A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) emitiu nota com severas críticas à PEC 241 ora em tramitação no Congresso. Nenhuma novidade que possa enriquecer a discussão desse momentoso e controverso tema, apenas os mesmos argumentos já repetidos à exaustão pelos críticos da medida. Não obstante, o pronunciamento da entidade enseja, pelo menos, o aprofundamento da discussão de dois aspectos relevantes no caso.
O primeiro liga-se ao imperativo de superar o quadro de penúria do Estado brasileiro, e as consequências macroeconômicas de tal situação, realidade solenemente ignorada na nota da CNBB. E que impõe a aplicação de um freio de arrumação na administração das contas pública no Brasil. Porque, como disse o professor Delfim Netto, “o problema é que, na ausência de uma política de rígido controle, as despesas públicas aumentam sozinhas”. O segundo aspecto refere-se à discussão do tratamento dado pela PEC às regras que estabelecem o nível mínimo de recursos destinados às áreas de saúde e educação, em relação ao qual a carta dos bispos pode conter, apesar de não explicitado, um detalhe de realce, adiante discutido.
Há duas formas de efetuar o controle de qualquer orçamento: pelo aumento da receita e/ou pela redução das despesas. No caso das contas públicas, para aumento das receitas, via elevação da carga tributária, há um limite. A partir de determinado ponto, à medida que a carga tributária aumenta, a arrecadação cai, no lugar de subir. Tal fenômeno é explicado pelo desestímulo que uma elevada incidência tributária provoca nos agentes econômicos numa economia de mercado. Esse fenômeno pode ser facilmente compreendido pela observação da curva de Laffer, aqui.
A teoria em causa trata tão somente dos efeitos da variação da carga tributária sobre o volume da arrecadação fiscal. A questão da adequação ou justiça da estrutura tributária é outra. O que, por conseguinte, não exclui a hipótese de que uma mexida na estrutura tributária possa elevar o ponto na curva de Laffer em que o aumento da carga tributária começa a baixar a arrecadação. Assim, como o nível de tributação no Brasil já encostou ou está muito próximo daquele limite, e não havendo espaço para aumento da receita via elevação de impostos (independentemente de eventuais inadequações e injustiças na aplicação dos tributos no Brasil), há que fazer logo alguma coisa para o efetivo controle das despesas públicas no País.
Quem melhor definiu, no plano macroeconômico, a situação de nossas contas públicas foi o economista Frederico Amorim, com um raciocínio absolutamente direto que pode ser resumido da seguinte forma: com a dívida da União (fora o endividamento dos Estados e municípios) em R$ 3,3 trilhões, o serviço da dívida já passa dos R$ 400 bilhões/ano, o que é insustentável. Desse total, os estrangeiros (apontados por alguns críticos como os vilões do processo), absorvem atualmente cerca de 17%, ficando, portanto, aproximadamente 83% nos bancos, fundos, empresas e pessoas físicas do Brasil.
Uma das consequências de tal situação é uma severa escassez de recursos para realização de investimentos públicos no País, já que as disponibilidades, nesse caso, precisam ser em grande medida canalizadas para pagamento do serviço da dívida. A propósito, é curioso observar que a nota da CNBB “alerta” para o risco de a PEC tornar inviáveis os investimentos em educação e saúde, quando o que se daria sem medidas fortes de controle do endividamento público, como as visadas com a PEC, seria justamente o oposto: a canalização da maior parte dos recursos para investimentos nessas áreas indo para pagamento do serviço da dívida. A menos que se fizesse uma opção preferencial pelo calote e pela hiperinflação.
E não apenas os investimentos públicos seriam fortemente reduzidos: os investimentos privados também o seriam. Em consequência, num quadro como esse a economia não tem como crescer, “porque a poupança, contrapartida macroeconômica dos investimentos, é praticamente toda, ou em grande medida, aplicada na cobertura do déficit público com suas generosas taxas de juros. A receita pública, com as restrições ao avanço da produção, e da arrecadação, também não cresce”. E sem superávit fiscal não há como honrar o serviço da dívida. A saída nesse contexto é fazer novas dívidas para pagar juros. Tal processo tem de ser estancado, sob pena de o País cair numa situação semelhante à da Grécia recentemente.
O segundo aspecto acima mencionado liga-se à limitação de gastos com saúde e educação. É que, apesar de os porcentuais mínimos para essas duas áreas não estarem atreladas à despesa (que a proposta limita), e sim à receita, que, obviamente, não se propõe congelar, há na PEC um dispositivo que limita, a partir de 2017, o crescimento dos gastos com saúde e educação ao total dessas mesmas despesas no exercício anterior corrigidas pela variação do IPCA. Esse dispositivo (que na prática desvincula as despesas com saúde e educação da receita) poderia ser considerado dispensável. Porque sem ele tais despesas só cresceriam em ritmo mais significativo no caso de um aumento superlativo das receitas, o que seria de todo desejável, já que reforçaria o combate às carências nacionais nessas áreas sem provocar dano maior às contas públicas. O único senão seria causado por uma possível necessidade de redução das despesas em outras áreas para atendimento a tais limites mínimos da saúde e educação, que ficariam livres para crescer com a receita. Não obstante, essa não seria uma dificuldade insanável. Uma compensação, ainda que parcial, a esse excesso de cuidado pode ser a anunciada emenda de aumento do limite mínimo de despesas com a saúde de 15% para 17% das receitas da União.
*Economista e escritor