(Publicado originamente no site do autor - http://professorpaulomoura.com.br/)
O xadrez da política é um jogo que se joga em dois tabuleiros. Por cima da mesa movimenta-se o jogo dissimulado das aparências que pautam o olhar dos leigos. Por baixo da mesa movimentam-se as peças decisivas que definem o curso de acontecimentos que somente se revelam como atitudes públicas dos jogadores quando as decisões precisam ser postas em prática.
Um exemplo disso foi a movimentação invisível dos operadores do Palácio do Planalto na montagem da estratégia do “acordão” com Renan Calheiros, descrito no editorial de hoje (http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,sobre-o-acordao,1746584) do Estadão.
Os manuais de gestão de crise ensinam que não há como vencer a avalanche midiática negativa decorrente de um escândalo de grandes proporções que ganha as manchetes diárias até que os fatos se esgotem. Na impossibilidade de ignorar ou minimizar os acontecimentos adversos, aquele que é alvo do prejuízo deve submergir, observar os acontecimentos, planejar a reação e a escolha do momento de emergir, pondo em prática a estratégia definida na invisibilidade.
O governo identificou na prisão de José Dirceu o fato de maior magnitude da fase presente da operação Lava Jato, avaliando que, por enquanto, as revelações subsequentes teriam, como estão tendo, impacto menor. Identificou, também, que o principal movimento do seu inimigo estaria nas manifestações do domingo passado (16/08).
O momento escolhido para voltar à tona foi o intervalo entre a prisão de José Dirceu e as manifestações. Os objetivos traçados foram: a) construir alianças e acordos com Renan Calheiros, veículos da grande mídia e lideranças empresariais para que o governo pudesse retomar a iniciativa; e, b) tentar minimizar o impacto das manifestações pelo impeachment e demonstrar que governo e PT não estão mortos e conseguem mobilizar setores da sociedade em defesa de sua permanência no poder.
No tabuleiro de cima, o argumento esgrimido para sustentar tal movimentação é o de que a remoção de Dilma do cargo provocaria um trauma institucional e semearia mais instabilidade e incerteza para a democracia e a recuperação da economia. No tabuleiro de baixo, somente no futuro a sociedade saberá o quanto está custando aos cofres públicos a mobilização das tropas mercenárias do petismo.
Nesse meio tempo, outros atores também movimentavam suas peças por baixo do tabuleiro. Essa movimentação tornou-se visível na mudança de atitude do PSDB em relação ao impeachment, que teve como principal protagonista o ex-presidente FHC, que enquadrou as lideranças tucanas em torno da adesão unificada à tese do impeachment.
Num contexto de desacordo entre os tucanos e desses com o PMDB sobre a melhor forma de remover Dilma do cargo, o que teria levado FHC a mudar de posição e tomar essa atitude?
A reposta está num post de de “O Antagonista” (http://www.oantagonista.com/posts/militarizando-fhc), informando que: “Fernando Henrique Cardoso decidiu que o PSDB deve caminhar para o impeachment juntamente com o PMDB, porque os militares fizeram chegar aos seus ouvidos que a eventual cassação do mandato de Dilma Rousseff, com a convocação de novas eleições e um interregno de meses, poderia acarretar riscos para a estabilidade institucional.”
Militares da ativa são proibidos de fazer política. No tabuleiro de cima. Por definição constitucional, no entanto, não podem ficar alheios a eventuais riscos de instauração de um ambiente político que possa ameaçar a ordem pública e a estabilidade das instituições democráticas.
Assim, tudo indica que, com discrição que a sabedoria recomenda, os militares “fizeram chegar” aos ouvidos de FHC que o impeachment de Dilma se apresenta com a solução mais adequada para o impasse e a crise sem fim que decorrem da continuidade do governo petista sob a presidência de Dilma Rousseff.
Que riscos à ordem e estabilidade institucionais poderiam estar vislumbrando os militares?
Em primeiro lugar, o risco de uma presidência interina (caso a chapa Dilma/Temer seja cassada pelo TSE) de Eduardo Cunha, envolvido na Lava Jato e capaz de usar todas as armas de que dispõe para se defender. O risco aqui é de instabilidade institucional. Essa hipótese foi explicitada no tabuleiro visível dos argumentos esgrimidos por FHC para enquadrar os tucanos em torno da defesa do impeachment.
Há, no entanto, no jogo invisível do tabuleiro de baixo, outro argumento não explicitado, mas bastante plausível e forte o suficiente para enquadrar não apenas os tucanos em torno da defesa do impeachment como melhor saída para a crise sem fim que se projeta com a permanência do petismo no poder.
O argumento adicional implícito ao cenário de eventual instabilidade institucional provocada pela presidência interina de Eduardo Cunha é o da possível desordem pública patrocinada pelo petismo recém alijado do poder e, por isso com sangue nos olhos, em plena eleição do novo presidente até a realização de novas eleições, no curtíssimo prazo noventa dias que prevê a lei.
Pessoalmente, concordo com o ponto de vista de Augusto de Franco sobre as bravatas de Lula e dos chefes do MST e da CUT sobre botarem seus exércitos na rua, de armas na mão, para defender a permanência do PT no poder. Esse discurso foi providencialmente tornado público às vésperas das três grandes mobilizações da sociedade contra o PT. As tropas do lulopetismo são mercenárias. Lula mesmo já choramingou abertamente que não consegue mais mobilizar ninguém sem pagar.
A história e a teoria política clássica, desde Maquiavel, atestam que exércitos mercenários se desagregam, desertam e terminam invariavelmente derrotados no enfrentamento com exércitos que lutam voluntariamente pela causa da liberdade.
No entanto, no ambiente de uma campanha eleitoral na qual Lula e o PT estariam lutando pela sobrevivência, logo após serem alijados do poder por uma eventual condenação pelo TSE, não seria prudente ignorar o fato de que esse é um contexto que, excepcionalmente, possibilitaria a mobilização do petismo. Mesmo fora do governo, não se pode descartar que o PT deve dispor de muito dinheiro escondido, além da máquina dos sindicatos, se não para vencer uma eleição, certamente para melar o pleito recorrendo à desordem pública.
Sermos governados pelo PMDB e seus cúmplices (até agora Temer está fora da Lava Jato), não é motivo de alegria para ninguém. Porém, dadas as circunstâncias, esse pode ser o mal menor.
“A guerra é a continuação da política por outros meios”, disse o general alemão Carl von Clausewitz, expoente da teoria da guerra moderna. Para desgosto dos defensores da intervenção militar, a boa notícia que nos revela “O Antagonista” no post antes referido, é que os militares brasileiros (da ativa), estão apostando suas fichas na solução constitucional do impeachment.
Mas, o PT que não se atreva a romper com a ordem pública e institucional. Não custa lembrar que é atribuição constitucional das Forças Armadas defendê-las em nome da preservação da democracia.
O governo petista moveu suas peças e botou a ponta do nariz acima da linha d’água. Porém, o avanço o movimento mais relevante do momento conjuntural foi o passo adiante dado por atores políticos relevantes, na direção do impeachment. Agora é foco nos movimentos de Michel Temer e seus correligionários.
(Membro do Grupo Pensar+)