Excetuada a hipótese da sabedoria infusa, é preciso algumas décadas de experiência para um sujeito entender que a esperança numa vida após a morte é mais realista, mais racional e mais científica do que a aposta em qualquer utopia social terrena. No fim a conclusão é sempre esta: ou o Paraíso ou o Nada. Como o Nada é impossível, resta aquela tentativa incansável e interminável de aproximar-se dele, a qual se chama, tradicionalmente, inferno.
Isso é a vida humana.
Dia a dia acumulam-se os indícios de que ela não cessa com a morte, inclusive esse filme espetacular, Heaven is for Real, em que um menino de quatro anos demonstra saber mais sobre o outro mundo do que em geral os guias iluminados dos povos sabem sobre este.
Em compensação, jamais se viu o menor sinal de que uma sociedade cientificamente planejada pudesse funcionar sem levar milhões de pessoas ao cárcere, ao cemitério ou, no mínimo, ao desespero. Quando Lincoln Steffens, um dos santos de devoção da babaquice jornalística, voltou da URSS informando "Eu vi o futuro e ele funciona", a coisa já estava mesmo funcionando: fome e miséria, cadáveres para todo lado e a tortura institucionalizada como prática corriqueira pela mais eficiente polícia política de todos os tempos.
Em cada estação de trem, as mães se apinhavam implorando que alguém levasse embora os seus bebês antes que a genial economia socialista os matasse de inanição.
Platão, na República, já demonstrava que mesmo o melhor dos regimes políticos, concebido para agradar o mais exigente dos filósofos, terminaria por se destruir a si mesmo por suas contradições internas, e cederia o lugar a alguma velha porcaria tida pelos otimistas como historicamente superada.
Uma das razões mais constantes para que as coisas sejam assim é que, precisamente, os homens se esquecem de que elas são assim. Jean Fourastié, no seu clássico Les Conditions de l’Esprit Scientifique (Gallimard, 1966), ensina que uma das forças históricas mais decisivas é o esquecimento. De geração em geração, os sábios se entusiasmam de tal modo com as suas novas descobertas que acabam não percebendo que quase sempre a dose de conhecimento perdido é quase igual à do conhecimento conquistado. Deslumbrados com os antibióticos, os circuitos integrados, os clones e as fibras óticas, até hoje não sabemos explicar como os homens de outros tempos, aqueles bárbaros, conseguiram construir as pirâmides do Egito ou manter de pé os vitrais das catedrais góticas.
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Existe uma diferença enorme entre um ideal político substantivo e a camada de adornos verbais de que se reveste. Verbalmente, o socialismo é igualdade, liberdade, etc. e tal. Substantivamente, é a unificação de poder político e econômico, portanto a criação de uma casta governante mais poderosa e mais dominadora do que a anterior. O socialismo não é ruim porque se desviou do seu ideal, mas porque o realizou.
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O discernimento estético é parte integrante da cultura espiritual. A música, as artes plásticas, o cinema e o teatro são armas letais usadas na desumanização das massas, e isto menos pelo conteúdo propagandístico explícito (uma exceção) do que pelo simples fato de dissolverem o senso estético das multidões pela exposição repetida ao feio e disforme apresentado como normal.
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O tempo da pornografia já passou. A moda agora é deformidade corporal, vômito, sangue pisado, pus e cadáveres em decomposição.
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Pessoas que escrevem mal percebem mal, retêm mal, e com a maior facilidade se enganam a si mesmas quanto às suas intenções simplesmente trocando os nomes dos sentimentos que as movem. A literatura e o conhecimento da alma humana sempre andaram juntos. Ninguém pode apreender nuances e sutilezas da vida emocional com uma linguagem tosca, mesmo que gramaticalmente correta.
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O cristianismo jamais teve como objetivo a eliminação da pobreza. Jesus deixou isso muito claro ao dizer: "Sempre haverá pobres entre vós" – e, pior ainda, Ele disse isso num contexto que enfatizava a prioridade dos deveres espirituais sobre quaisquer demandas, mesmo justas e necessárias, da vida material.
Os comunistas não roubaram nenhuma ideia do cristianismo. Ao contrário, emprestaram-lhe a sua própria ideia, para dar a ela o prestígio de um ideal sagrado. A única ideia que os comunistas roubaram do cristianismo não tem nada a ver com eliminação da pobreza. Foi a ideia do Juízo Final, que eles reduziram à escala histórico-social para justificar o seu projeto de matar gente a granel sob um pretexto edificante.
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Seres humanos normais praticam a igualdade nas suas relações pessoais na medida do razoável e aceitam a desigualdade social como uma coisa natural e invencível. Malucos pretendem eliminar a desigualdade social e por isso levam ao extremo a desigualdade pessoal, imaginando-se infinitamente superiores aos demais seres humanos. Mao Dzedong acreditava-se igual aos setenta milhões de chineses que ele mandou para o beleléu?
Comunistas acreditam em "amar a humanidade impessoalmente", como se abstraída a dimensão pessoal ainda restasse algo de humano. O que amam é uma hipotética humanidade futura construída à imagem deles mesmos, em nome da qual tentam eliminar a humanidade presente.
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Sugestão: Para cada livro de filosofia, leia pelo menos cinco de História. O confronto com os fatos amortece bastante o vício de jogar com conceitos e argumentos. O filósofo que o é pelo puro "gosto dos conceitos abstratos" (fórmula de Sir Michael Dummett tão apreciada por estas bandas) não passará jamais de um menino brincando de Lego.
Olavo de Carvalho é jornalista, ensaísta e prof. de Filosofia