Publicado na versão impressa de VEJA
O sr. José Carlos Bumlai deverá ter prioridade de atendimento na portaria principal do Palácio do Planalto, devendo ser encaminhado ao local de destino, após prévio contato telefônico, em qualquer tempo e em qualquer circunstância.
Eis aí o que estava escrito numa ordem exibida no saguão de entrada do Palácio do Planalto durante o governo do ex-presidente Lula, visível para qualquer pessoa que soubesse ler uma frase em português. Quem poderia querer mais que isso, em matéria de força junto “ao homem”? Nem o presidente Barack Obama, ou o papa Francisco, se fosse papa naquela época, podia chegar ao Planalto e ir entrando assim direto, “em qualquer tempo e em qualquer circunstância”. Mas nesta vida tudo passa, e às vezes passa da pior maneira possível. Dias atrás esse Bumlai, o único cidadão do planeta com direito a entrar na sala de Lula quando lhe desse na telha (ao que se diz, só a primeira-dama tinha a mesma licença), viu-se cercado por agentes de polícia em Brasília, preso por suspeita de corrupção em negócios com a Petrobras e despachado para um xadrez da Polícia Federal em Curitiba, por causa dos processos penais da Operação Lava-Jato. Nem Deus sabe no que pode dar isso tudo. Mas ficou positivamente certo, acima de qualquer dúvida, que um amigo de primeiríssima intimidade de Lula, mais forte que qualquer outro pelo tratamento oficial que lhe davam no Palácio, está na cadeia. Que tal? Não foi a imprensa que escreveu a tal ordem exposta na portaria principal do edifício de despachos do ex-presidente, nem a oposição, nem as elites. Alguém lá dentro achou que era uma boa ideia deixar uma coisa dessas registrada por escrito - e agora é impossível negar o que foi feito.
A prova da intimidade entre Lula e Bumlai já está dada, de graça, sem a necessidade de cinco minutos de investigação policial, e não há nenhuma maneira de sustentar que isso é algo normal. Pecuarista de vida financeira tumultuada, dono de empresas falidas e assim mesmo presenteado com cerca de 500 milhões de reais em empréstimos do BNDES, Bumlai está metido em muitas das histórias mais tenebrosas do surto de corrupção na Petrobras ao longo dos governos Lula e Dilma Rousseff. A começar por uma questão básica: que raios estaria fazendo um criador de gado no meio de negócios bilionários com petróleo? Agora, mais uma vez, o público será chamado a fazer um esforço de fé em modo extremo para achar que não aconteceu “nada de mais”. Bumlai, entre um caminhão de outras explicações do tipo “carne moída”, que o deputado Eduardo Cunha apresentou para justificar milhões de dólares que recebeu no exterior, sustenta o seguinte: um empréstimo que tomou sem garantias, e nunca pagou, de um banco beneficiado num contrato de 1,6 bilhão de dólares com a Petrobras não foi uma doação - a dívida sumiu, segundo diz, com a venda de “embriões de boi” para o credor. Bumlai sustenta, igualmente, que não é amigo de Lula; é um mistério, nesse caso, por que só ele tinha de ser atendido imediatamente quando chegava ao Palácio do Planalto. E o próprio Lula sustenta o quê? Não sustenta nada; simplesmente não fala sobre isso. É onde estamos.
*** Depois do pecuarista amigo, o senador Delcídio Amaral, do PT, líder do governo no Senado - nada menos que isso. Depois do senador, o banqueiro André Esteves, promovido a cinco-estrelas da alta finança brasileira nestes anos de ascensão social criada pelos governos Lula e Dilma Rousseff. Fica mais grave, a cada dia, a superlotação do sistema carcerário neste país.
*** Nada como um bom retrocesso, de vez em quando, para fazer as coisas irem para a frente. Depende, é claro, do tipo de “retrocesso” do qual se está falando - no caso, é o que Lula considera retrocesso, e a experiência mostra que, quando ocorre o contrário do que ele quer, a possibilidade de erro é realmente mínima. Acaba de acontecer com a eleição do novo presidente da Argentina, uma liderança que horroriza o triângulo Lula-Dilma-PT e manda para o espaço os seus sonhos de uma América Latina de “esquerda”. Espelho do governo brasileiro de hoje, a Argentina companheira foi derrotada nas urnas, após doze anos de desastre contínuo - e agora sobra à política externa do Brasil, como supremos aliados, a companhia de potências como Venezuela, por enquanto, ou Bolívia. A Argentina, com certeza, voltará a fazer parte do mundo que dá certo, e como tal será tratada. O Brasil da recessão de 3% e dos 9 milhões de desempregados continuará “progressista” e dando errado.