• Adriano Alves-Marreiros
  • 13/05/2024
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Carioca? Bem capaz: sou Gaúcho, tchê!!!

Adriano Alves-Marreiros

Sirvam nossas façanhas

de modelo a toda Terra.

Hino Riograndense

       Entendi de vez o Hino do Rio Grande, o trecho citado acima não é exagero: é fato!!!  Passei a compreender melhor a Farroupilha!  O orgulho gaúcho não é só por ter nascido aqui: é por viver aqui, por pelear aqui.

Quando via bandeiras do Rio Grande do sul nos carros de gaúchos vivendo em outros estados, achava curioso: a maioria não usa a bandeira de seu estado, alguns nem a reconhecem.

Quando via CTG (Centros de Tradições Gaúchas ) em todas as unidades da federação ou via famílias com a mateira pendurada a tiracolo em praias, aulas e clubes espalhados pelo Brasil, eu dizia, “Nossa, que tradição forte é essa?” Sempre longe dos pagos peleando por suas tradições...

O que explicaria tanto orgulho?

Vim a turismo  e percebi que era o estado mais bonito do Brasil (nem precisa de belas praias pra isso)  e muito mais: resolvemos vir para cá.  O mais belo por do sol do mundo é em Porto Alegre porque a cada dia é muito diferente em formas, textura e cor.  A uma, duas, três horas da capital há cidades lindas, hospitaleiras e cheias de surpresas.  Você não sabe o que é um baile ou até uma festa de rua até  ir a Bento, Igrejinha, Garibaldi.  Sabem organizar, sabem receber, que comida, que bebida, e digo mais, lembra daquelas histórias que circulavam da Copa e Olimpíada em que os japoneses limpam tudo antes de sair?  Bem, nessas festas do interior gaúcho eu nunca achei o que limpar, nunca achei lixo no chão...

Há muito tempo eu me entendo como gaúcho e até Amore Mio diz que sou muito mais gaúcho que carioca.  Chegava quase a ficar triste quando me perguntavam “Esse sotaque não é daqui, né” e respondia brincando, para afastar a tristeza “Você percebeu, né, sou de Bagé, Tchê”.  Entre os “mas, mas” iniciados pelo interlocutor, eu explicava, “Era carioca, mas decidi ser gaúcho, e se alguém disser que não sou, digo: BEM CAPAZ!!!”

Como já disse em outra crônica, já não preciso do Champagne se tenho os espumantes da serra e da campanha, não preciso de cachaça mineira se tenho a de Ivoti, prefiro o fondue daqui ao da Suíca (lá nem tem o rodízio de Fondue...) e não troco os casacos de couro gaúchos pelos florentinos.  Até whisky puro malte de primeira linha temos por aqui... Você pode achar que eu já sou gaúcho mesmo por estar exagerando: acertou no que sou, mas divulgou “fake News” ao dizer que exagero. Isso é que é “fake news“!  Agora, mais que nunca eu posso provar.

Eu sabia de desgraças que já se haviam abatido sobre o Rio Grande e que o povo gaúcho se levantara de todas, cada vez mais forte.  Uma tragédia imensa se abateu mais uma vez e o que estou vendo?  Estou vendo o povo sem tempo para enxugar as lágrimas, pois o usa para, de forma espontânea e voluntária,  salvar pessoas e animais, organizar abrigos, fazer, receber e distribuir doações...

Nunca vi tanto barco circulando em reboques, em cima de caminhonetes, em imparáveis  Fiats Uno  e até nos ombros de pessoas que os levam para locais alagados.  Pra você ter ideia, o amigo da Moira, um empreiteiro que fazia obra no condomínio dela, quando viu o início da desgraça, prestem bem atenção: saiu pra comprar um barco e motor (ele não tinha nenhum!) pegou os 14 filhos e foi salvar e ajudar.  Maria, nervosa com a família em Eldorado, também foi sem experiência nenhuma ajudar em resgates de muitos desconhecidos antes mesmo de seus parentes serem salvos, até barco comprou, está endividada, pegou leptospirose, mas também está na galeria dos heróis. 

