(Publicado originalmente em O Globo)
Os bonzinhos de plantão que morrem de saudade da ditadura militar – não se fazem mais vilões como antigamente – estão radiantes com o surgimento de Eduardo Cunha. O atual presidente da Câmara dos Deputados resolveu o problema da esquerda brasileira, que andava desnorteada sem um Lobo Mau convincente para seu conto de fadas. Pronto, aí está ele. E o melhor da festa: o impeachment de Dilma Rousseff virou golpe de Eduardo Cunha. Como se vê, a criatividade não tem limites.
Talvez seja esse o mais dramático de todos os capítulos da epopeia petista que rebaixou o Brasil antes do Vasco da Gama – cujas caravelas também foram tomadas pelos corsários. Até então, o país estava apenas diante do maior escândalo de corrupção de sua história e da hipocrisia dos companheiros que não sabiam de nada. Normal. Os brasileiros já tinham se acostumado com a convivência harmônica entre o governo do PT e seus próprios delitos, inclusive com a constante exaltação aos políticos presos, convertidos em presos políticos. Agora é diferente. O Brasil está sendo chamado pelos bravos guerreiros de Lula e Dilma a barrar um golpe contra a democracia – e, como efeito colateral, salvar seus pescoços.
Vamos tentar acordar o gigante com jeitinho: o impeachment não foi proposto pelo deputado Eduardo Cunha, o monstro das trevas, mas pelo jurista Hélio Bicudo, fundador do PT. Não é Cunha quem está apontando os crimes de responsabilidade cometidos por Dilma Rousseff. É Bicudo. Neste particular, vale registrar que a proposta de impeachment assinada pelo jurista, com Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal, contempla apenas um dos possíveis crimes cometidos pela presidente. Toda a corrupção engendrada por titulares de cargos públicos subordinados e politicamente ligados à presidente e a seu partido – inclusive com evidente propósito de financiar a campanha eleitoral da própria presidente –só não levou Dilma à condição de investigada e possível ré por obra e graça dos amigos de fé no STF. Ou seja: o Congresso e o país têm muito mais elementos de suspeição para averiguar num processo de impeachment do que as famigeradas pedaladas fiscais.
Mas essa incrível máquina da carochinha está trabalhando a pleno vapor – com a ajuda de sempre dos inocentes úteis e dos patriotas de aluguel – para transformar o mar de lama petista em golpe de Estado do Eduardo Cunha. Eles são bons nisso. Ou nem tão bons assim – mas a plateia não é exigente. Exemplo: no dia seguinte à autorização do presidente da Câmara ao processo de impeachment, a assessoria da presidente chamou o vice, Michel Temer, para uma reunião no Palácio. Temer avisou que não ia. Insistiram, e o vice aceitou visitar Dilma, mas não para a longa reunião que aconteceria à tarde. Ficou meia hora no Palácio. No início da tarde, a Presidência divulgou que Temer tinha passado a manhã com Dilma, que prestaria assessoria jurídica a ela e que, como advogado constitucionalista, não via base legal para o impeachment. Tudo mentira.
Deu para acompanhar? O ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência (por acaso, acusado de pedir propina na Lava Jato) divulga oficialmente – repetindo: oficialmente – uma penca de mentiras sobre uma reunião entre presidente e vice-presidente da República que acabara de acontecer no Palácio do Planalto (não no interior de Portugal), obviamente negadas de imediato, publicamente, pelo próprio Michel Temer. Não é que seja um governo irresponsável. É um governo viciado na delinquência.
Alguns dias depois, a assessoria do Palácio divulga uma foto de governadores apoiando a presidente contra o impeachment, com a presença do tucano Geraldo Alckmin – traficando a imagem de outra solenidade. Esse é o governo que defende a democracia contra o golpe? O PT inventou um tipo muito especial de democracia particular, em que a verdade é o valor supremo – desde que não fira a integridade das boquinhas companheiras, que ninguém é de ferro.
O vilão Eduardo Cunha acatou o impeachment. O vilão Roberto Jefferson denunciou o mensalão. É melhor os heróis da moralidade interromperem logo suas férias e fazerem seu trabalho direito, senão vão ter de sobreviver de Bolsa Mortadela. E o Lobo Mau vai exigir direito de resposta.
*Jornalista e escritor.