• Gustavo Corção
  • 31/10/2022
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Sem Deus, o mal vira Deus

 

Gustavo Corção

Nota do editor do site: Ontem à noite (30/10), reli um artigo que Gustavo Corção publicou em agosto de 1962. O título é “De Profundis” (Das profundezas) e a íntegra está disponível no site Permanência.org, podendo ser saboreada aqui. O trecho destacado me pareceu perfeito para o dia de hoje.

         Chega, entretanto, a hora em que toda essa luta se transforma numa espécie de pesadelo, ou numa espécie de loucura. Um cansaço mortal esmaga o coração, um coro de zombarias parece dizer que tudo é vão neste mundo absurdo e submerge a alma, matando não só as esperanças como também aquelas flores do passado que pareciam tão solidamente plantadas no fato de terem existido. E o mundo então nos parece mau. Mau e estúpido. Errado. Incôngruo. Abortado.

Ora, é nesse momento, nessa exata hora de acabrunhamento total e de total escuridão, que Deus nos surge e nos diz, não mais escondido, não mais disfarçado, mas presente e quase sensível, presente e quase visível, nos diz que sem Ele o desconcerto do mundo seria um gracejo das essências, ou uma insuportável piada produzida ao acaso pela matéria menor do que por nós e nossa autoria.

Nos diz Deus, no fundo dos abismos, que sua existência é exigida pela ordem do mundo, pela harmonia das órbitas, das causas, dos seres, mais ainda mais urgentemente exigida pela desordem, que não pode ser a razão de ser do universo, a lei do mundo, sem nos forçar a uma loucura decidida, sem nos rebaixar à mais completa e humilhante capitulação.

Sem Deus, o Mal vira Deus. E a alma cansada e triste fica sem saber de onde lhe vem a força de ficar triste, e a força de se sentir cansada. E de onde lhe vem a fatigada força de julgar o mundo.