O CARTEL NA POLÍTICA BRASILEIRA - PARTE III
Alguns veículos de imprensa já informam que dois membros do cartel político brasileiro, PSDB e PMDB estão discutindo a viabilidade de fazer uma transição do atual governo, do terceiro membro do cartel, o PT. Possivelmente, já até discutem a divisão de cargos, ministérios e demais arranjos numa eventual queda de Dilma Rousseff, bem como a sucessão de 2018. Importante ter em mente que os políticos são profissionais da política e vivem em função dela, seja no campo material (salário) como no campo social (capital político).
O mais curioso dessa movimentação no seio do Cartel Político, é que no início de julho, Lula, líder insofismável do PT, esteve em Brasília e, como é sabido, reuniu-se com políticos do chamado alto clero da atual base aliada (PT-PMDB). É sabido que há alas do PT que têm bastante interesse na queda de Dilma, principalmente aquelas que são lideradas por Lula. É de conhecimento público que o governo Dilma está no volume morto - falas vazadas do próprio Lula. Para alguns petistas, arrastar este cadáver político adiado (Dilma II) só vai debilitar ainda mais a legenda, bem como Lula começa a achar que, em caso de queda de Dilma, o noticiário poderia mudar, assim como a pressão política sobre ele.
Para quem está acompanhando a narrativa que estamos contando desde a primeira parte desta análise (Parte I e Parte II), o Brasil no plano da política é dominado em quase todas as suas instâncias pelo cartel (PT, PMDB e PSDB). São eles os partidos que detêm mais governos e prefeituras; detêm, também, mecanismos políticos e econômicos para se manterem vitoriosos nas eleições. Mais: toda essa tratativa nos bastidores a respeito de uma eventual queda de Dilma intensificou-se após a prisão de Marcelo Odebrecht, um dos maiores empresários brasileiros, bem como do "vazamento" de parte da delação premiada de Ricardo Pessoa, dono da construtora UTC - membro ativo do cartel de empreiteiras que financiava as campanhas políticas dos principais partidos do Brasil.
Para entender toda essa costura no meio político é fundamental compreender que o avanço das investigações da Lava Jato aproxima-se perigosamente de outras estatais, com destaque as do setor elétrico, que permeiam governos estaduais. Como já havíamos narrado, os partidos que formam o poder político nacional (Cartel Político) comandam 2/3 dos Estados, quase metade dos municípios e possuem valores semelhantes em termos de gastos de campanha. Logo, abrir outra frente de investigação, agora no setor elétrico ("Eletrolão") poderia promover terra arrasada no núcleo político da Nova República. Todo esse cenário de muita instabilidade e incertezas, concatenado a debilidade do governo Dilma e a deterioração da atividade econômica fizeram com que o Cartel Político começasse a se mexer em busca de uma solução definitiva para estancar a crise.
A princípio, o PT tentou evitar o agravamento da crise ao nomear o fiscalista Joaquim Levy como Ministro da Fazenda e contentar o mercado financeiro (a famosa Faria Lima) e o capital internacional via agências de rating. Posteriormente, após a derrota pela Presidência da Câmara para o PMDB e as manifestações do dia 15 de março, Dilma entregou definitivamente o poder político ao triunvirato (Cunha-Temer-Calheiros). Porém, todo esse arranjo político mostrou-se inviável diante da deterioração dos fundamentos econômicos no primeiro semestre, da queda acentuada da popularidade da Presidente Dilma, e pelas revelações da Lava Jato.
