Confesso que, enquanto a maioria dos analistas se perguntava quem seria afinal o ministro da fazenda do segundo mandato de Dilma, eu me questionava sobre a razão pela qual o escolhido sendo, como se supunha corretamente, alguém ligado ao mercado, aceitaria o convite.
Tendo nomeado Joaquim Levy, a presidente administrou suas ausências de forma a não aparecer ao lado do seu ministro, deixando de ungi-lo com suas atenções, ficando assim manifesto que sua escolha se deveu a uma contingência política e econômica, à qual temporariamente teve que se submeter.
Está claro que a escolha de Levy não significou uma conversão da presidente ao sistema de mercado. Ao contrário, tratou-se de recorrer ao mercado para recuperar o estado crítico em que se encontra o modelo econômico de dependência do estado, exaurido nos governos Lula e Dilma, com o aumento desproporcional dos gastos públicos em relação à receita.
É importante lembrar que o modelo estado-dependente, adotado pelo PT, tanto no governo Lula como no de Dilma, não se trata de uma escolha pragmática. É uma determinação decorrente da ideologia. Já houve tempo suficiente, desde a queda do muro e a derrocada da União Soviética, para repensar criticamente o socialismo e encarar com maior objetividade o mercado. Quem não o fez até agora, dificilmente o fará.
Quem continua a encarar o socialismo como a superação do capitalismo, não encontrará outra estrutura social para alavancar as mudanças senão o estado.Enquanto o socialismo não chega, a solução é usar o estado como instrumento de mudança da sociedade.
A realidade histórica, para quem pensa assim, é inevitavelmente dicotômica e dinâmica. Não há intermediário entre os dois modelos; o capitalismo é o mal e o socialismo é o bem. Enquanto isso é preciso lidar com a incongruência: capitalismo está condenado, embora teime em continuar existindo.
Levy, portanto, não obstante suas qualidades e competência é a instrumentalidade conjunturalmente necessária; é o “passo atrás” que antecede os dois passos à frente; é o anel que se vai para poupar os dedos.
A decisão de Dilma e seu comportamento são, portanto facilmente compreensíveis. A grande interrogação é porque Levy aceitou o convite, já que certamente não ignora este cenário no qual se incluiu.
O grande teste com relação ao poder de Levy sobre a política econômica do governo é o gasto público. É no gasto público, na forma como ele é usado, que se encontram os dois vetores: o econômico e o político. É ele que viabiliza os 39 ministérios; a maioria parlamentar; e um muito significativo percentual do eleitorado.
Dificilmente a presidente aceitará impor restrições ao gasto público, o nervo sensível do seu sistema de governo. Dificilmente o ministro conseguirá recuperar a economia sem corrigir os excessos e estabelecer controles sobre o gasto público. Este o impasse que deve existir entre Dilma e seu ministro da fazenda.
A comunicação, pelo ministro, do pacote de aumentos tributários sem adotar nenhuma medida para disciplinar as despesas, sinaliza que, até agora pelo menos, aquele impasse perdura.
Francisco Ferraz foi professor de Ciência Política na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pós-graduado pela Universidade de Princeton (EUA). Foi reitor da UFRGS no período de 1984 a 1988 e é criador do site "Política para políticos" (www.politicaparapoliticos.com.br), destinado à classe política e a cientistas políticos. Dirige a AD2000 Editorial e a AD2000 Consultoria Política e Educacional, que realizam cursos e prestam consultoria. Participou de inúmeras campanhas eleitorais – municipais, estaduais e federais – no Brasil e na Argentina.