• Paulo Briguet
  • 15/07/2014
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MEU PAÍS

PAULO BRIGUET

 

1. Sou patriota – mas não dessa pátria que você estão imaginando. Meu país nem nome tem. É formado por praças onde flores amarelas repousam na grama úmida, com copos plásticos brancos consumidos na festa de ontem. Tenho cidadania de uma república de estudantes demolida há muitos anos. Ufano-me das telas de Chagall e dos temas de Bach que carrego por onde vou. A fronteira do meu país chama-se Córrego Água Fresca; fica ali no fundo de vale.

2. Se você quiser encontrar meu país, não procure nos mapas, nem use bússola, nem leia os jornais. Ele só pode ser achado nas páginas de um livro de crônicas antigas, mais velho que qualquer um de nós, e marcado por uma flor que secou décadas atrás, colhida não se sabe por quem, escondida não se sabe por quê.

3. A seleção do meu país só disputou uma Copa: a de 5 de julho de 1982, no Estádio Sarriá. Ali jogou, ali perdeu, ali chorou. O Sarriá, como a velha república, foi demolido: virou um conjunto residencial. Alguém dorme hoje no exato lugar em que Falcão fez aquele gol de fora da área – tão belo e tão inútil.

4. Alguns viram meu país andando sem rumo pelo calçadão do campus. Outros tiveram notícia dele sozinho no palco do Zaqueu de Melo, recitando Fernando Pessoa: “Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”.

5. Meu país anda de ônibus e táxi. Conhece várias gerações de taxistas e cobradores; com os motoristas de ônibus, ele só fala o essencial: “Deus existe”.

6. Meu país é um pensamento de Deus. Só existe porque Ele teve a compaixão de pensá-lo. Para onde vai meu país, só Deus sabe. Mas ele não pode querer ser nada. É e continuará sendo, mesmo depois de levar sete gols, quebrar a Petrobras, permitir a volta da inflação e acreditar no ministro Gilberto Carvalho.

7. Cada vez mais o meu país se parece com uma aldeia russa pintada por Chagall. Henry Miller dizia ser patriota do Brooklyn; eu sou patriota do colchão em que li Henry Miller, na república que não existe mais. O importante não é saber se meu país acredita em Deus, mas se Deus ainda acredita no meu país.

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