Valdemar Munaro
Ruínas desenhadas pela destruição produzem em quem as contempla sentimentos de tristeza e nostalgia. Talvez porque seus fragmentos e destroços fazem inferir e entrever restos de um passado semelhante ao nosso.
Civilizações, aparentemente indestrutíveis e insuperáveis, jazem agora sob escombros e por suas fendas e arestas imaginamos antigos redutos de vida, beleza e esplendor.
Comunidades como a egípcia, a fenícia, a babilônica, a mesopotâmica, a persa, a grega, a romana, a inca, a maia, a asteca, a mongol, a bizantina e outras tantas, ruíram. Foram grandes, mas sobraram cacos que, simultaneamente, revelam grandeza e miséria, força e fraqueza, vida e morte dos seus construtores e artífices.
'Impérios eternos', incrivelmente poderosos, hoje soterrados, ensinam a efemeridade dos megalomaníacos projetos humanos e suas pretensas grandezas.
Perguntamo-nos, porém, por quais razões, 'inabaláveis' e seculares fundações, desmoronaram rolando de seus cumes para rastejarem com seus fundamentos. As causas das catástrofes de muitas civilizações, objeto de incontáveis estudos históricos de honestos pesquisadores, estão relacionadas, quase sempre e sobretudo, a síndromes morais, intelectuais e espirituais que corroeram os seus alicerces e não a avalanches externas ou forças implacáveis do tempo. Foram aquelas síndromes que colapsaram aqueles organismos. Eles cultivavam e albergavam no seu interior, ferrugem e corrosão morais. Enfermidades interiores, quase sempre, ferem mais os corpos do que suas doenças epidérmicas. Do mesmo modo, civilizações que hospedam corrupção e mentira não perdem por esperar e colher efeitos correlativos.
Quando, sobremaneira, detentores de poder, unem-se a comparsas populares na 'tarefa' de corroer fundamentos advindos de necessárias exigências éticas, acabam por dinamitar o próprio sustentáculo da vida social. Amostras históricas corroboram essa verdade. No ano 69 d. C., por exemplo, o general romano Vitélio, filho de progenitor assassino e depravado, assumiu o império romano. Era glutão, viciado em festas e comilanças. Na conjuntura da sua época, era glamour praticar bulimia: comer, beber (não a plebe, evidentemente) e vomitar para poder voltar a beber e comer. Inspirado nos malucos antecessores, Nero e Calígula, Vitélio, só em oito meses de reinado, gastou fortuna em comida e bebida. Por ocasião da sua posse, em Roma, promoveu prolongado banquete repleto de convivas glutões que consumiriam iguarias em profusão: duas mil espécies de peixes (entre elas, lulas e lagostas), sete mil aves e outras carnes, barris de vinho e cerveja aos cântaros.
Promoviam-se glutonarias, bebedeiras, orgias e festas nas quais se esbanjavam iníquos impostos. Os governantes e nobres exalavam desprezo e cinismo ante as necessidades do povo. Em suma, os detentores do poder político, econômico e militar viviam amalgamados a íncubos de morte, podridão e miséria morais, prefigurando, através de seus hábitos e comportamentos, o declínio futuro.
No tempo oportuno, como dissemos, mais por corrupção entranhada do que por ação de bárbaros, o império romano veio abaixo. Dos seus escombros emergiram o caos, a desordem, o gangsterismo, a violência dos fortes sobre fracos, a ruralização das cidades. No norte da África, Agostinho, bispo de Hipona (430 d. C.), e Gregório Magno, na Roma já arruinada (ano 590 d. C. e seguintes), testemunharam aqueles terríveis acontecimentos. O africano, rente à morte, viu pessoalmente sua cidade ser destruída pelo irromper de vândalos acomunados à lascívia dos romanos. Gregório, por sua vez, 'flagelo de Deus', contemplou a Roma vandalizada, o império em frangalhos. Seu trabalho, heroico e incansável, foi consolar e animar os habitantes desorientados. Terminou por chefiar e organizar a sociedade e a igreja exercendo as funções de prefeito, médico, músico, monge e papa. Assumindo todas aquelas responsabilidades, Gregório Magno cuidou de sobreviventes. Agostinho é testemunha do império desmoronando, Gregório, é testemunha do império desmoronado. O primeiro previu incêndios, o segundo recolheu cinzas. As civilizações, portanto, não se constroem, nem se destroem instantaneamente. Raízes e causas de sua edificação ou de sua destruição germinam escondidas nas premissas morais e espirituais cultivadas e escolhidas.
