• Cristiano Rodrigues e Vinicius Gouveia
  • 13/07/2015
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O CARTEL NA POLÍTICA BRASILEIRA - (Apêndice Teórico)

 

 Ao longo dos últimos dois meses temos apresentado uma série de artigos (Parte I, Parte II, Parte III), em que denominamos o sistema partidário brasileiro, controlado por PT-PMDB e PSDB, como o de Cartel Político (Partido Cartel é o termo acadêmico usado). Esses partidos comandam quase metade dos municípios brasileiros, 2/3 dos Estados, possuem as três maiores bancadas no Congresso e têm altos gastos de campanha. Além disso, as coligações legislativas giram em torno desses três players. Logo, detêm os mecanismos políticos e econômicos para se manterem vitoriosos nas eleições.

Esta definição de Cartel Político tem como inspiração teórica o paper seminal dos cientistas políticos Richard S. Katz e Peter Mair apresentado na década de 90 (tradução espanhola “El partido cartel – La transformación de los modelos de partidos y de la democracia de partidos”), em que analisam como os partidos se organizam ao longo da história democrática.

Pois bem, o núcleo central do artigo citado versa sobre como a organização dos partidos modernos estão constituídos nas sociedades atuais. Comumentemente temos em nosso imaginário os grandes partidos de massa, representantes e mobilizadores dos diversos matizes sociais - bandeiras/correntes de pensamento: conservador, liberal, social-democrata, socialista etc. Mas, esse modelo de partido "puro" / ortodoxo já não existe na Europa desde a década de 60/70. A bem da verdade, a metamorfose partidária das legendas "tradicionais" para Partidos Cartel levou quase um século na Europa, e abrangeu outras modalidades (Partidos de Elite, Partidos de Massa, Partidos Catch-all e Partidos Cartel) que não serão detalhados, pois fogem ao escopo deste apêndice.

No Brasil, o processo de mutação dos partidos sofreu um curso digamos parecido, mas de maneira não continuada, dada as rupturas democráticas nas décadas de 30 (Estado-Novo) e 60 (Regime Militar), além, é claro, da particularidade do desenvolvimento econômico-social do país. Se direcionarmos nossa análise a partir dos anos 80, momento em que a abertura do Regime Militar permitiu a constituição livre de partidos, notamos uma transição acelerada do processo de metamorfose dos partidos brasileiros entre 1980-2005. Em destaque: 1) PMDB foi até meados dos anos 80, o grande representante da resistência ao regime militar, mobilizador das classes médias urbanas emergentes; 2) o PSDB, nascido da espinha dorsal deste último, foi um tradicional representante dos ideais da socialdemocracia europeia (welfare state e parlamentarista) até chegar ao poder em 1995; 3) o PT de 1980 até chegar ao poder e principalmente até o mensalão (2005), foi um fiel mobilizador dos sindicatos, funcionários públicos, trabalhadores sindicalizados, classes populares urbanas e rurais. 4) Partidos derivados da Arena (PFL e o atual PP) foram minguando e diluindo a participação no cenário político gradativamente com a morte de seus principais cardeais (ACM e seu filho Luiz Eduardo), bem como pela obsolescência política de outros como família Bornhausen e o malufismo. Assim, com as devidas abstrações é possível afirmar: conforme o presidencialismo de coalizão foi entrando em decadência durante a gestão Lula/Dilma como produto da famigerada tentativa de hegemonia do PT e da ausência de reforma política, o Cartel Político, por sua vez, foi ganhando corpo, principalmente a partir do momento em que o PMDB passou a constituir a base aliada do governo petista pós-mensalão em 2005. Diante disso, hoje o que dá sustentação ao débil governo Dilma, não são os partidos da base aliada (presidencialismo de coalizão), mas, sim, o Cartel Político (PT-PMDB e o líder da "oposição formal", o rachado PSDB, que não construiu uma narrativa oposicionista ao longo dos últimos anos). Esses partidos, portanto, dominam a agenda política no Brasil, tanto a do governo (PT-PMDB), como a da oposição (capitaneada pelo PSDB). Mais: o debate sobre o impeachment da Presidente Dilma, bem como de uma eventual sucessão circunscrevem-se a essas três legendas (PT-PMDB-PSDB).

Quais, então, seriam as principais características de um modelo de Partido Cartel? As dez principais segundo os autores Katz e Mair são, a saber: 1) Política torna-se uma profissão (emprego) e não mais ideário para reformas sociais; 2) O Político vira um funcionário público dependente dos recursos do Estado, e não mais um servidor da população; 3) A competição eleitoral entre os partidos é restrita a poucos e relevantes partidos; 4) A entrada de novos participantes nas decisões são dificultadas (barreiras à entrada), pois para ser um partido com capilaridade há que se ter recursos cada vez mais elevados; 5) Altos gastos de campanha com financiamento público crescente; 6) Relação entre a cúpula e as bases do partido distantes, cabendo as oligarquias estaduais e nacionais controles sobre suas zonas de influência independente à cúpula; 7) A militância deixa de ter importância e passa a ser profissionalizada (paga); 8) Acesso privilegiado aos veículos de mídia; 9) O partido se infiltra dentro do Estado; distanciando-se de suas bases junto à sociedade civil; 10) Os representantes são agentes do Estado e não mais delegados efetivos da população que delega a representação para defesa de seus interesses. Os representantes, portanto, estão distantes da população.

