• Marcelo Assiz Ricci - Juiz de Direito
  • 05/07/2015
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"FOI GOLPE DO CUNHA!"

Breves apontamentos sobre processo legislativo
 

A modificação do critério biológico da imputabilidade penal – intitulado, nos meios de comunicação, de redução da maioridade penal – ganhou especial destaque esta semana.

Um dia depois da votação do substitutivo, de autoria do Deputado Laerte Bessa (PR-DF), à proposta de Emenda Constitucional 171/93, que não atingiu o quórum necessário de três quintos dos membros da Câmara dos Deputados para aprovação, foi colocada em votação uma emenda aglutinativa que, desta vez, logrou êxito em ser aprovada, com 325 votos.

É inegável que a partidarização das opiniões já tinha atingido os assuntos políticos e jurídicos. Mas, desta vez, ela atingiu níveis estratosféricos.

Mais uma vez, alguns esclarecimentos se fazem necessários, para que seja colocada ordem às idéias.

Primeiramente, para que se tragam à luz alguns conceitos.

Novamente, peço vênia àqueles que já os tem bem delineados na memória.

A começar, pelo conceito de proposição.

Ela é definida no artigo 100, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, como “toda matéria sujeita à deliberação da Câmara”.

Ela pode ser de atos normativos em geral – da qual é subespécie a proposta de Emenda à Constituição – e de requerimentos, indicações, e propostas de fiscalização e controle, institutos cuja análise não é importante no momento (artigo 138, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados).

Interessa-nos, por outro lado, definir o que é uma proposta de Emenda à Constituição.

Segundo o Dicionário Houaiss – em suas duas primeiras acepções, que são relevantes à presente exposição -, propor é, “1) apresentar (proposta) a, pôr diante de” ou “2) submeter (algo) à apreciação (de alguém); oferecer como opção; apresentar, sugerir”.

E – também na acepção que nos importa – emendar é “fazer modificação em, alterar”.

Logo, uma proposta de Emenda à Constituição consiste na apresentação de um texto, estruturado em redação legislativa, a ser submetido à apreciação do Congresso Nacional, de acordo com o respectivo processo legislativo, destinado a modificar um dispositivo da Constituição Federal.

Uma proposição também está sujeita à emenda, entendida como “a proposição apresentada como acessória de outra” (artigo 118, caput, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados). Por preciosismo, o termo “outra” refere-se à proposição originariamente apresentada.

A emenda pode ser denominada substitutiva quando for “apresentada como sucedânea a parte de outra proposição, denominando-se “substitutivo” quando a alterar, substancial ou formalmente, em seu conjunto” (artigo 118, § 4º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados – grifo nosso).

A emenda pode, ainda, ser denominada aglutinativa, quando for resultado “da fusão de outras emendas, ou destas com o texto, por transação tendente à aproximação dos respectivos objetos” (artigo 118, § 2º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados).

Destaque – ou destaque para votação em separado – é um mecanismo que possibilita a retirada de parte do texto da proposição para votação em separado, voltando a integrá-la em caso de aprovação.

Finalmente, sessão legislativa é o período compreendido no curso de um ano (artigo 57, da Constituição Federal), quando ocorrem as atividades regulares do Congresso.

Estabelecidos e definidos os conceitos a serem utilizados, é possível refletir sobre o que aconteceu na sessão plenária do Congresso Nacional, na noite do último dia 1º de julho.

Foi apresentada em Plenário, para ser posta em discussão e votação, a Emenda Aglutinativa 16 à Proposta de Emenda Constitucional 171/93.

Esse procedimento se vislumbra perfeitamente possível, à luz do artigo 122, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

É possível sustentar que o Presidente da Câmara poderia adiar a votação por uma sessão, com base no parágrafo 2º do dispositivo mencionado, mas não se trata de um comando cogente, e sim de uma norma cuja redação confere a ele uma discricionariedade.

Parece-nos óbvio, também, que a votação de uma matéria não se encerra, necessariamente, em um único ato.

Como o próprio nome diz, processo é uma sequência de atos destinados a um objetivo final.

Por conseguinte, processo legislativo é uma sequência de atos destinados a elaboração de um ato normativo.

É uma conclusão natural que nem sempre será possível o encerramento da votação de um projeto de ato normativo com apenas uma sessão plenária. Especialmente na hipótese em discussão, que se refere a um projeto que recebeu vinte emendas.

Outro aspecto que deve ser salientado, pois relevante para apreciar a ordem de votação de um projeto de ato normativo, é que a emenda é um acessório em relação a proposta original, conforme expresso no já mencionado artigo 118, caput, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

Chega-se, neste momento, ao ponto nevrálgico desta exposição.

O artigo 191 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados estabelece a ordem de votação entre as emendas e o projeto principal.

Daí se extrai que os substitutivos, na ordem inversa de apresentação – ou seja, do mais recente para o mais antigo –, devem ser votados antes do projeto principal.

Dentre as emendas, também há uma ordem de votação, estabelecida pelo inciso VII do já mencionado artigo 191, ora em análise.

Pois bem.

No dia 30 de junho foi votado o substitutivo apresentado pela Comissão Especial destinada a emitir parecer sobre a matéria, em razão da preferência na ordem de votação (artigo 191, inciso II, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados).

Na sequência, na hipótese de sua não aprovação – o que efetivamente aconteceu no caso em análise -, deveriam ser votadas as emendas ao projeto (artigo 191, inciso V, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados).

Ante a ausência de uma emenda supressiva – entendida como aquela que manda erradicar qualquer parte de outra proposição, nos termos do artigo 118, § 2º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados -, a preferência é de eventual emenda aglutinativa.

