• Valdemar Munaro
  • 13/10/2024
  • Compartilhe:

Gigolôs da moralidade

 

Valdemar Munaro


          Disfarçado de retidão e justiça, o ex-mandatário argentino, Alberto Fernández, aliado e amigo de Lula, vivia de aparências mentirosas enlameadas na hipocrisia e devassidão. Enquanto governava o país, era soberbo no apoio ao feminismo e aos direitos humanos. Porém, desligados os holofotes, agredia a esposa, Fabíola Yanez e era pródigo com dinheiro público para orgias e festas. A Casa Rosada converteu-se em prostíbulo: a dedo ou a esmo, como Calígula, Alberto se encontrava com mulheres furtivas para vícios e diversões. A 'companheirada' kirchnerista, por sua vez, era a corroboração das malandragens do presidente. Enquanto isso, compatriotas minguavam na pobreza e na miséria.

O político esquerdista ostentava um ministério exclusivo às mulheres. Vergonhosa hipocrisia. Por trás das cortinas, o que era dito não se fazia, o que se fazia não era dito. As imoralidades vicejavam. Na pandemia, ao povo encontros e reuniões eram proibidos e participações em enterros de entes queridos, punidas. A Casa de Olivos, porém, promovia banquetes e aglomerações. Argentinos estupefactos, descobriram-se enganados por espertalhões e parasitas.

Fabíola, feminista pusilânime e humilhada, pediu ajuda ao ministério dedicado às mulheres; silenciada e reclusa, precisou se resignar. Alberto, no entanto, trombeteava moralidades fingidas num reino de velhacarias, vícios sexuais, bebidas alcoólicas e ideologias. Provavelmente aprendeu de Juan Domingos de Perón (reiterado abusador de adolescentes e apreciador de prostitutas), a arte de mentir e enganar.

Os episódios envolvendo o ex-presidente argentino se assemelham aos divulgados assédios sexuais do ex-ministro brasileiro Sílvio Almeida. Sílvio, como Alberto, apresentava-se como bom moralista, professor e intelectual, versado em questões ligadas ao direito e ao racismo. Condutas privadas de Sílvio, no entanto, mostram a alma de um pavão: palavreado fino e artístico nas aparências, mas por trás das cortinas, o time que joga é outro. Sílvio, um combatente do racismo e da injustiça, se mostrou um moralista de cuecas, um rei nu, mentiroso e hipócrita. A hipocrisia marxista lhe forneceu lentes poderosas para enxergar pecados alheios e lentes fraquíssimas para ver os próprios. Moralistas de plantão são exatamente assim: observam argutamente o argueiro no olho do semelhante e pessimamente a trave que está no próprio (Lc 6, 41). É uma astuta malandragem do racismo estrutural ver mal o mal, pois vê o mal pendurado unicamente nas estruturas.

A hipocrisia, desde Adão e Eva, tem sua onipotência: mina a vida cívica, os negócios e as relações fraternas. Onde reina a mentira, o amor fenece, a fé esfria, a esperança esmorece. Prima irmã da mentira, quando espraiada, produz frutos devastadores de ceticismo e desconfiança. Onde não há confiança, os vínculos sociais e afetivos ficam degringolados. As desonestidades intelectuais, por sua vez, estão nas raízes desse mal, e, por serem consequentes, produzem enfermidades comportamentais. As ideias, segundo Isaiah Berlin, têm força; corrompidas, geram ações imorais. Não basta, portanto, pensar; é preciso pensar reta e honestamente.

O historiador Leszek Kolakowski mostrou a ousadia intelectual dos que laboram como inimigos do intelecto realizando a mais demoníaca das ações: corromper a luz da alma racional. Infestadas de 'paralaxes cognitivas', muitas atividades intelectuais parecem ser feitas justamente para perverter o raciocínio e enganar os aprendizes. É proposital o fato de muitos moralistas e ensinantes, excluírem-se da responsabilidade de se comprometer com o que ensinam. São os que "dizem, mas não fazem, atam pesados e esmagadores fardos aos outros, enquanto eles mesmos, não querem movê-los sequer com o dedo" (cfr. Mt 23).

N. Maquiavel (1469 - 1527), vestia-se elegante à noite para entabular colóquios com sábios pretéritos. Achava indigno estar com os taberneiros florentinos durante o dia e julgava ser mais sábio estar com os mortos durante a noite. Sua obra é uma sutil bajulação endereçada a governantes com o objetivo de angariar benefícios pecuniários e políticos para si. A ciência política maquiavélica, portanto, foi tragada pelo lamento sub-reptício embutido nos salamaleques dirigidos aos Médici. Por isso, são escritos ocos ou vazios de honestidades intelectuais. Se os princípios maquiavélicos fossem aplicados ao próprio Maquiavel, este teria sido catapultado da história. Sua doutrina pretensamente aplicada aos outros, não tinha valor para ele mesmo.

Jean J. Rousseau (1712 - 1778), abastecido por carcaças românticas lamuriosas, fez-se francês e desenvolveu queixosas pedagogias repletas de armadilhas políticas e morais. Os conselhos dados aos pais e educadores, não valiam para ele mesmo, pois os filhos que gerou foram despejados em orfanatos. Choramingando narcisismos e incompreensões, Rousseau depositou sobre os ombros da inteira humanidade as culpas das próprias aflições. Sua obra trata os infortúnios como provindos só da exterioridade. As responsabilidades pelas infelicidades pessoais foram espertamente derramadas no 'tecido social'. Rousseau é o pai do vitimismo avassalador contemporâneo. A solução psicológica que deu aos problemas éticos é uma obra demoníaca astuta que, simultaneamente, culpabiliza e inocenta todo mundo, sem responsabilizar, nem redimir ninguém.