Das dez principais características do modelo, podemos afirmar que o sistema político brasileiro atual enquadra-se muito bem no sistema de Cartel Político (Partido Cartel), sendo as 3 organizações PT-PMDB-PSDB detentoras dos desígnios do país. Não à toa, nos últimos 20 anos o Brasil teve a disputa centrada em PT X PSDB nas eleições presidenciais, sendo o PMDB da base aliada de ambos, em que pese na gestão FHC, o presidencialismo de coalizão ainda funcionar. Por isso, entendemos o Cartel como uma nova etapa de formação política a partir de 2005 (crise do mensalão). Para sermos mais precisos e irmos ao âmago da questão, são sob os interesses pessoais das cúpulas desses partidos, que estão os rumos políticos, econômicos e institucionais do Brasil. Hoje, 10 líderes partidários ou cardeais dominam a cena política brasileira, a saber: Lula, FHC, Temer, Calheiros, Serra, Alckmin, Aécio Neves, Sarney (perdeu força eleitoral) e os dois novos membros: Dilma, neófita; e Eduardo Cunha, chefe inconteste do baixo clero. Mais: a maior prova que são esses líderes que comandam a política brasileira, é que não há prévias nos partidos para a corrida presidencial e para muitos outros cargos. Os candidatos são escolhidos por votações simbólicas ou grandes conchavos (apadrinhamentos), que são características de povos patriarcais, como a dos latinos e ibéricos, diferentemente dos povos anglo-saxões (destaque EUA), onde as prévias são extremamente disputadas e aumentam a lisura do processo democrático.

Aqui é importante relatar outro fato: as bancadas em muitas oportunidades não estão alinhadas com a cúpula dos partidos, o que é uma característica intrínseca da definição de cartel. Por exemplo, é sabido que a bancada tucana na Câmara é pró-impeachment; já os cardeais tucanos não, com cada um deles e seu grupo defendendo seus próprios interesses. Alckmin sinaliza que não haja impeachment até 2018, pois assim entende que será favorito na eleição, já que o PT chegaria desgastado ao pleito; Serra dá a entender que não gostaria de ruptura política (mesmo que constitucional - via impeachment), pois flertaria com o parlamentarismo e com possível aceno do PMDB ao cargo de primeiro-ministro; Aécio gostaria de novas eleições, já que sabe que em 2018 a indicação deverá ser de Alckmin no PSDB. Já no PMDB, há alas que desejam o impeachment, pois temem que o partido sofra punição nas urnas por participar do governo Dilma e, principalmente, por não aderir à tese do impeachment. É mais do que sabido que os cardeais do PMDB não gostariam de um desenlace com o PT, pois imaginam que isso teria custos elevados - Dilma dificilmente cairia sozinha, além de o PMDB ter receio de assumir o passivo - esqueletos- das administrações petistas até 2018. Por isso titubeiam tanto, hora sinalizando conversas pró-impeachment, hora com falas moderadas. Ou seja: os cardeais desses partidos tomam as decisões tendo em vista, principalmente, a disputa de poder dentro do Cartel, e não necessariamente alinhado aos anseios de suas bancadas, militantes, eleitores ou de suas históricas bandeiras partidárias (liberalismo, socialdemocracia, socialismo, etc.). É daí que surge a explicação da falta de representatividade dos partidos. Logo, depreende-se que as legendas são meros instrumentos de poder nas mãos dos seus respectivos cardeais.

"Enquanto isso, o Brasil, em meio a incompetência política-administrativa de Dilma e a disputa de poder dentro do Cartel Político, caminha a passos largos para o buraco político-econômico-institucional. Diante desse cenário, a Nação precisa de um choque de gestão e de credibilidade. Precisa, portanto, de um novo governo. O impeachment não é uma bomba atômica, como disse FHC. É, sim, um instrumento constitucional de proteção da sociedade e das instituições, e que funcionou muito bem em 1992. Com certeza, agora levaria a uma reorganização das forças políticas no Congresso. E que nas eleições de 2018, o Brasil possa ter a necessária oxigenação na esfera política.

Nota: De forma alguma através desta análise, pretende-se mostrar que o PSDB seja igual ao PT ou ao PMDB. Não se trata disso, o que se almeja é desnudar a racionalidade dos atores, e como funciona o REAL jogo da política, que é ocultado pela cortina de fumaça produzido pelo marketing político. Reafirmamos: há divergências fundamentais, sim, entre PSDB e PT, as quais foram detalhadas ao longo das partes I, II e III. Porém, a arena política no qual esses partidos jogam é bem diferente da que o senso comum aponta. Sem dúvida, há fortes barreiras à entrada e à saída do Partido Cartel. A partir desse arcabouço teórico, fica mais fácil compreender o atual teatro político do impeachment da Presidente Dilma, bem como a crise política que vivenciamos, que em parte tem origem na disputa de poder dentro do Cartel e da falência do presidencialismo de coalizão nos termos que conhecemos. Isso não significa que não possa haver um rearranjo futuro das principais forças, mas entendemos que serão em novas bases.