• Leo Iolovitch
  • 13/07/2014
  • Compartilhe:

MINGAU E OS TELEFONES

O Mingau não sorria, mas tinha um defeito de prótese, que dava a impressão que sempre estava sorrindo. Era atarracado, tratava todo mundo por “meu nego”, era simpático, ninguém sabia se era casado ou não, nem onde morava. Dele só duas coisas eram certas: Era funcionário da CRT – Companhia Riograndense de Telecomunicações, que chamava de “a Companhia” e cada noite aparecia com uma mulher diferente. Sua aparência era entre o “graças a Deus” e o “mais ou menos”, o sorriso artificial era duro de aturar, por isso mesmo era difícil entender como sempre tinha uma mulher diferente a seu lado, embora elas também não fossem grande coisa... Sobre isso comentava: “as menos bonitas são mais carinhosas”.

Dizia que seu segredo era simples: “Meu nego, não tem mulher que não queira ter um telefone. Quando elas dizem que não têm, eu faço cara de espanto, e digo: “Mas como? Deixa comigo, eu trabalho na Companhia”. E a partir daí, meu nego, o jogo tá ganho...” E dava uma gargalhada, mostrando mais ainda a dentadura parelha.

De uma hora para outra ele desapareceu. Parece que foi porque o dono do bar quis cobrar uma conta, que vinha sendo rolada e enrolada, com a eterna promessa de instalação de um telefone comercial. Nunca se soube que ele realmente tenha conseguido instalar algum.

Recentemente me contaram que ele teria morrido.

Hoje, com um “crachá da Companhia”, não iria mais conseguir conquistar ninguém e sua lábia teria de ser outra.

Além das noivinhas do Mingau, quantas e quantas pessoas deixaram de ter seus telefones instalados por conta de uma estatal ineficiente. Nos lençóis do Mingau muito suspiro e gemido foi trocado por um alô hipotético... Se estivesse vivo provavelmente estaria participando de algum “Forum em Defesa da Empresa Pública” ou coisa no gênero, para defender “A Companhia” e, provavelmente, comer alguma ativista de cabelo crespo e calcanhar encardido. 

Sempre que há eleições e vem a propaganda eleitoral, nem parece que o Mingau morreu, surge uma saudade surda da estatal ineficiente, que deixou todos nós sem telefone, que, de tão raro, era até incluído na declaração de renda. Dá até vontade que toquem todos os atuais celulares e telefones ao mesmo tempo, para despertar os que dormem esse sono da estupidez.Ao ouvir essas manifestações contra as privatizações, fica a impressão que, assim como o Elvis e a Elis o Mingau também não morreu. Ele voltará com aquela conversinha, para seduzir quem queira ser comido em troca da ilusão de uma promessa de funcionário de estatal.

Então o Mingauzinho vai reaparecer, com um crachá da Companhia, os olhos umedecidos pela má fé e o conhaque vagabundo, dirigindo-se para alguma mulher de graça perdida, porém com o discurso oportunista já devidamente atualizado, dizendo apenas:
“E aí, beleza ?”

www.olivronanuvem.com.br