As sombras daqueles acontecimentos se projetam também sobre as adversidades dos nossos dias. Podemos estabelecer correlação, por exemplo, com as assustadoras e macabras características do terrorismo contemporâneo. As consequências têm semelhanças com a catástrofe romana. Se derrocadas políticas, econômicas e sociais não são mágicas nem imprevisíveis, também a capacidade criminosa adquirida por muitos homens dos nossos dias só foi possível pela 'arquitetura destrutiva' longamente planejada e posta em prática.
Nenhum comportamento terrorista, semelhante ao que vimos e vemos nos últimos tempos, encontra paralelo histórico. Ele se tornou possível depois do estraçalho daqueles pilares morais e espirituais que sustentavam pessoas e civilizações. Nem sanguinários homens envergados ao estilo Gengis Kan, Aníbal, Barrabás e/ou 'assassinos' do primordial islamismo atingiram as espantosas faces criminosas como as praticadas pelo terrorismo revolucionário contemporâneo. Essas características, consequência de ações e pensamentos psicopáticos, se tornaram viáveis e possíveis a partir do derretimento das camadas morais, intelectuais e espirituais que alimentavam vidas e dignidades envolvidas.
Com efeito, há uma 'conditio sine qua non' para o macabrismo: quebrar a espinha psicológica, moral e espiritual que sustenta a ordem psicológica. Não haveria terrorismo e/ou ação revolucionária, nos moldes ultimamente vistos, se não tivéssemos tido rupturas de sensibilidades, afetos, escrúpulos, bondades e sentimentos éticos que orientavam ações humanas. Os mentores do terrorismo revolucionário 'qualificado' e explícito dos 'tempos modernos' entenderam que a condição eficaz sem a qual não seria possível 'fabricar' homens cruéis e psicopatas, revolucionários enfim, era 'romper', eficazmente, com o fundamento basilar ontológico que a vida e a dignidade de seus protagonistas traziam. Não haveria, de modo algum, ações revolucionárias e terroristas sem a transformação das 'personalidades' envolvidas, em agentes quebradiços, empedernidos e moralmente frios e/ou gelados, pelados de moral.
Os inventores do terrorismo revolucionário conheciam essa prerrogativa, sabiam que, para se 'criar' homens perversos e psicopáticos é preciso despertar e alimentar o elemento demoníaco naturalmente adormecido e inexistente no coração humano. E puseram em prática seus projetos macabros arrebentando tradições, moralidades, heranças e princípios espirituais milenares. A filósofa Hanna Arendt afirmou lucidamente que os revolucionários totalitaristas nunca tiveram por objetivo a melhora real, econômica e social dos povos envolvidos, mas, antes, e só, modificar radicalmente a natureza dos humanos.
As escolas revolucionárias produziram terra arrasada, destruíram interioridades humanas. A 'morte de Deus' no coração dos homens escancarou o advento de demônios. Não nos enganemos com muitos que se apresentam como defensores de pobres e desvalidos. A perversidade mais perversa é, muitas vezes, exatamente aquela de rosto angelical. Para se chegar a tamanha perversão é preciso labor e inteligência, um trabalho destrutivo que fere o 'éden' de nossa alma.
O homem não é, nem está originariamente arruinado. Era esse o entendimento de Aristóteles e Tomás de Aquino. Somos potencialmente feitos para o bem e para o mal. Por isso, não há ação perversa, sem agente pervertido. Boa árvore, eventualmente, produz fruto ruim, mas árvore má não produz fruto bom. Em almas íntegras, o mal pode também ocorrer, mas em almas pervertidas, o mal é efetivo, mesmo quando parecer belo e bom. Na inexistência da piedade, do temor, da reverência, da gratidão, do remorso, do sentimento estético, da culpa, do arrependimento, do amor, inexistirá essencialmente a retidão. A psicopatia revolucionária, portanto, germina e cresce sobremaneira em mentes corroídas pela ausência, quando não, destruição de quaisquer sentimentos morais e espirituais.
Lênin, Stalin, Trotsky, Hitler, Himmler, Eichmann, Pol Pot, Mao Tse Tung, Fidel Castro, Che Guevara, Ceausescu e outros tantos líderes revolucionários do século XX estampam ações macabras e alucinantemente criminosas que podem ser bem observadas nos seus feitos históricos. Em suas estratégias diabólicas punham à frente das incursões não quaisquer cidadãos, mas, antes, assassinos contumazes, praticantes habituais de delitos, criminosos sem escrúpulo e sem remorsos, gente capaz de matar, sem medo e sem piedade, indefesos e inocentes.
