Publicado originalmente em O Estado de S. Paulo
Se há uma característica que o ex-presidente Luiz Inácio da Silva mantém inabalável – ao menos em público – é a autoconfiança. Impressionante. O mundo está desabando ao seu redor e ele ali, impávido, dando lição de moral como se nada tivesse a ver com o desmonte em questão.
É um especialista no tema. Um esperto, sobretudo, no que tange ao ofício da enganação. Encontra paradeiro em Paulo Maluf, mas vai além, pois sabe como capturar simpatias, despertar sensações respeitáveis, aliviar e fazer pesar consciências. Tudo na medida de suas conveniências.
Assim se mantém em evidência. Como personagem, um fascínio na capacidade de se repetir e, ainda assim, surpreender pela desonestidade de ação e pensamento.
Como político, um vivaldino que dá sinais de esgotamento. Lula parece estar em grande dificuldade para achar a saída do labirinto em que se encontra. Ele, seu partido e o governo da presidente cuja qualificação e excelência Lula afiançou ao País.
Em duas ocasiões recentes, reunido com correligionários, o ex-presidente fez observações extremamente depreciativas em relação ao PT e a Dilma Rousseff. Chamou o partido de velho, fisiológico, interesseiro e oportunista. A presidente acusou de mentirosa, por dizer uma coisa na campanha eleitoral e fazer outra, e ainda chamou o gabinete de trabalho da companheira de “desgraça”, uma usina de más notícias.
Evidentemente Lula sabia tanto do efeito de tais declarações como estava ciente de que elas seriam devidamente divulgadas. Não quisesse ver nada disso publicado teria mantido a boca fechada, como de resto faz quando lhe interessa. Se fala, tem um propósito.
Ao dizer, por exemplo, que é o “próximo alvo” da Operação Lava Jato depois que os investigadores chegaram ao topo do núcleo empresarial, o ex-presidente procura criar um clima de suspeição – como se estivesse sendo vítima de perseguição –, aplicar uma espécie de vacina para o fato de que é mesmo alvo da desconfiança de que teria o domínio de todos os fatos ocorridos sob a sua presidência.
Quanto à diatribe direcionada ao PT, Lula comporta-se como o comandante responsável pela manobra desastrosa e que na hora do naufrágio salta na frente dos outros no bote salva-vidas.
Prega uma “revolução” no partido quando acabou de orientar o PT a adotar uma posição conformista em seu 5.º Congresso, onde toda crítica e autocrítica foi devidamente interditada em nome da preservação do governo da “companheira Dilma” e da sobrevivência eleitoral da nação petista.
Esta a prática. O discurso (na direção oposta) pelo visto tem a finalidade de construir uma realidade paralela em que ele aparece como o grande indutor da renovação, crítico severo da banda podre, guia genial dos novos tempos.
Como se vê pelas pesquisas que apontam a perda acentuada de densidade de Lula junto à população, o problema é que já não há tanta gente disposta a cair nessa conversa. Se o PT perdeu a utopia, como ele diz, foi Lula quem exigiu do partido o mergulho na era do pragmatismo.
Ditou o rumo nos últimos anos, elogiou os meios e modos do partido, desqualificou os que se tornaram dissidentes por discordarem do caminho imposto por ele e várias vezes ignorou todos os alertas. Preferiu dobrar apostas, agredir, alimentar a cizânia, disseminar a ideia de que o exercício da oposição era sinônimo de golpismo.
O estoque de truques se esgotou. Perdido, Lula distribui acusações a respeito das quais é o maior responsável e de cujos resultados ele foi, e ainda é, o mais alto beneficiário.