A regularidade formal, especialmente com relação ao momento, da apresentação da Emenda Aglutinativa 16, à Proposta de Emenda Constitucional 171/1993, já foi demonstrada. Logo, sua colocação em votação esteve perfeitamente adequada ao Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

Por amor à argumentação, pois há vozes que ecoam nesse sentido, não haveria necessidade de se destacar o texto e, a seguir, requerer sua preferência na votação.

Primeiro, é possível a apresentação de emenda até o início da sessão (artigo 120, inciso I, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados); na hipótese de emenda aglutinativa, por iniciativa dos autores das emendas a serem aglutinadas, por um décimo dos parlamentares ou pelos líderes que representem esse número.

Segundo, a própria ordem de votação, prevista no Regimento Interno, conferia essa preferência à emenda aglutinativa, sem a necessidade de destaque e de pedido de preferência.

O que pode ser discutível é um aspecto material (sobre o conteúdo) da emenda à proposta: se o texto apresentado, apesar da nova redação, acarretou na inclusão da matéria rejeitada na sessão plenária anterior, o que tornaria prejudicada a discussão (artigo 163, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados).

Entretanto, não se trata de procedimento inédito.

Durante a votação do Projeto de Lei 1.210/2007, que propunha alterações para a Lei 9.504/97, que estabelece normas para as eleições, o Presidente da Câmara dos Deputados, à época, Arlindo Chinaglia, assim decidiu:

“Em relação à questão de ordem formulada pelo Deputado Arnaldo Faria de Sá, a Presidência presta os seguintes esclarecimentos: conforme decisão prolatada na semana passada, o fato de a emenda aglutinativa incluir matéria também constante do substitutivo rejeitado não a inviabiliza do ponto de vista regimental, uma vez que se apóia em textos ainda não votados, isto é, todas as emendas apresentadas e o texto inicial.

Ademais, como se destacou na ocasião, a exigência de destaque para que a emenda possa ser aglutinada diz respeito às aglutinativas parciais, ou seja, a serem votadas após a votação de um texto. Como as emendas ainda não foram votadas em blocos, estando pendentes de votação, podem ser aglutinadas, independentemente da apresentação de destaques.

Finalmente, a Presidência procedeu, por meio da Assessoria, a análise da emenda aglutinativa apresentada e constatou que esta tem respaldo nos textos pendentes de votação, estando em condições regimentais de ser apreciada pelo Plenário.”

De todo o exposto, pode-se chegar a algumas conclusões.

Em momento algum esteve encerrada a votação da Proposta de Emenda Constitucional 171/1993.

Enquanto não sobrevier a deliberação sobre todas as partes dessa proposta (que são as emendas) – desde que uma votação não torne prejudicadas as demais e acarrete o encerramento da discussão -, para, finalmente, chegar-se ao debate do projeto principal, não se pode considerar que a discussão sobre uma matéria está encerrada.

Portanto, mesmo que vozes abalizadas digam que houve violação do artigo 60, parágrafo 5º, da Constituição Federal, pois houve repetição de votação de uma matéria já rejeitada na mesma sessão legislativa, uma análise mais detida mostra que essa afirmação incisiva não se sustenta.

Por oportuno, vale lembrar que o STF já se manifestou sobre o assunto, no julgamento do Mandado de Segurança 22.503-3/DF, cujo relator foi o Ministro Marco Aurélio – que, a propósito, já se posicionou em sentido contrário, em entrevista radiofônica concedida no último dia 02 de julho; é certo, entretanto, que ele restou vencido na decisão em apreço -, mas cujo redator do voto vencedor foi o Ministro Maurício Correa:

“1. Não ocorre contrariedade ao § 5º do art. 60 da Constituição na medida em que o presidente da Câmara dos Deputados, autoridade coatora, aplica dispositivo regimental adequado e declara prejudicada a proposição que tiver substitutivo aprovado, e não rejeitado, ressalvados os destaques (art. 163, V).

É de ver-se, pois, que tendo a Câmara dos Deputados apenas rejeitado o substitutivo, e não o projeto que veio por mensagem do Poder Executivo, não se cuida de aplicar a norma do art. 60, § 5º, da Constituição. Por isso mesmo, afastada a rejeição do substitutivo, nada impede que se prossiga na votação do projeto originário. O que não pode ser votado na mesma sessão legislativa é a emenda rejeitada ou havida por prejudicada, e não o substitutivo que é uma subespécie do projeto originariamente proposto.
Mandado de segurança conhecido em parte, e nesta parte indeferido.”
Essa decisão, inclusive, serviu como paradigma para o indeferimento de pedido liminar em Mandado de Segurança 33.630-DF, relatora Ministra Rosa Weber, que ataca expediente semelhante ao discutido, empregado na votação da Proposta de Emenda Constitucional nº 182/2007, que trata do financiamento de campanhas eleitorais.

Portanto, pode-se afirmar que não houve irregularidade formal no procedimento que aprovou a proposta de redução da maioridade penal em primeiro turno de votação, na Câmara dos Deputados, pois se observa que foi obedecido o respectivo Regimento Interno.

Pode-se discutir se o texto da emenda, da forma como foi apresentado – e aprovado -, implicou em repetição de texto de proposta anteriormente rejeitada, o que tornaria a discussão daquela prejudicada. Mas há precedente que afasta essa interpretação.

Algumas considerações poderiam ser feitas, todavia, quanto a outro aspecto de seu conteúdo, principalmente para o que pode ser definido como imputabilidade seletiva.

Mas esse é um assunto para outro artigo.