Grupos terroristas como Setembro Negro, Ira, Al Qaeda, Farc e outros, ao recrutarem jovens para seus fins, submetia-os a experiências imorais a fim de que adquirissem capacidades assassinas. Só dessa forma estariam prontos às incursões guerrilheiras. Os vestígios morais, as afeições familiares, os resíduos psicológicos e espirituais que houvesse neles, deveriam ficar para trás, pois eles alimentariam e sustentariam consciências saudáveis. A alma guerrilheira e terrorista só emerge após o estraçalho do seu reduto moral e psicológico. 'Fabricar' criminosos e assassinos supõe, portanto, destruição de interioridades. Abuso de jovens, prática comum entre eles, visava extirpar sentimentos de bondade e afeto. Muitos grupos terroristas e/ou guerrilheiros, diz o historiador Paul Jonhson, estupravam mulheres recrutas para que nelas desaparecessem os níveis de sensibilidade, arrependimento e moralidade, empecilhos à atividade revolucionária. Mentores assassinos sabiam que um revolucionário é apto a matar somente quando adquirir coração gelado.
É bem possível que a mais chocante, triste e assustadora 'conquista' dos últimos séculos tenha sido a transformação de mulheres em assassinas e/ou terroristas. De todas as criaturas, o ser feminino é a mais parecido com Deus. A mulher, a mais amorosa, a mais propensa à proteção e defesa da vida, a mais sensível e afetuosa, a mais inclinada à compaixão, à justiça e à retidão, para nosso espanto, atingiu a diabólica proeza e condição de ser 'máquina' violenta e mortal. Nenhum outro período da história obteve tal façanha. Ao destruirmos a alma e o coração dos seres mais dignos e capazes de nos educar e de nos amar, de nos cuidar e de nos proteger (pensemos, como exemplo, em nossas mães), nos aproximamos da trincheira, a última, que nos impedirá mergulharmos nas trevas.
A índole assassina dos revolucionários contemporâneos foi capaz de matar sem remorsos, nem arrependimentos, pessoas indefesas e inocentes. Ela pode ser vista no comportamento de lideranças comunistas que, em geral, são frias e calculistas, rigidamente descordializadas, desmisericordializadas e imoralizadas. Maduro não sente remorso pelos refugiados que gerou. Fidel Castro foi enterrado sem pedir perdão pelos crimes que cometeu. O mesmo fazem todos os governantes responsáveis por misérias e confusão mundo afora.
Lênin apreciava a música, mas a considerava incompatível à revolução, pois, segundo ele, a arte pode amenizar ou adocicar a crueldade do guerrilheiro. Portanto, o revolucionário, por natureza, deve ser cruel e impassível, destituído de sentimentos que não sejam a da 'justiça e da vingança'. Os rostos de Ceausescu, Maduro, Daniel Ortega, Kadafi, Che Guevara, Stalin, Lênin, Trotsky, Camilo Torres, Camilo Cienfuegos, Mao Tse Tung, Hitler, Himmler, Eichmann, Pol Pot, Fidel Castro, Karl Marx, F. Engels, Robespierre, Símon Bolívar, Rosa de Luxemburgo, Luís Carlos Prestes, Marighella, José Dirceu e todos, sem exceção, cobrem-se de frieza e cinismo. Não tiveram, nem têm, de seus atos, remorsos e arrependimentos. O riso espontâneo desapareceu neles para dar lugar ao sarcasmo e à ironia. Nas esferas tiranas os comediantes também desapareceram e foram suplantados pelo deboche e pela cara de pau. Quem desejar ser guerrilheiro deve se despir de toda sensibilidade moral e espiritual, deve petrificar-se, sem o que, em guerrilheiro não se transformará.
Assim, como não nos estarrecermos ante psicopatias e pneumopatologias (segundo Voegelin) que nos assolam e nos amedrontam?! O massacre de Vendéia, na França (de pobres camponeses católicos e monarquistas), por si só, deveria encerrar toda e qualquer simpatia pelos ideais revolucionários franceses. O massacre dos pobres marujos e marinheiros em Kronstadt, no Golfo da Finlândia (impetrado por revolucionários russos) e o genocídio da fome em Holomodor, na Ucrânia (por sanguinários stalinistas), bastariam para não se ter mais nenhuma estima pela Revolução Russa. O Holocausto judeu impetrado pelos nazistas e o comportamento do comando 101 (treinado exclusivamente para matar crianças e mulheres judias indefesas) grita aos céus e denuncia a psicopatia absoluta daqueles governantes. Os fuzilamentos nos muros de Havana contrariam nuclearmente todos os ideais proclamados pelos guerrilheiros de Sierra Maestra. Os mortos do genocídio armeno desdizem os ideais de justiça muçulmanos proclamados pelos governantes turcos da época. O genocídio dos tutsis ruandeses proclama a insensatez e a loucura das lideranças e dos intelectuais hutus, 'amantes' da justiça. A lista dos paradoxos e contradições pode ser longa.