Mentiroso, igualmente, foi Maximilien Robespierre (1758 - 1794), insignificante e medíocre advogado provinciano que esbravejava oposição ferrenha à pena de morte para quem quer que fosse. Alçado ao naco de poder que a presidência da Convenção Nacional lhe deu, mudou de personalidade e suas convicções converteram-se em algozes tiranias revolucionárias. Achando-se juiz de vivos e mortos, mandou ao cadafalso Luís XVI, Maria Antonieta, delfins e infinidades de homens e mulheres sob seu arbítrio. A desonestidade demoníaca encheu e inchou sua alma de hipocrisia.

Esquisito e mentiroso foi o filósofo prussiano e iluminista, Immanuel Kant (1724 - 1804), para quem as religiões se definem como bengalas de incapacitados racionais. Pondo a ideia de Deus no ralo da teoria, resgatou-a para envernizar sua impotente doutrina ética com cores divinas. Os chamados 'imperativos morais', não conseguem ser imperativos quanto pensava, por isso usou a religião desprezada como socorro ou suporte para seu edifício ético. A doutrina que elaborou mostrou-se impotente na condução e persuasão de homens e mulheres à prática das virtudes. Assim, o princípio religioso se tornou um escabelo de sua escada moral.

Mentiroso foi G. W. F. Hegel (1770 - 1831), arquiteto do idealismo dialético mais despudorado da história, que menospreza o bom senso e estraçalha a obediência e o respeito que devemos ter pelo princípio de não contradição. O hegelianismo que, simultaneamente, absolutiza e relativiza tudo o que pensamos, enlouquece a inteligência de quem age e a ação de quem intelige. O 'saber absoluto', seu projeto megalomaníaco e totalitário, é um espelho da monstruosa filosofia que destroi a lógica e o raciocínio humanos.

Bebum da doutrina hegeliana foi K. Marx (1818 - 1883), outro mentiroso, bajulador de proletários virtuais e artífice dos ideais surrealistas impossíveis de serem vividos, pois ele mesmo não os viveu. Os 'trabalhadores do mundo', com os quais se entreteve teoricamente, nunca os conheceu, nem os beneficiou, exceto a proletária de sua alçada, Helene Demuth, empregada doméstica com quem flertou e teve um filho, Frederick Demuth, jamais reconhecido nem amado por ele. Frederick foi, ainda bebê, afastado da família e da mesa marxiana. A justiça, exigência moral e revolucionária que a filosofia marxista apregoa, não foi praticada pelo próprio Marx.

Mentiroso foi o industrial mais socialista da história, F. Engels (1820 - 1895), amigo de Marx, defensor de um comunismo que não conseguiu implementar dentro de sua própria tenda existencial. A fábrica herdada do seu pai em Manchester, foi para si e para Marx sustento e conforto econômico para suas vidas inteiras. Ao invés de administrá-la de modo socialista, Engels a vendeu, pois a experiência industrial exigia compromissos sociais e uma capacidade para lidar com percalços econômicos inerentes a qualquer administração. A filosofia ensinada por Engels não teve nenhuma serventia para si mesmo nem para seus negócios.

Grande mentiroso e farsante foi Walter Duranty (1884 - 1957), jornalista e correspondente norte americano enfeitiçado pelo comunismo stalinista, em Moscou. Vivendo capitalística e luxuosamente protegido pelo ditador comunista, Duranty escondia de propósito as atrocidades vividas pelos russos nos tempos pós-revolucionários. Ao invés de denunciar os crimes e a fome provocada em Holomodor, por exemplo, na Ucrânia, o jornalista bajulava o regime, obtendo segurança e conforto para si. Dentre as hipocrisias jornalísticas, a de Doranty foi a mais escandalosa e criminosa do século XX.

Os exemplos podem se estender longamente, mas, pode-se afirmar que a maior mentira se encontra no interior das teorias cunhadas por Marx acerca da história, da economia e da sociedade. Por causa disso, praticamente se tornou impossível encontrar intelectuais marxistas guiados pela honestidade e consequentes. Todos, absolutamente todos os seus pensadores, movem-se numa lógica imoral e insensata. É só ler e estudar com atenção autores aos moldes hegelianos como Karl Marx, F. Engels, K. Kautsky, Rosa de Luxemburgo, Antonio Labriola, Antonio Gramsci, Georges Sorel, Plekhanov, V. Lenin, L. Trotsky, J. Stalin, E. Bernstein, Gyorgy Lukács, K. Korch, L. Goldmann, Ernst Bloch, H. Marcuse, Louis Althusser, etc., etc.... Todos, absolutamente todos, enrustidos ou declarados hegelianos, incorrem nas bastardas incursões militantes sem se envergonhar, nem se ruborizar com suas contradições e seus surrealismos.

Urge, pois, restaurar a sanidade nas ciências, nas religiões, nas filosofias cultivadas e difundidas por toda parte. Urge recuperar o elo que nos vincula ao mundo real tal como é, não fictício, no qual mãos e pés debilitados, mentes e corações desesperançosos, fé e confiança feridas possam se apoiar e se reconstruir.

Hipocrisia é fingimento. O hipócrita (do grego hypócriton, comediante), sofre a afetação de virtudes que não possui, por isso é capaz de mostrar a alma mentirosa que não tem e esconder a verdadeira que tem. Mentirosos são os que transformam personalidades em personagens e personagens em personalidades. Disfarçando o que escondem, desdenham a verdade e mostram o que lhes convém numa façanha que é a esperteza dos demônios. Quão saudável seria uma reviravolta moral no nosso país: que políticos que nos governam e intelectuais que nos ensinam não mentissem!

*        Santa Maria, 11/10/2024 

**       O autor é professor de Filosofia