Lamento que um julgamento apenas técnico sobre direito e provas seja objeto de pressões, ameaças e manifestações destituídas de fundamentação jurídica
O julgamento do recurso interposto pelo advogado de Lula contra a decisão do juiz Sergio Moro que condenou o ex-primeiro mandatário da nação está suscitando variada gama de objeções e de indagações sobre a independência dos poderes, os fundamentos da democracia e se há algo que justifique pressões políticas sobre os julgadores do TRF da 4.ª Região.
Minha primeira consideração é de que, pelo regime democrático, a independência dos poderes deve ser respeitada; qualquer pressão de movimentos que costumeiramente violam a lei com invasões de terra e depredações de prédios públicos e privados é antidemocrática e segue caminhos próprios de quem deseja impor sua vontade pela violência, e não pela vitória nas urnas ou aprovação em concurso público.
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Lamento que um julgamento apenas técnico sobre direito e provas seja objeto de pressões, ameaças e manifestações destituídas de fundamentação jurídica, atribuindo-se a uma sentença de mais de 200 páginas, minuciosamente proferida com cautela e argumentos, características de perseguição política, não própria do Poder Judiciário em um regime democrático.
O segundo aspecto é que a decisão a ser proferida porá fim às incertezas. Se for absolvido, o ex-presidente poderá concorrer nas eleições de 2018, sem qualquer obstáculo, devendo enfrentar os demais candidatos com seu natural carisma – inclusive para justificar, perante a sociedade, por que nos períodos de seu governo e nos da ex-presidente Dilma houve desvios monumentais de dinheiro público, com prejuízos enormes à Petrobras, concessão de empréstimos não pagos a países como Venezuela, Angola e Moçambique, inflação de dois dígitos, queda fantástica do PIB, desajustes das contas públicas, juros estratosféricos, recessão e desfiguração da imagem brasileira no exterior, o que resultou no rebaixamento brasileiro a três níveis abaixo do grau de investimento. O discurso populista de pobres contra ricos talvez seja a tônica que adotará em sua campanha. Por outro lado, se for condenado, ficará inelegível pela Lei da Ficha Limpa.
Além disso, pela jurisprudência do STF, após decisão condenatória de segunda instância pode ser decretada a prisão do ex-presidente. Pessoalmente, pelo artigo 5.º, inciso LVII, da Lei Suprema, entendo que apenas após o trânsito em julgado de decisão condenatória poderia ser um acusado considerado culpado. De que vale, porém, a opinião de um velho e modesto professor de 82 anos perante a jurisprudência firmada e aplicada pela suprema corte a inúmeros políticos brasileiros, com amplo apoio da imprensa e do povo, no sentido de que é a decisão de segunda instância que caracteriza a culpa do acusado, e não o trânsito em julgado? Não tenho preconceitos aristocráticos contra a suprema corte.
Não é a violação da lei, com invasões de terra e prédios públicos e privados, que torna os que assim agem democratas e supremos julgadores do Poder Judiciário. Quem deseja modificação daquilo que entende não estar certo no sistema deve fazer o teste das urnas ou, então, submeter-se aos concursos públicos necessários para galgar cargos técnicos que lhe permitam essa atuação, única forma de respeitar o que há de mais valioso no país na atualidade, que é o Estado Democrático de Direito.
* Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifeo e UNIFMU, das escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1.ª Região, presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomércio-SP, e fundador e presidente honorário do Instituto Internacional de Ciências Sociais (Iics).
* * Publicado originalmente pela Gazeta do Povo