• André Assi Barreto
  • 01/11/2017
  • Compartilhe:

ROGER SCRUTON E A BELEZA COMO VALOR UNIVERSAL

 

 

Muito provavelmente todos já tiveram a experiência de, ao estar diante de obras de movimentos como surrealismo, dadaísmo, cubismo etc. – que podemos reunir sob o nome de “modernistas” –, ser preenchido por um sentimento de estranheza diante dessas obras pois, na maior parte das vezes, não primam pelo tradicional e universal critério da beleza; por muitas vezes serem feias ou simplesmente não terem (aparentemente) sentido algum. O próximo passo é rejeitar essas obras e não as considerar como arte. Essa é a reação do apreciador dotado do mero senso comum, que os adeptos das correntes estéticas “modernas” atribuem à incompreensão (pois o vulgo não teria o aparato necessário para “compreender”) ou ao preconceito.

            Contudo, há quem discorte. As coisas não são assim de acordo com a argumentação do filósofo inglês e nosso contemporâneo, Roger Scruton (1944), que dedica-se a este (entre outros) problema, faz uma apologia da Beleza e clama por uma retomada dela; Scruton faz isso especialmente em duas (de um universo de várias) de suas obras: o documentário encomendado pela BBC Why Beauty Matters? (Por que a Beleza importa? 2009) e no livro Beauty (Beleza, 2009, É Realizações, 2013). Para sustentar sua posição, Scruton remete-se a inúmeros filósofos, desde Platão, passando pelo Conde de Shaftesbury e indo até Kant (que teve seu pensamento influenciado pelo conde); também relembra que o objetivo da arte, seja a poesia, a música ou as artes plásticas, para qualquer pessoa letrada que viveu entre os séculos XVII e XIX, era a busca da Beleza (é importante notar essa lembrança feita por Scruton, tendo em vista que ele é um conservador, pretende reestabelecer parte da ordem desta época), um valor universal equivalente ao Bem e à Verdade (reportando-se também, portanto, a Platão).

            Um dos motes para exemplificar a argumentação de Scruton é o clássico “Urinol”, do francês Marcel Duchamp (1887 – 1968), obra em que Duchamp assinou um urinol com um nome fictício e o enviou para um museu para ser exposto como obra de arte. A partir do século XX, assevera Scruton, a arte deixou de buscar a Beleza e passou a fazer um culto à feiura, além de, por exemplo, ter por objetivo a originalidade a qualquer custo. Tal tendência não se restringiu apenas às artes plásticas, mas também tomou conta da arquitetura (Scruton também tem um excelente livro, este traduzido para o português, sobre arquitetura, intitulado Estética da Arquitetura, Edições 70, 2010), que se tornou estéril, o que, na opinião de Scruton, explica a quantidade de prédios abandonados e depredados na Grã-Bretanha e a popularidade de pequenos comércios com a tradicional arquitetura vitoriana.

            Dois cultos são responsáveis por essa tendência de certas correntes de arte moderna, o culto à feiura, já mencionado, cujo qual, ao virar às costas para a Beleza, faz com que a arte perca sua principal realização, que é ajudar-nos a atribuir sentido à vida, nos consolando das tristezas da vida ou, como para Platão, nos aproximar de Deus ou ainda, para os filósofos iluministas, nos ajudar a galgar alguns degraus que nos colocam para além das banalidades da vida cotidiana; e o culto à utilidade, cujo qual, faz com que o valor das coisas resida estritamente em sua utilidade prática; como Scruton menciona em seu documentário, Oscar Wilde já havia afirmado que “toda arte é inútil” – o que fora reafirmado por, por exemplo, Hannah Arendt. A Beleza (e a arte) não tem utilidade (no sentido pragmático moderno), mas é justamente nesse fato que Scruton ressalta sua importância enquanto valor universal, enraizada na natureza humana, escorando sua teoria em Shaftesbury e Kant, a fruição da Beleza é uma atividade desinteressada e, portanto, inútil. Mas isso desmerece a contemplação? Não, no mesmo sentido que a amizade, o amor ou a mera atitude de ouvir uma música, igualmente sem “utilidade prática”, não perdem seu valor.

            O segredo da arte tradicional, que servia de bálsamo para a vida, era sua valorização da criatividade, ao passo que os movimento artísticos atuais primam pela exaltação do feio, do banal e pela quebra de tabus morais, o que conduz primeiro à impressão e depois à óbvia certeza que todos, Scruton e nós, chegamos: boa parte do que aí está, sendo considerado obra de arte, não o é, algo não é transformado em arte, como num passe de mágica, por reproduzir as frivolidades cotidianas (um copo sobre uma prateleira de vidro – The Oak Tree, por Michael Craig, 1973 ou uma cama desarrumada – My Bed, por Tracey Emin, 1998) e chamá-las de arte, como se esse caráter fosse adquirido pelo decreto verbal do artista (para a tristeza dos desconstrucionistas, que acreditam que a realidade é determinada pela linguagem). Para que a arte retome sua trilha, é preciso que ela retorne sua face para a Beleza novamente, tal como fora prescrito pelos filósofos e praticado pelos artistas até então.


* Artigo publicado originalmente em: BARRETO, Andre Assi. "A Beleza Como Valor Universal". Revista Filosofia Ciência&Vida, São Paulo, ano VII, n°73, p. 24-31, agosto, 2012.