Jurista é titulação reservada aos que atingem o Olimpo das carreiras percorridas pelos nobres operadores do Direito. Lá, não raro, monopolizam a pretensão à última palavra, oráculos da “coisa julgada”. Muitas vezes até, alguns poucos cometem a generosidade de alcançar aos cidadãos comuns um melhor entendimento do grande embate que se trava entre os fatos e suas versões, e as leis aplicáveis e suas interpretações. Mas a realidade de uma legislação confusa e contraditória, bem ao gosto da manipulação possível nos tribunais e perante a opinião pública, historicamente fez desses profissionais da nobre arte da argumentação, ao invés de defensores, muitas vezes prestidigitadores, em causa própria, do direito alheio ao contraditório e às garantias individuais.
O primeiro a satirizar isso foi Jonathan Swift, pela ficção do gigante Gulliver, em suas viagens pelo País dos Houyhnhnms, tentando explicar ao seu monarca como as leis funcionavam em sua pátria. Lá - dizia ele-, havia uma sociedade de homens educados desde a juventude, para a multiplicação e interpretação infinita das palavras. E – prosseguia- tudo facilitado por uma geringonça a que chamam processo, e que os outros mortais não entendem. E na qual são aplicadas todas as suas leis ao mesmo tempo, e que eles tomam o cuidado de multiplicar e interpretar, conseguindo, com isso, confundir a própria essência da verdade e da falsidade, da inocência e da culpabilidade. Tudo para convencer os outros de que o branco é preto, e que o preto é branco, conforme são pagos para lhes fazer enxergar uma coisa ou outra.
Pois em face do contorcionismo jurídico dos que se esforçam para desconstruir as “10 Medidas Anticorrupção” sem sugerir qualquer alternativa para a melhoria do sistema, nosso país real certamente ainda serviria à ironia se Swift então direcionada à Inglaterra do Século 18. Fala-se agora como se as garantias individuais só possam ser preservadas calando o clamor social pelo fim da impunidade. Que é o que se conclui quando críticos giram a metralhadora sem disponibilizar um mínimo do seu talento para modernizar o que ainda é a nossa “geringonça de Gulliver”. Talvez porque sua preservação aproveite só aos assaltantes do patrimônio público, que com os delinquentes miseráveis, nem as “10 Medidas” se ocupam, menos ainda os grandes juristas se preocupam.