Eu estava lá. Sozinha entre todos. Caminhei durante quatro horas por todos os cantos do Parcão e pelo entorno, para ver com meus próprios olhos a quantidade de gente que foi para a rua ontem. Eram muitos. Muitos milhares. De todos os tipos. Cadeirantes, velhos, jovens, maduros, crianças, ricos, pobres, remediados, brancos, amarelos, afro descendentes.... e papeleiros simples e maltratados pela nação e pela vida, mortos de medo e de vergonha de serem expulsos (eu pensei), entrando timidamente no meio de todas as gentes, também vestidos de seus verde e amarelo debotados.
Minha dignidade não me deixou roubar a deles, fotografando apenas para registrar. Portanto, não fotografei. Observei apenas. E não vi ninguém torcer o nariz. Todos reunidos em torno de uma mesma reclamação.
Muitas e muitas vezes, mesmo sem querer, temos atitudes que escandalizam a nós mesmos, muitas vezes involuntárias. Nunca desrespeitei papeleiros, nem gente de rua. Não porque eu seja a boazinha, simplesmente por se tratar de humanos. Hoje em dia, as pessoas parecem respeitar mais os cachorros do que os humanos (nada contra cães). E sabes como me dei conta disso tudo? Uma vez, há uns 25 anos atrás, eu estava varrendo a minha calçada na frente do meu atelier de trabalho (no mesmo endereço onde estou até hoje) e um mendigo estava se aproximando pela calçada, caminhando calmamente. Eu parei de varrer e o deixei passar, para depois continuar varrendo. E sabes o que ele me disse? – “MUITO OBRIGADO”. E continuou andando. Nunca mais esqueci. Atitudes que a gente não espera de pessoas que a gente não espera...
Por que estou te contando isto? Porque muitas vezes nesta vida, pessoas que a gente menos espera, tem raciocínios e atitudes mais equilibradas e coerentes do que muitos de nós....talvez pela vida que eles tem, ou seja, não tem nada a perder, a dignidade está esfarrapada....não tem emprego para proteger, nem conseguem proteger os próprios filhos...parecem não ter grandes interesses individuais...É como se eles observassem a vida e os outros, sem filtros nos olhos....
Evidentemente que tudo isto que estou te escrevendo aqui agora, são apenas pensamentos soltos, reflexões, livres de qualquer tipo de entendimento mais profundo dentro do conhecimento humano. Apenas fatos, ao longo da vida, que me fizeram refletir. Somos tão arrogantes e prepotentes, porque podemos...
A democracia é muito jovem no Brasil...recém estamos nos tornando adultos e aprendendo a ser políticos e lutar por nossa dignidade.
ESTAMOS COM VOCÊS. E agradeço por estarem conosco. E já estou me preparando para a próxima.
Beijo em ti e em todos os que estão junto contigo nesta luta pela democracia.
Nádia
Nádia Raupp Meucci
* Bibliotecária e fotógrafa