• Prof. Paulo Moura
  • 05/05/2016
  • Compartilhe:

TEMER E SUAS CIRCUNSTÂNCIAS: OU, A LUA DE MEL DE MOTEL


(O autor é membro do grupo Pensar+. O texto foi publicado originalmente em pontocritico.com).

Na política, a expressão “lua de mel” caracteriza o período imediatamente após a eleição de um governante, momento em que as expectativas do eleitorado, mesmo da fatia que não votou no eleito, focam-se no desejo de que o governo dê certo, pois isso viria em benefício de todos. Assim, o eleito ganha um “crédito” para tomar as medidas sem ser cobrado por resultados imediatos, permanecendo um tempo em “estado de observação”.

A duração desse clima varia conforme a capacidade de o governante acertar, produzindo resultados positivos que correspondam à expectativa gerada. Se errar encurta ou interrompe a lua de mel e começa a sofrer adversidades políticas. No caso de Temer, fatais. Daí o título: Lua de Mel de Motel.

As circunstâncias que limitam de forma extrema a latitude e o tempo de Temer para agir sem espaço para errar são de natureza política e econômica.

Do ponto de vista político é inescapável constatar que o PMDB é sócio do desastre produzido pelo PT. Além disso, Temer, vice de Dilma, tem o nome citado em delações da lava jato e herda significativas desconfianças. Inevitável desconhecer, também, o processo que tramita no TSE contra a chapa Dilma/Temer, que, se prosperar, terá o poder de abreviar seu já breve mandato. Pobre Brasil.

Convém ter em conta que boa parte das medidas necessárias para correção estrutural da economia têm potencial de municiar a oposição de esquerda recém desalojado do governo, com um discurso e com um poder de mobilização que, se não forem neutralizados, liquidam Temer na largada.

Do ponto de vista econômico as dificuldades não são menores. Segundo o especialista em contas públicas, Mansueto Almeida no Painel Globonews desse fim de semana, nosso rombo fiscal é de R$ 120 bilhões sem considerar-se os juros da dívida, e de R$ 640 bilhões se incluído esse custo. Para ele, será necessário reduzir o custo da dívida em cerca de R$ 250 bilhões em cerca de dois anos e meio para voltarmos a ter sustentabilidade.

Nessa conta, não estão incluídos os aportes de capital do Tesouro nas estatais. No caso da Petrobrás o aporte poderá girar acima de R$ 70 bilhões, sem considerar o impacto das condenações da petrolífera na Justiça dos EUA, estimados em US$ 98 bilhões a serem desembolsados em cerca de dois anos. Há rombos ainda não estimados na Eletrobrás, na CEF, no BB e no BNDES, que somente serão conhecidos após auditoria que Temer vem anunciando.

Mansueto Almeida sustenta que não vê como inverter esses números apenas cortando gastos e sem aumentar a carga tributária. Eduardo Gianetti alegou que não temos fôlego para mais impostos. Zeina Latif contestou Mansueto. Ela acha que se Temer conseguir criar expectativas positivas invertendo a direção do vento na largada, cria-se um cenário de curto prazo capaz de ampliar a latitude de jogo e dilatar o espaço de tempo que Temer teria para sua lua de mel com o eleitorado. Concordo. Essa equação é política, portanto. Sem sintonia fina com a opinião pública e o mercado nada dará certo. A condução que Temer está dando ao processo revela que ele tem consciência disso e condições de acertar.

A primeira decisão a tomar é com relação à equação do ajuste, com ou sem aumento de impostos. Mansueto alega que mesmo com aumento, se conseguirmos reequilibrar as contas, chegaremos em 2018 no patamar em que estávamos em 2011. Bem, a pergunta que não lhe foi feita é: dada a asfixia fiscal atual dos pagadores de impostos e conhecido o impacto da chamada curva de Laffer, extorquir ainda mais os produtores de riqueza aumentará a arrecadação? Intuo que o resultado será o inverso.

