que, a cada dia em maior número, chegam para impactar as pessoas: com alguma fundamentação histórica, nomes e fontes inventados e um tom chocante de “desmistificação”. Textos assim tendem a alcançar boa repercussão, conquistando adeptos – até apologistas - das mentiras ali apresentadas.
O que preocupa é o gosto popular por notícias desse tipo e a falta de investigação mínima sobre a procedência das afirmações que as pessoas absorvem. Qualquer um - e qualquer veículo de comunicação - pode trazer a público afirmações sensacionalistas; como, por exemplo: “os faraós eram seres alienígenas colocados na Terra para orientar o desenvolvimento civilizatório dos humanos”; “a primeira embarcação que atravessou o oceano para chegar a América era de navegantes hititas, impulsionada por um tipo de energia misteriosa, treze séculos antes de Cristo”; “o enigmático Nostradamus previu que, depois do ano 2000, duas gigantescas torres seriam derrubadas por um príncipe do oriente, de turbante e longa barba, valendo-se de gigantescas aves de fogo”; “o naufrágio do Titanic não se deveu ao choque do navio com um iceberg mas, de fato, a um torpedo lançado por um submarino alemão, em preparação ao que viria a ser a primeira guerra mundial”. Tais afirmações rendem best sellers. Coisas assim fascinam a imaginação de muitas pessoas. E abrem caminho para algumas operações de marketing editorial, ideológico ou religioso. Com as mais variadas - e perigosas - intenções.
Da próxima vez que afirmações surpreendentes, de fontes discutíveis, chocarem você, avalie se não estão sendo usadas ali a manipulação e a falsificação de fatos, para colocar em cheque seus valores e suas convicções, com propósitos velados. Cuide para não entregar seu dinheiro, sua mente ou seu coração por informações desse tipo.
O autor, prof. Norberto Bozzetti, escreveu este instigante artigo em 2009.