• Rubem Sabino Machado
  • 06/09/2024
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Genial nada... Derrotar sem ter que seguir regras é moleza...

 

Rubem Sabino Machado*

       Estudei Arquitetura 4 anos.  Não terminei.  As razões não importam aqui.  O que importa é que havia uma matéria chamada Projeto de Arquitetura. Obviamente, nessa matéria se ensinava como projetar e era uma matéria eminentemente prática, embora muitas vezes o professor que a ministrasse fosse alguém que jamais teve um projeto seu construído e sequer trabalha com isso, era um mero teórico acadêmico: era como, na Medicina. ter aula de cirurgia com alguém que não opera ninguém.

Meu primeiro professor era um desses, e que por isso mesmo, era um autoritário que se achava muito melhor que os alunos.  Ainda por cima, aplicava provas e exigia um projeto por semana.  E após 40, 50, 60 dias, ainda não tinha dado nota e corrigido os anteriores.  Ele achava que um tal “roteiro para construir”, de uma federal,  era Deus e não deveria ser questionado, mesmo quando era evidente que daria errado.  Curiosamente, nunca falei de política com ele, mas, anos mais tarde descobri que era da ideologia...  Devia ter imaginado, mas eu ainda era ingênuo e pouco perspicaz sobre isso.

Mudei de faculdade quando continuei com ele e vi que o de História da Arte também era da ideologia e  tinha um site chamado plebe rude ou algo assim e quase nada ensinava: preferia doutrinar e humilhar alunos.  Curiosamente, quando fiz uma pergunta meio maliciosa, ele se virou pra me dar uma patada e, quando me viu de terno e mais velho , amansou o tom: assombração sabe pra quem aparece...  Na outra faculdade Maria Helena e Carlito eram maravilhosos professores de Projeto e História da Arte que ensinavam de verdade e com educação.

Mas nada disso é realmente relevante e estou aqui para falar de algumas coisas de que nenhum professor de projeto, mesmo que seja o pior, como foi o meu, pode escapar.  Quando se passa um trabalho de projeto pros alunos, nunca se dá tempo suficiente para eles se animarem. 

“Projete uma casa de 3 quartos para uma família composta de um casal e seus dois filhos.  Quando sua mente começa a viajar e projetar uma casa que parece genial,  a casa dos sonhos, são impostas regras, primeiro: a casa deve ter  60 metros quadrados...

Cara, 3 quartos em 60 metros quadrados vai ser difícil, mas a mente ainda vislumbra soluções e, quando você começa a rascunhar, vem o  “divino” “roteiro para construir no nordeste”.  E não importa alegar que o cliente pode querer priorizar a sala como ambiente mais fresco porque a família passa a maior parte do dia lá, que a falta de sol nos quartos vai gerar mofo e, nem sequer ouse falar em ar condicionado, seu herege, afinal de contas, ninguém usa isso no Recife, não é?

Você recomeça a pensar, agora em soluções bem mais restritas e, ao rascunhar um novo croqui, vem mais uma regra: o terreno!  Ele tem 80 m2.  Pequeno para uma casa de 60...  Mas não é só isso, tem que respeitar afastamentos de tantos metros de distância para o muro à direita, à esquerda, à frente, atrás e muitos metros quadrados são desperdiçados num terreno que já era pequeno.

Então você rasga o papel que já estava todo rabiscado.  Traça o terreno e marca os afastamentos, descobrindo que sobram 68 m2 para construir: quase sem margem... Aí você faz o óbvio e resolve fazer uma casa retangular, por essa falta de margem.  O professor então avisa que quer se se faça um bom trabalho de volumetria que, em resumo, significa que a casa não pode ser retangular...

Você inicia outro rascunho e quando está quase conseguindo ele diz que dentro dos quartos precisa caber um circulo de 2,40m de diâmetro, que a sala isso, que a cozinha aquilo.  Óbvio, quando você conseguiu, apesar de tudo isso cumprir as regras, ele vem com a ABNT, a maldita ABNT, associação brasileira de normas para TUDO!!!

Enfim, disse tudo isso para lembrar que fazer tudo dentro das regras, dentro das 4 linhas de um terreno (e as vezes são 5, 6, há curvas) e respeitando afastamentos, roteiros pretensamente divinos e tudo mais, torna bastante difícil projetar algo realmente bom.  É por isso que um time não pode ser chamado de genial quando ganha ajudado por árbitros que o beneficiam sempre, marcando pênaltis quando seu atacante chuta o chão nos descontos ou expulsando quem sofreu a falta em vez de quem a fez. 

Também é um equívoco quando se é chama de genial quem fustiga e derrota inimigos sem estar sujeito a nenhuma regra ou possibilidade de responsabilização, e podendo sujeitar o inimigo até a regras inexistentes.  Que genialidade é essa?  Sem ter  que seguir regras: é moleza...

Quem joga limpo contra quem joga sujo perde... sempre (anônimo)

In God we trust

*       O autor é cronista fictício e nunca teve moleza, já que segue as regras...