Jipeiros com veículos novinhos e customizados levaram os veículos para cumprirem seu destinos e, com ou sem snorkel, estão entrando em locais quase submersos, com o carro quase coberto, interior alagado mas só pensando em ajudar.  Pessoas comuns  metem seus jet-skis em agua podre e sem transparência, levando-os ao limite para salvar pessoas e animais que não conheciam.  Jogadores de futebol que vivem de sua incolumidade física, entram na agua imunda, levam idosas nas costas, fazem esforços que podem causar lesões, levam veículos, jet-skis, trazem aeronaves, recrutam amigos, fazem donativos, servem comida.  Até os que achávamos antipáticos e de times rivais mostram o quão humanos são...

Restaurantes que não podem funcionar por falta d’água, apesar do prejuízo decorrente, estão fazendo quentinhas para desabrigados e voluntários.  Os tais CTG são quase todos abrigos, além de muitas Igrejas, colégios, galpões com um ponto comum entre todos: essencialmente trabalho não só voluntário, mas espontâneo. 

Artur oferece um gerador e vai lá instalar...  Seu Ivan não sabe nadar mas, num caiaque em aguas sujas e perigosas  resgatou 300! Ele tem quase 60 anos... Mas não sabemos o nome da imensa maioria de heróis anônimos nem sabemos de todas as façanhas que devem servir de modelo...

O amor contagia, o verdadeiro amor contagia, digo, e tenho buscado também participar disso: como Capitão de Infantaria, mesmo da reserva, teria vergonha de manter meus pés secos diante de uma enchente como essa.  Tenho buscado participar também mas ainda é pouco, diante de tudo que testemunho: não sou herói como tantos, só não sou omisso.  Fernanda está no front. Não poderia ser um dos que só olham, criticam e reclamam... 

Pessoas de outros estados, contagiadas pelo amor, também buscam obter e remeter doações, emprestam helicópteros, aviões, organizam comboios humanitários... Surfistas famosos colocam seus jet-skis caríssimos e novinhos na lama e no esgoto sem transparência, danificando-os, consertando e prosseguindo.  3 Atletas não vão ao pré-olímpico de remo para ajudarem o Rio Grande: estão abdicando do sonho olímpico!!!  Nunca entendi muito bem aquela medalha Barão de Coubertin, sempre achei que ela era dada por motivos nem sempre relevantes... sei lá,  mas se alguém merece recebê-la, se alguém tem espírito olímpico, de congraçamento, é quem é capaz disso: verdadeiros heróis olímpicos, mais que olímpicos heróis com valores cristãos!

Mas, mais que todos os recursos e meios, a prova do amor envolvido, contagiante, é que as pessoas estão doando seu tempo, a exemplo da Lúcia, que nem dormir queria pra não parar de ajudar.  E tempo é uma das coisas mais valiosas de que dispomos. Quando o damos de coração pelo próximo, isso é amor, o de verdade, não da boca pra fora...

Parabéns também a todas as instituições públicas que estão agindo, algumas também por voluntariado, mas o assunto aqui é sobre esses voluntários que sem esperar já começaram do primeiro momento, é sobre esse amor contagiante vindo do povo gaúcho, nunca vi nada parecido antes, e que atingiu pessoas de bem em todo o Brasil consolidando aquele que já estava em mim pelos mais variados e óbvios motivos e, era previsível, sou, de vez, um Gaúcho.  Saibam todos que um carioca nascido na saudosa Guanabara renunciou a esse título para ser definitivamente gaúcho compartilhando valores, convicção, coragem e resistência, tchê!

E a quem disser que não sou, direi; “Bem capaz!!!

Feito!!!

Esta história será ensinada pelo bom homem ao filho e, desde este dia até o fim do mundo, a festa de São Crispim e São Crispiniano nunca passará sem que esteja associada à nossa recordação, de nosso pequeno exército, de nosso feliz pequeno exército, de nosso bando de irmãos; porque, aquele que hoje verter o sangue comigo será meu irmão; por mais vil que seja, esta jornada enobrecerá sua condição e os cavaleiros que agora permanecem na Inglaterra, deitados no leito, sentir-se-ão amaldiçoados pelo fato rebaixada a própria nobreza, quando ouvir falar um daqueles que combateram conosco no dia de São Crispim!. (Henrique V – W.Shakespeare)

Que o Senhor proteja o Rio Grande!!!

*       O autor, Adriano Alves-Marreiros, é gaúcho de corpo e alma!

Crux Sacra Sit Mihi Lux / Non Draco Sit Mihi Dux 

Vade Retro Satana / Nunquam Suade Mihi Vana 

Sunt Mala Quae Libas / Ipse Venena Bibas

(Oração de São Bento cuja proteção ao Rio Grande e a esses Heróis eu suplico)