Como não nos assustar, então, ante mentes tresloucadas e assassinas que rondam e governam as nações?! Como não nos encolher ante figuras psicopáticas idolatradas e admiradas por esquerdistas do mundo e do Brasil, homens sem remorso, sem vergonha e sem escrúpulos? Como não ficarmos atônitos ante mulheres defensoras inescrupulosas de estupradores e assassinos e apoiadoras de qualquer pauta abortista?! Como não nos amedrontar ante governantes desviadores, sem pestanejo e sem rubor, de verbas públicas destinadas à saúde? Como não nos amedrontar ante juízes, deputados, governadores e senadores, alheios às esperanças de um povo, vivendo em bolhas, alardeando democracia vivendo de costas para ele? Como não nos envergonhar e não nos decepcionar ante mídias mentirosas e militantes?
O ataque ocorrido recentemente, em Uvalde, Texas, USA, perpetrado por psicopata, chocou o mundo. Não constitui, porém, comportamento distinto de outros praticados por revolucionários, terroristas e criminosos políticos, apoiadores de sanguinários inescrupulosos. A morte de 20 pessoas ou mais, na maior parte crianças, traz à ribalta a insanidade decorrente da ausência de estruturas afetivas, psicológicas e morais, ninho de criminosos. A maior parte da criminalidade provém de fontes preponderantemente quebradas. Paradoxalmente, contudo, intérpretes sociais e intelectuais, professores e especialistas da área, promovem agendas quebradiças, exatamente daqueles valores exigidos, sem os quais o crime e a violência não diminuirão. Os mesmos autores que vociferam explicações socialistas tentando justificar o incremento da criminalidade (pondo acento na educação, na responsabilidade das armas, no desemprego e na economia etc.), mostram incoerência e hipocrisia quando desprezam valores como família, propriedade, religião, moralidade e ordem, básicos à vida. Primeiro ensinam o desprezo pela moral e pela religião, depois fingem não ver o desastre que a ausência delas produz.
Causa, portanto, assombro ver feministas exaltando figuras como Simone de Beauvoir (abusadora de adolescentes), Madgalena Frida Kahlo (amante de revolucionário russo assassino e psicopata), Alexandra Kollantai (impiedosa com as russas), e outras tantas causadoras de sofrimento e dor alheios. Causa assombro ver padres, bispos, freiras e pastores evangélicos apoiarem lideranças e partidos políticos abertamente abortistas e defensores da liberação das drogas. Causa assombro ver ministros do STF proclamarem direito à liberdade de expressão e aprisionando pessoas que opinam contrariamente. Causa assombro homossexuais venerarem figuras algozes e assassinas de suas próprias causas. Causa assombro estudantes e intelectuais atenderem a textos de autores, cujas vidas desdizem o que os seus livros proclamam. Causa estonteante assombro ver o povo chileno escolher presidente um homem cujo currículo regista assédio sexual, consumo de drogas, internações psiquiátricas, apoio a protestos incendiários, amizade com assassinos de Jaime Gusman (ex-senador), defesa de tiranias venezuelana e cubana, aplausos a badernas estudantis em tempos universitários, inconclusão de curso superior, inexperiência administrativa, vida mimada e cômoda. Causa assombro a decadência do jornalismo calado ante a evidência dos fatos que testemunham aproximação do povo ao presidente da república contrastando declarações de candidato condenado e suas pesquisas. São muitos os assombros...
Não nos enganemos: muitos dos que se apresentam como amantes dos pobres, parecem cordeiros, mas são lobos, gente sem coração e sem alma, 'ladrões e salteadores' segundo Jesus. Theodore Dalrymple afirmou, categoricamente, sobre K. Marx, o pai do esquerdismo ocidental e contemporâneo: foi alguém que conseguiu a extraordinária proeza de amar a inteira humanidade, sem amar, absolutamente, ninguém. Tal é e será sempre o desastre da doutrina marxista.
Nossa liberdade fisga o infinito, futrica tudo, mas não pode tudo. Seu dinamismo se une à responsabilidade que nos dá o senso do limite e da modéstia. Há, porém, os que nos ensinam a desprezar pilares morais, empurrando-nos para o picadeiro das confusões e do caos. Propõem-nos liberdades irresponsáveis, ou melhor, responsabilidades anônimas e anonimatos irresponsáveis, felicidades imorais e imoralidades felizes. Terminaremos, por esse caminho, no suicídio civilizacional e na esquizofrenia.
* Em Santa Maria, 10/06/2022
** O autor é professor de Filosofia na UNIFRA