(Publicado originalmente na Folha de São Paulo)
Se mão-de-obra barata e matérias-primas são menos importantes, qual a estratégia de países como o Brasil para continuar a emergir?
A grande maioria dos “mercados emergentes” tem sofrido um bocado nos últimos tempos.
O Brasil é prisioneiro de estagflação, impasse político e escândalos alimentados na estufa de seu capitalismo de compadrio.
A Rússia paga o alto preço das sanções por sua política para a Ucrânia, das limitações de um modelo em que o Kremlin é o czar da economia, e do declínio das commodities energéticas.
A Índia já perdeu algo da excitação que marcou o primeiro ano de Narendra Modi na condição de Primeiro-Ministro. Muitas das agendas modernizantes simplesmente encontram-se empacadas no Parlamento.
A China vê seu – ainda robusto – crescimento desacelerar e aumentarem os questionamentos quanto ao significado de oscilações tão bruscas dos índices da Bolsa de Xangai ou da cotação do yuan.
O México parece no meio do caminho de uma trajetória de reformas estruturais que podem tanto avançar quanto regredir. Há equidistância entre o México tornar-se uma economia dinâmica e globalmente conectada ou simplesmente um desesperado Estado falido (failed state).
Turquia, Indonésia, Nigéria, África do Sul, todas tem desempenho abaixo do potencial. Na América Latina, Venezuela e Argentina são exemplos de irracionalidade econômica e disfuncionalidade política.
A progressiva normalização da política de juros nos EUA, o esgotamento do “superciclo das commodities” e o esfriamento da economia chinesa combinam-se em resultados impressionantes em termos de fluxos financeiros.
Nos últimos 13 meses, US$ 1 trilhão deixou os emergentes rumo a praças financeiras mais tradicionais nos EUA, Europa e Japão.
Diante desse quadro, o próprio conceito de "mercados emergentes", surgido nos anos 1980, passa nas últimas semanas por severos escrutínios quanto à sua validade.
O jornal Financial Times, que mantém uma seção intitulada “mercados emergentes”, defende em recente editorial que já é tempo de ir além da frase, que teria perdido utilidade e significado desde que surgiu nos anos 1980.
Em certa medida, a referência ao grupo de países ditos “emergentes” nada mais é do que um eufemismo otimista para caracterizar nações anteriormente classificadas no desconfortável "terceiro mundo", na condição politicamente incorreta de "subdesenvolvidos" ou na forma mais elegante "em desenvolvimento". Poucos parecem equipados de credenciais para superar essas categorias.
Dados recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI) evidenciam bem as muitas inadequações do termo “emergente” para o entendimento da reconfiguração da balança de poder econômico global. A propósito, o Fundo agrupa os países de forma bastante generalista.
“Desenvolvidos” são aqueles países que em sua maioria integram a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e ostentam PIB anual per capita superior a US$ 30 mil.
Já o grupo dos “emergentes” junta sob o mesmo teto 152 nações – abarcando portanto países tão diferentes quanto China, Marrocos ou Bolívia.
Por um lado, o decênio de 2004 a 2014 sugere a confirmação da desejada narrativa segundo a qual o destino sorri para os emergentes.
Olhando os números de forma generalista, a tão sonhada “convergência”, que supostamente resulta de maior velocidade dos emergentes em comparação aos desenvolvidos, parece alcançável.
Em 2004, o PIB global tinha 54% de sua origem nos desenvolvidos, 46% dos emergentes. Em 2014, constata-se vigorosa migração de parcelas do produto mundial dos países desenvolvidos (que agora têm 43%) para os emergentes (hoje responsáveis por 57% do produto mundial).
No entanto, ao colocarmos o crescimento dos emergentes sob exame mais minucioso, o que resulta é uma tremenda disparidade de desempenho.
Entre 2004 e 2014, há pequenas alterações na fatia do PIB ocupada pela maioria das regiões que compõem o grupamento emergente.
Nesse período, a Comunidade dos Estados Independentes (CEI), que congrega a Rússia e países que compunham a União Soviética, teve seu pedaço do PIB global inalterado (5% em 2004 e iguais 5% em 2014).
O mesmo se passou com a a Europa “emergente” (países como Polônia, Hungria, etc) ou a África Subsaariana – cada um desses grupos com fatia de 3% do PIB mundial.
Observou-se pequena oscilação para cima do pedaço que cabe a Oriente Médio, Norte da África, Afeganistão e Paquistão. Eles tinham 7% em 2004 e, em 2014, 8%.
E aí vem a grande decepção: a América Latina e o Caribe. Ainda mais em se considerando que muitos analistas chamaram os anos 2000 de “A Década da América Latina”. Em 2004, a região tinha 9% do PIB global, e, em 2014, os mesmos 9%.
O que realmente fez a diferença para os países em desenvolvimento nesta última década foi a Ásia “emergente”. Em 2004, liderada pela China, a região contava 19% do PIB global. Em 2014, a fatia engordou para 29%.
Assim, ressalvada a impressionante exceção asiática, o resto do mundo em desenvolvimento avançou poucas casas neste decênio em que as condições de abundância de liquidez e apetite por commodities pareciam tão favoráveis.
Se, no tempo que está por vir, as vantagens comparativas de mão-de-obra barata e acesso a matérias-primas se prenunciam menos importantes, qual estratégia países como o Brasil tem em mão para continuar a emergir?