Para ser mais preciso, essa frágil divisão de poderes não rendeu força política ao Governo, apenas dilapidou a instituição da Presidência da República a fim de ganhar tempo. A bem da verdade, uma conjunção de escândalos e informações sobre um evento totalmente exógeno e incontrolável, a Lava Jato e seus desdobramentos (novas delações e prisões, seguidas de agravamento do quadro econômico) fizeram com que a Av. Paulista (industriais) e a Av. Faria Lima (mercado financeiro) jogassem a toalha nesta virada de semestre em relação à economia brasileira. É possível fundamentar essa tese, após fortes declarações de gestores de fundos, recentes entrevistas de CEOs de indústrias e de vários economistas renomados que não perdem a oportunidade de ratificar que a economia está comprometida pelo menos até 2017. Mais: do lado político, o avanço da Lava Jato e o risco iminente de outros políticos de alta envergadura serem diretamente envolvidos nas investigações, indubitavelmente, desvirtuaram qualquer coordenação política que poderia existir. Sem dúvida, Brasília virou um grande cemitério de políticos e de partidos. O presidencialismo de coalizão acabou como conhecíamos e terá que buscar um novo rearranjo, pois foi vítima da tentativa de hegemonia política do PT e da ausência de adequada reforma política.
Diante dessa crise econômica-política-institucional, alguns caminhos estão sendo discutidos no seio do Cartel, a saber: 1) impeachment via TCU; 2) renúncia após julgamento do TCU; 3) queda da chapa Dilma-Temer após declarações que serão dadas por Ricardo Pessoa neste mês ao TSE; 4) renúncia devido a comprovação de uso de dinheiro do Petrolão na campanha de Dilma em 2014. De todos os caminhos apresentados, o que parece ser mais problemático é o de convocar novas eleições. Em nossa opinião, apesar de ser o mais justo do ponto de vista institucional, o Brasil literalmente pararia na esfera econômica - risco de tensão social. Cunha seria o presidente em exercício por 90 dias, e abrir-se-ia enorme crise política e de instabilidade num país já combalido pela crise moral e econômica que o assola.
Advogamos, assim, de forma fria - e não normativa - que Temer assuma a presidência da República, e que administre o país numa grande coalizão até 2018 - ele provou ser capaz disso, ao liderar inúmeras negociações junto à Câmara, no que tange ao ajuste fiscal. Faria, portanto, um governo de transição nos moldes de Itamar Franco, tendo em vista reerguer a economia e a coordenação política.
Em suma: analisamos que o Cartel Político (PT, PMDB e PSDB), diante da complexidade do cenário e da dificuldade de PMDB e PSDB de deixarem o petismo "sangrar" até 2018, pode fomentar a queda da Presidente Dilma via pedaladas fiscais ou mesmo forçá-la à renúncia. Isso poderia ocorrer, principalmente, se o PMDB desse xeque-mate ao informá-la que abandonaria a base aliada do governo, após julgamento do TCU ou algo do gênero. Reafirmamos: ao Cartel seria mais interessante arrastar o atual governo até 2018; mas o cenário político-econômico deteriorou-se rapidamente desde a prisão de Marcelo Odebrecht (e sua suposta ameaça de derrubar a República, segundo a revista Época) e, na semana seguinte o "vazamento" parcial da delação de Ricardo Pessoa, que literalmente fez com que a pauta do impeachment fosse debatida em qualquer corredor de Brasília.
Assim, concluímos esta Parte III com o mesmo desfecho da Parte II: "Enquanto isso, o Brasil, em meio a incompetência administrativa de Dilma e a disputa de poder dentro do Cartel Político, caminha a passos largos para o buraco político-econômico-institucional. Diante desse cenário, a Nação precisa de um choque de gestão e de credibilidade. Precisa, portanto, de um novo governo. O impeachment não é uma bomba atômica, como disse FHC. É, sim, um instrumento constitucional de proteção da sociedade e das instituições, e que funcionou muito bem em 1992. Com certeza, agora levaria a uma reorganização das forças políticas no Congresso. E que nas eleições de 2018, o Brasil possa ter a necessária oxigenação na esfera política."
Cristiano Rodrigues
Economista (USP) / Ciência Política
Vinícius Gouveia
Economista (USP) / Ciência Política