• Carlos I.S. Azambuja
  • 26/12/2014
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A TÁTICA DO SALAME

“Divide e impera”, ensinava Maquiavel

Ao final da II Guerra Mundial, foi constituída na Hungria uma Frente Nacional integrada por todos os partidos antifascistas. Em novembro de 1945 foram realizadas, em forma totalmente livre, eleições parlamentares. A maioria absoluta foi obtida pelo Partido dos Pequenos Proprietários Agrícolas com 57% dos votos. Em segundo lugar chegaram os socialistas do Partido Social Democrata, com 17,41%. Em terceiro lugar os comunistas, com 16,92%, e finalmente o Partido Nacional Camponês, criado e controlado pelos comunistas, com 6,87%. A pequena quantidade de votos restante foi diluída entre os partidos Liberal e Radical.

Com base nesses resultados foi constituído um governo formado por 7 membros do Partido dos Pequenos Proprietários, 3 comunistas, 3 socialistas e um do Partido Camponês. O Ministério do Interior e, portanto, toda a Polícia, ficou em mãos dos comunistas.

Apesar de contar com menos de 17% dos votos, o Partido Comunista passou a afirmar que “o programa e a política do partido expressavam os verdadeiros interesses de todo o povo” e que agora, face aos resultados eleitorais, era mister “afastar as forças reacionárias da Frente Nacional e da coalizão governamental”.

O primeiro e imediato objetivo dos comunistas era o partido majoritário, dos Pequenos Proprietários Agrícolas. Com esse fim, em março de 1946, o PC isolou esse partido criando dentro da frente única que assumira o governo, um Bloco de Esquerda dirigido pelo Partido Comunista Húngaro e desse Bloco faziam parte o Partido Social Democrata, o Partido Nacional Camponês e os sindicatos, controlados os dois últimos pelos comunistas e com uma forte infiltração entre os socialistas.

A tática utilizada contra os Pequenos Proprietários, partido heterogêneo formado por diversas agremiações, foi assim descrita cinicamente pelo dirigente comunista da época, Matyas Rakosi: “Prosseguia o desmascaramento, separação e isolamento dos elementos reacionários do Partido dos Pequenos Proprietários. Sem lhes dar trégua, esse partido foi obrigado a excluir e expulsar seus membros comprometidos. A isto se denominou a tática do salame, que consistia em despachar, dia a dia, fatia por fatia, a reação que se ocultava no Partido dos Pequenos Proprietários. Mediante essa luta sem trégua, desgastamos a vitalidade do inimigo e lesionamos seu prestígio ante as massas camponesas” (Matyas Rakosi, “A Via da Nossa Democracia Popular”, Revista Sociológica, Budapeste, março/abril de 1952).

Para a adequada aplicação da tática do salame os comunistas procedem à formação de um bloco de partidos e logo o vão liquidando, por fatias, como se fosse um salame, apoiando-se em cada ação naqueles que serão as próximas vítimas. Em resumo: é a liquidação das maiorias por uma minoria ativa.

Na primeira série desse processo eliminatório, os comunistas lograram seu objetivo apoiados em uma feroz campanha propagandística contra os Pequenos Proprietários, auxiliados por agentes comunistas dentro desse partido e inclusive com a suicida colaboração oportunista dos socialistas. Uma vez preparado o clima psicológico apropriado, acusados de reacionários e até traidores da Pátria, todos os anticomunistas destacados do partido, o Ministério do Interior passou a “descobrir” complôs contra o governo. A seguir, em fins de 1946, “foi desmascarado e liquidado um complô”, iniciando-se uma ampla luta contra as forças da reação. Em conseqüência disso, os principais representantes da burguesia foram postos para fora da coalizão e do governo. Assim, em janeiro de 1947, o Secretário-Geral do Partido dos Pequenos Proprietários, Bela Kovacs, foi detido pela polícia secreta sob a acusação de espionagem militar. E logo a seguir, em junho, renuncia e foge do país o Primeiro-Ministro, também desse partido.

