(Publicado originalmente na Tribuna da Internet)
Renan Calheiros é o presidente de uma instituição que um dia decidiu criar uma guarda para... Para quê mesmo? De acordo com a Resolução nº 59/2002, é para cuidar da segurança do presidente da Casa e dos demais senadores "nas dependências do Senado Federal". E ainda, "em qualquer localidade do território nacional e no exterior, quando determinado pelo Presidente do Senado Federal".
Renan acha que um "juizeco de primeira instância" não tem a prerrogativa de molestar policiais do Senado que exorbitam o limite legal de sua atuação ao desarmar grampos determinados por algo como a Operação Lava Jato.
Ou seja: o juizeco não pode parar o processo de obstrução judicial patrocinado pelo senadorzinho. Mas o senadorzinho pode tudo. Inclusive mandar varrer a casa de um deputado que todos sabem quem é e podem imaginar por que foi destinatário de tão dileto favor.
GUARDA PRETORIANA – Não importa que a proteção da guarda pretoriana de Renan Calheiros se estenda para muito além dos detentores de mandato senatorial, como José Sarney, ou alcance até quem jamais tenha sido integrante da Câmara Alta, caso de Cunha. A guarda é de Renan, o dono do Senado, que faz dela o que bem entender. E ai de quem reclamar.
Se alguém como o ministro da Justiça ousa defender a legalidade e a legitimidade da atuação da outra polícia, esta sim uma polícia de verdade, a Polícia Federal, então não será mais ministro pleno, e sim um ministro eventual, temporário, prestes a ser derrubado pelo Comandante-em-Chefe da Polícia do Senado. Hoje, para ser ministro no Brasil, é preciso ter o aval de Renan Calheiros, e também obedecê-lo. Só a vontade do Presidente da República não é suficiente.
José Eduardo Cardozo resistiu durante anos ao mesmo tipo de campanha coativa. O PT queria derrubá-lo porque não controlava a Polícia Federal, que seguia engaiolando petistas. Agora é a vez do PMDB de Renan assacar contra a corporação, ou quem supostamente está ali para controlá-la e livrar a ele e aos companheiros em perigo do risco iminente da prisão e do vexame das conduções coercitivas. Sinal de que os peemedebistas estão pestes a tomar o lugar desonroso dos petistas nas próximas etapas da Lava Jato ?
GENERAL DAS ALAGOAS – Deve ser uma perspectiva realmente assustadora. Ocorre que, para defender seus arroubos napoleônicos, o General das Alagoas acha que pode dispor de suas tropas como bem lhe aprouver, sem limites de nenhuma natureza. É o que Renan gostaria que o Ministério da Justiça fizesse por ele e seus companheiros em dificuldade perante o Poder de juizecos como Sérgio Moro, que também é um reles magistrado de primeira instância.
Mas o que Renan consegue no comando de sua pequena guarda pretoriana, nenhum ministro da Justiça conseguiria da PF. Até porque aquela é uma instituição do Estado, não um apêndice de um governo. Ou: A Polícia Federal não é a Polícia Legislativa que está sob ordens de Renan.
E os súditos devem entender o faniquito do conterrâneo de Deodoro e Teotônio como normal porque, dentro de seu sistema de valores, o Estado é para isso mesmo — para ser usado e usurpado por quem tem poder político, caso de Renan Calheiros. É a isso que alguns recalcados chamam de patrimonialismo.
EM FRANCO DECLÍNIO – Ocorre que esse padrão de comportamento desprovido de limites, que leva alguém a se julgar dono de guardas pretorianas, de polícias federais inteiras, do Estado e do dinheiro de todos os cofres públicos está em franco declínio, como nos lembra Curitiba diariamente. Não fosse pela resistência de áulicos das práticas passadas como o senadorzinho, o dono do mundo, o General da polícia legislativa, ninguém mais neste País iria ouvir falar em tentar controlar a PF ou a guarda do Senado, em proteger de grampos legais gente como o próprio Napoleão do Senado ou seus acólitos.
Infelizmente o passado teima em não passar. A não ser pelo histrionismo das reações, pouco se pode perceber algum avanço no campo que deveria estar a pautar as relações da República — o da ética, da moralidade e da impessoalidade. Mas esse é um mundo completamente novo para gente como o senadorzinho da Polícia do Senado. E talvez eles tenham mesmo dificuldade em entender o que está acontecendo ao seu redor.
Pelo visto, os apuros de Lula, que outro dia mesmo era santo, e a longa prisão de Marcelo Odebrecht ainda não produziram todos os seus efeitos. Mas eles virão, queira Renan ou não, queira Sarney ou não, queira Eduardo Cunha — ou não!