Quem assistiu ao filme Carandiru, baseado no livro Estação Carandiru, do médico Dráuzio Varella, que narra a dura experiência dos presídios brasileiros, deve se lembrar da frase dita e repetida por bandidos quando confrontados pela justiça: “Doutor, aqui dentro todo mundo é inocente”. Mais de uma década e meia depois, a expressão é atualíssima.
Diante da tragédia da corrupção exposta pela Lava Jato, os protagonistas do show de assalto aos cofres públicos se confessam indistintamente, todos, inocentes. Abordados por procuradores e juízes, questionados pela imprensa, esperneiam, dizem-se revoltados e se consideram injustiçados. As malas de dinheiro flagradas por câmeras sendo carregadas no meio da rua, os esconderijos transbordando milhões de reais e dólares; os imóveis recebidos como prêmio pelas facilidades criadas para terceiros no silêncio das madrugadas; as fortunas incalculáveis circulando clandestinamente como caixa dois e propinas milionárias, tudo isso, não passa de ilações. É fruto de delações fantasiosas, invenção da mídia golpista, perseguição política. É ódio da elite que tem asco, horror a pobre e não os quer ver melhorando de vida, lotando aeroportos e andando de avião, por isso acusa os líderes populistas de traficantes de influência, corruptos, mais que outros.
A versão da revolta dos inocentes dos tempos atuais também gerou a produção de filme Polícia Federal, a lei para todos – cujos personagens representados têm, claro, uma enorme diferença daquela bandidagem hospedada no antigo Centro de Detenção do Carandiru em São Paulo, palco de uma das maiores tragédias em presídios do mundo. Os supostos criminosos da Lava Jato são cidadãos de status, colarinho branco, autoridades da maior estirpe do universo político e empresarial do País e os condenados cumprem suas penas entre Penitenciária da Papuda, em Brasília, Carceragem da PF e Complexo Médico Penal do Paraná. Alguns privilegiados decoram as canelas com tornozeleira eletrônica arrastando-as pelos corredores de casa, moda dos novos tempos, na conhecida prisão domiciliar, desejo de consumo de centenas de congressistas, servidores públicos de alto escalão e poderosos empresários condenados do submundo da propina. Melhor o acessório que uma cela de pouco espaço com privada no chão e banho frio. Apenas um pequeno detalhe faz lembrar o drama dirigido por Hector Babenco no filme Carandiru, em 2003, é a manjada frase dos acusados: “Somos inocentes”.
No mar de sentenças e inquéritos abertos pelo Ministro Fachin, 74, tiveram seus sigilos quebrados, incluindo 8 ministros ou ex do governo Temer, 24 senadores denunciados por corrupção, dezenas de deputados e uma dúzia de governadores. Arrogantes, algum tempo atrás ostentavam poder e riqueza, senhores da razão. Pegos com a mão na massa, agora revoltados, atribuem as denúncias dos seus crimes aos delatores bandidos que desejam aliviar suas penas. Fazem discursos dramáticos no parlamento, sugerem CPIs, desconstroem a justiça, acusam a imprensa, desesperam-se, temem não conseguir a reeleição perdendo o foro privilegiado, bufam por todos os lados. Eles protagonizam a “revolta dos inocentes”. Quem sabe o título do próximo filme!
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** Publicado originalmente no Diário do Poder