Nessas condições as eleições seguintes, em agosto de 1947, apresentavam excelentes perspectivas para os comunistas. Além dos partidos que constituíam a Frente Nacional, foi permitida a apresentação de candidatos da oposição. Essa circunstância foi aproveitada pelos comunistas para criar a União das Mulheres Cristãs e o Partido Democrata Independente, com a finalidade de dividir e ramificar o movimento anticomunista e tirar votos do já combalido Partido dos Pequenos Proprietários. Os socialistas, por sua vez, que começavam a ser fortemente atacados pelos comunistas, denunciaram a intervenção do Ministério do Interior nas eleições. Os resultados das pesquisas apresentaram uma brusca queda dos Pequenos Proprietários: de 57% em 1945 para 15,2% em 1947; os comunistas subiram de 16,9% em 1945 para 21,5%, e seus aliados do Partido Nacional Camponês, de 6,87% para 8,7%, enquanto os socialistas perdiam votos: de 17,41% para 14,8%.

Com os partidos de oposição, que obtiveram 36,8%, a tática do PC não foi diferente. Logo o Partido da Independência (16,1%) foi dissolvido quando seu chefe máximo foi acusado de haver sido protetor de fascistas. O Partido Democrático Popular (14,4%) se desintegrou quando seu principal dirigente foi perseguido e teve que fugir para o estrangeiro. A União das Mulheres Cristãs e o Partido Democrático Independente (7,7% no total), como criaturas que eram do PC, solicitaram seu ingresso na Frente Única, fazendo o mesmo o Partido Radical (1,7%).

Enquanto prosseguia a liquidação sistemática do já decaído Partido dos Pequenos Proprietários, o PC centrava o fogo contra os socialistas, seja intensificando pressões mediante provocações e perseguições nas fábricas, seja tentando seus dirigentes.

A ala esquerda do Partido Social Democrata, cujos dirigentes eram, em sua maioria, agentes comunistas, manobrava contra os elementos realmente democratas do partido. Era a tática do salame novamente em ação. Conforme a opinião científica de Matyas Rakosi, o crescente poder do PC dava a possibilidade de “assestar um golpe decisivo nas forças inimigas incorporadas ao Partido Social Democrata. Cada vez mais – continua Rakosi –colocávamos a descoberto as manobras por meio das quais os dirigentes da Social-Democracia se opunham ao desenvolvimento de nossa democracia popular e ajudavam, assim, os inimigos de nosso povo. Assim, mobilizamos os trabalhadores social-democratas de Budapeste que se opunham crescentemente à política de seus dirigentes. Em 1947, como resultado dessa ação, em Budapeste ocorreu uma crise na cidadela dos organismos social-democratas. Dessa forma, colocamos em evidência, com exemplos concretos, a colaboração de certos dirigentes social-democratas com os fascistas ou espiões imperialistas” (Rakjosi, “A Via da Nossa Democracia Popular”, Revista Sociológica, março/abril de 1952).

O Ministério do Interior, por sua vez, “descobria” novos complôs, agora organizados pelos socialistas. Vários dirigentes foram deportados para a Sibéria enquanto outros eram condenados a trabalhos forçados. Em fins de 1947, finalmente, foi montado um espetacular processo por “alta traição”, sendo condenados, entre outros, um membro da Executiva do partido. Essa perseguição e liquidação dos dirigentes socialistas anticomunistas permitiu que a ala esquerda, pró-comunista, se apoderasse do partido. Entre março e junho de 1948, a “limpeza” realizada pelos agentes do PC dentro do Partido Socialista eliminou mais de 40 mil socialistas anticomunistas e no Parlamento húngaro foram “inabilitados” 35 dos 67 deputados socialistas.

Os comunistas lograram, assim, a destruição do socialismo democrático na Hungria e a capitulação dos restos do Partido Social Democrata, podendo dizer o dirigente comunista G. Kallai: “A reação foi derrotada. Em junho de 1948 se unificaram os dois partidos operários, constituindo-se um partido único, revolucionário, marxista-leninista da classe operária. Com isso foram concluídas as mudanças: a revolução política socialista havia triunfado. A classe operária havia conquistado o Poder” (Revista Internacional nº 10, 1965).

Com essa fusão e o ingresso no Partido Comunista dos restos dos demais partidos, se instaurou na Hungria a “ditadura do proletariado” e o comunismo emergiu como dono absoluto do campo político.

Nas eleições de 1949 – apenas 4 anos depois de cortada a primeira fatia do salame - os eleitores votaram em uma lista única.

 *Historiador