Não sou economista, mas, acrescento que um eventual aumento de impostos também tirará de Temer apoios imprescindíveis (da classe média que foi às ruas e da FIESP, por exemplo), já na largada. Se eu fosse conselheiro do rei, diria: não faça! Sua credibilidade e seu apoio popular atuais não comportariam essa perda imediata, cujos ganhos de médio prazo são, no mínimo, duvidosos.
Onde há oxigênio? Na atração de capitais externos. Exceto pelo petismo, que não conta, parece haver consenso sobre essa alternativa: privatizar e flexibilizar os marcos regulatórios tornando as concessões de portos, aeroportos, estradas, ferrovias, energia, exploração de petróleo e tudo o que puder atrair investidores de forma agressiva. Em sentido oposto às concessões tardias e fracassadas de Dilma, é preciso acenar com rentabilidade e segurança jurídica aos investidores, mesmo que o Brasil esteja barato.

O caso do petróleo é emblemático dado o prazo de validade dessa matriz na economia mundial e a queda do preço que tornou os investimentos menos interessantes. Além de desfazer o que o PT fez no pré-sal, talvez seja necessário flexibilizar mais, até mesmo o marco regulatório tucano para as demais áreas de exploração, tornando o investimento atraente ao pondo de interessar potenciais investidores que já perdemos para outros competidores (México, por exemplo).

O agronegócio, maltratado pelo petismo, é outro setor que demanda um carinho especial e que, pela competitividade combinada ao real desvalorizado, se incentivado com medidas corretas, pode atrair divisas com rapidez.

Medidas como essas, mesmo que anunciadas e implementadas em curtíssimo prazo, requerem algum tempo para produzir efeitos, ainda que na frente externa já estejamos colhendo os frutos da desvalorização do real. Mais uma vez, o que se espera desse tipo de medida não é o resultado econômico imediato, mas sim a reversão de expectativas visando reconstituir o otimismo.

Conviria a Temer fazer acompanhar essas medidas de máxima publicidade às descobertas que virão à tona sobre o descalabro da gestão pública sob desmando petista. O objetivo aqui seria mais o rebaixamento de expectativas visando ampliar o crédito para aceitação de medidas incontornáveis como corte de gastos. A virtual sensação de alívio posterior, ainda que psicológica, seria mais facilmente sentida pela população quando o resultado positivo começar a acontecer, tanto mais quanto mais grave for percebida, agora, a herança maldita do PT.

Supondo-se o sucesso inicial na direção aqui apontada e tirado o paciente da UTI para a sala de recuperação, haveria condições para avançar medidas estruturais incontornáveis como a Reforma da Previdência? No curto prazo? Nem pensar! Se não vejo como aumentar impostos sem atrair a ira das ruas, muito menos mexer nas aposentadorias. Nesse terreno, o máximo que dá para fazer é aprofundar o debate sobre a gravidade da situação, preparando o terreno para medidas futuras. Não esqueçamos que Temer já é acusado de querer cortar os gastos sociais que Dilma está cortando. Esse ônus já está precificado e é inescapável.

Onde antevejo margem para alguma alteração estrutural capaz de ser assimilada sem maiores resistências e com potencial sobre a geração de empregos é na medida que prevê a sobreposição à Lei dos acordos trabalhistas entre empregados em empregadores, trocando preservação ou geração de empregos por redução de custos de contratação e demissão. A Justiça Trabalhista (absurdo!), tem anulado esse tipo de acordo alegando desrespeito à legislação. Dado o cenário de recessão e desemprego, há espaço para avanços nessa área, sem que o debate se perca na chicana das desonerações seletivas implementadas pelo PT e anuladas pela própria ineficácia e obtusidade da ótica econômica petista.

Assim, passo a passo, testando cada possibilidade antes de agir, medindo no milímetro o eventual avanço e o microcrédito político conquistado junto à opinião pública e o mercado no curtíssimo prazo, Temer poderia ir criando as condições para algumas ousadias moderadas à medida em que, se acertar mão, o povo for lhe concedendo a possibilidade de curtir mais algumas noites no motel. O povo, em seu próprio benefício, deseja que Temer acerte. O Brasil precisa que Temer acerte.

Assim agindo fecharemos as contas das planilhas de Mansueto Almeida? Não sei. Mas, a Economia e a Política são ciências do comportamento. E, para fechar as contas nessa matemática política, impõe-se criar um ambiente favorável para que os especialistas em planilhas trabalhem em condições de conduzir os números ao devido lugar.