(Publicado originalmente na Tribuna da Internet)
Em seu artigo de hoje (sábado, 7/5/2016) no O Globo, o festejado, respeitabilíssimo, culto e imortal Merval Pereira (Merval é, merecidamente, membro da Academia Brasileira de Letras, ABL) demonstra que eventual recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF) para obter a anulação do processo de Impeachment será inócuo. E Merval alinha os motivos, aqui reproduzidos em síntese: a) a tese de que o impeachment foi instaurado por vingança de Cunha contra o PT não tem serventia, a não ser na luta política; b) os governistas convalidaram todos os passos do processo, após o julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) do PCdoB, ao disciplinar a Suprema Corte o rito para a regular tramitação do processo; c) que o senador Raimundo Lira, que presidiu a Comissão no Senado “deu um nó nos governistas, permitindo que usassem e abusassem de questões de ordens. Deu a palavra a todos eles mesmo quando o regimento não permitia, e o que parecia uma leniência mostrou-se sabedoria, pois ficou impossível à oposição aguerrida alegar cerceamento de defesa e outros pretextos”.
As razões apresentadas por Merval são sólidas. Sólidas e jurídicas. Mas existe uma outra — mais a seguir exposta —de igual ou maior peso, que inviabiliza qualquer tentativa de se buscar no STF a anulação deste processo que tramita de forma regular e imparcial.
VOTOS FOLCLÓRICOS
Nem mesmo aqueles votos dos deputados que na sessão plenária aprovaram a abertura do processo e enviá-lo ao Senado, com votos carregados de dedicatórias e exaltações pessoais, justificam e são argumentos com vista a anulação do processo. Prova disso está no voto do ministro Barroso.
Na sessão do STF que suspendeu, por 11 X 0, o mandato de Cunha, Barroso, antes de dizer “acompanho o relator”, gastou menos de meio minuto para justificar seu voto. E não foi justificação jurídica. Foi metafórica. E emocionada, também. Com o seu doce e meigo tom de voz registrou o ministro Barroso: “Senhor Presidente, uma pessoa me disse assim, ministro, eu não quero trocar o Brasil por outro pais. Eu quero é um outro Brasil”.
PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA
Há no Direito três institutos que são implacáveis e intransponíveis, que são: prescrição, decadência e preclusão. Todos dizem respeito a tempo e inércia do titular de um Direito. Se a lei estabelece prazo para exercitá-lo e o titular não recorre a Justiça dentro daquele prazo, a lei considera sua pretensão prescrita.
O mesmo acontece com a decadência. No prazo que a lei estipula, a ação deve dar entrada na Justiça. Caso contrário, a pretensão permanece, mas o Direito é fulminado pela decadência. Exemplo: contrato de locação comercial dá ao inquilino o prazo de 6 meses antes do término do contrato par ir à Justiça e renová-lo. É a chamada Ação Renovatória. Se perder o prazo, o inquilino fica na mão do senhorio, que faz dele (do contrato e do inquilino) o que bem entender: despeja ou impõe o valor que o senhorio quiser.
O terceiro e último instituto é o que interessa ao Impeachment e que aqui vai indicado como suplemento às jurídicas fundamentações do nobilíssimo Merval Pereira.
DA PRECLUSÃO
Até Aqui ninguém falou ou escreveu sobre ela, a preclusão, no tocante ao processo do Impeachment. Então, fala-se agora, pela primeira vez. Desde aquele dia do mês de dezembro de 2015 que Eduardo Cunha recebeu a denúncia subscrita por Hélio Bicudo e mais dois outros juristas, começou a contar prazo para que fosse arguída a hoje alegada nulidade por parcialidade de Eduardo Cunha .
E toda e qualquer arguição de nulidade deve ser levantada (apresentada) logo na primeira vez que a parte, a quem a nulidade beneficia, falar nos autos. Caso contrário, a preclusão se consuma e nunca mais pode ser objeto de argüição.
“A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão“, previa o artigo 245 do Código de Processo Civil (CPC) de 1973 e vigente em Dezembro de 2015.
Este novo CPC de 2016 também dispõe no mesmo sentido e com a mesmíssima redação (Artigo 278, CPC/2016). E Dilma, por seu Advogado-Geral da União falou — e como falou!! — nos autos muitas e muitas vezes, da tribuna do STF, da Câmara e do Senado. Neles interveio, de viva voz e por escrito e jamais alegou nulidade.
SEM ALEGAR NULIDADE
E se alegou, era obrigação de alegá-la na primeira oportunidade em que Dilma falou no processo. Na segunda e nas vezes seguintes não poderia mais.
Logo e consequentemente, eventual alegação de nulidade, nesta avançada fase em que se encontra o processo de Impeachment, nem será examinada, por que se trata de matéria preclusa.”Dormientibus Non Sucurrit Jus” ( O Direito não socorre os que dormem no processo), como nos ensinaram os Romanos.
E como é de trivial conhecimento no mundo jurídico, não se pode esquecer que os dispositivos previstos no Código de Processo Civil podem e devem ser aplicados, por analogia, a todos os procedimentos judiciais, administrativos e políticos instaurados no cenário jurídico nacional.
Além disso, prevê o artigo 3º do Código de Processo Penal Brasileiro que “a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito”. Portanto, prescrição, decadência e preclusão são princípios cardeais do Direito pátrio, seja qual for a sua especialidade ou ramo.