Nota do editor:
Pareceu-me melhor juntar estes dois textos num único post pois tratam do mesmo assunto: relações perigosas e inconvenientes no STF. Ao que comenta o bageense Edgar Muza ainda cabe acrescentar a recente informação sobre as mensagens trocadas entre Carlos Gabas e o Ministro Toffoli, objeto de outra matéria neste blog.
J.R.Guzzo, em PARA QUEM QUER (Revista Veja)
O Brasil de hoje é provavelmente um dos países do mundo que melhor convivem com o absurdo. Fomos desenvolvendo na vida pública brasileira, ao longo de anos e décadas, uma experiência sem igual em aceitar a aberração como uma realidade banal do dia a dia, tal como se aceita o passar das horas ou o movimento das marés – “No Brasil é assim mesmo”, dizemos, e com isso as coisas mais fora de propósito se transformam em fatos perfeitamente lógicos. A morte do ministro Teori Zavascki, dias atrás, na queda de um turbo-hélice privado no litoral do Rio de Janeiro, foi a mais recente comprovação da atitude nacional de pouco-caso diante de comportamentos oficiais que não fazem nexo. É simples. O ministro Zavascki não podia estar naquele avião, porque o avião não era dele - estava viajando de favor, e um magistrado do Supremo Tribunal Federal não pode aceitar favores, de proprietários de aviões ou de qualquer outra pessoa. Nenhum juiz pode, seja ele do mais alto tribunal de Justiça do Brasil, seja de uma comarca perdi-da num fundão qualquer do interior.
Da morte de Teori Zavascki já se falou uma enormidade, e sabe lá Deus o que não se falou, ou talvez ainda se fale. Foram feitas indagações sobre o dono do avião, um empresário de São Paulo, seus negócios e suas questões junto ao Poder Judiciário. Foram apresentados detalhes sobre as suas relações pessoais, seus projetos empresariais e seu estilo de vida. Foram examinadas as circunstâncias em que se originou e evoluiu seu relacionamento com o ministro Zavascki. Não apareceu nada que pudesse sugerir qualquer decisão imprópria por parte do magistrado - ao contrário, sua conduta à frente dos processos da Operação Lava Jato continua sendo descrita como impecável. Mas o problema, aqui, não é esse. O problema é que ninguém, entre os que tomam decisões ou influem nelas, estranhou o fato de que um dos homens mais importantes do sistema de Justiça brasileiro, nos trágicos instantes finais de sua vida, estivesse viajando de carona no avião de um homem de negócios que não era da sua família nem do seu círculo natural de amizades. Não se trata de saber se o empresário era bom ou ruim. Sua companhia não era adequada, apenas isso, para nenhum magistrado com causas a julgar.
A questão não se limita aos empresários. Não está certo para um juiz, da mesma maneira, frequentar ministros de Estado e altos funcionários do governo. Ele também não pode andar com sócios de grandes escritórios de advocacia – grandes ou de qualquer tamanho. Entram na lista, ainda, diretores de “relações governamentais” de empresas, dirigentes de órgãos que defendem interesses particulares e políticos de todos os partidos. Não dá para aceitar convites de viagem com “tudo pago”, descontos no preço e qualquer coisa que possa ser descrita como um favor. Não é preciso fazer a lista completa - dá para entender perfeitamente do que se trata, a menos que não se queira entender. O ministro Zavascki não era, absolutamente, um caso diferente da maioria dos membros do STF e de uma grande parte, ninguém poderia dizer exatamente quantos, dos 17 000 magistrados brasileiros de todas as instâncias. Seu comportamento era o padrão – com a diferença, inclusive, de ser mais discreto que muitos. Ninguém nunca viu nada de errado no que fazia - e ele, obviamente, também não.
Cobrança exagerada? Diante dos padrões de moralidade em vigor na vida pública nacional, é o caso, realmente, de fazer a pergunta. Mas não há exagero nenhum em nada do que foi dito acima. Ao contrário, essa é a postura que se observa em qualquer país bem-sucedido, democrático e decente do mundo. Na verdade, não passa na cabeça de ninguém, nesses países, levar uma vida social parecida à que levam no Brasil os ministros do STF e de outros tribunais superiores, desembargadores e juízes de todos os níveis e jurisdições. Muitos magistrados brasileiros também acham inaceitável essa confusão entre comportamento privado e função pública. Não falam para não incomodar colegas, mas não aprovam – e não agem assim. Têm a solução mais simples para o problema: só falam com empresários etc. no fórum, e nunca a portas fechadas. Para todos eles, “conversa particular” é algo que não existe. Nenhum deles vê nenhum problema em se comportar assim. Eles aceitam levar uma vida pessoal com limites; só admitem circular na própria família, com os amigos pessoais e entre os colegas. Fica mais difícil, sem dúvida, mas ninguém é obrigado a ser juiz, nem a misturar as coisas. Só quem quer.
Edgar Muza, em A DESCONFIANÇA AUMENTA
(Extrato de artigo na Folha do Sul)
A impunidade, as explicações mal dadas, a credulidade da população com tudo o que a imprensa noticia, torna muita gente alienada. Alguns por falta de tempo. Outros por falta de interesse. E outros ainda porque “estando bem para mim, está tudo bem”. Poucos pensam no conjunto, ou nos outros, são personalistas. Felizmente ainda tem gente que raciocina e desconfia. Recebo todas as semanas, por doação do Da Cruz (filho do Chinês, Olmiro Passos), a revista Veja. A desta semana, que estará nas bancas a partir de hoje - para os assinantes chega aqui no sábado anterior à sua data base -, no caso atual, dia primeiro de fevereiro. Na última página da revista tem um colunista, jornalista J.R.Guzzo, que aborda o tema que transparece desconfiança.
É claro que o “cordão dos desconfiados, cada vez aumenta mais”. Mas o que ele afirma que desperta minha curiosidade e o traz para meu grupo de desconfiados? Sua afirmação é incisiva: “O ministro Teori Zavascki não podia estar naquele avião”. Na coluna imediatamente após a morte do ministro questionei as causas pelas quais ele estava no avião que pertencia a sócio do presidente da BTG Pactual, preso por ordem do Teori. Tive o cuidado de não levantar nenhuma suspeita sobre o dono do avião, caso os técnicos que iriam investigar as causas do “acidente” não concluíssem, como concluíram, que foi falha humana. O motivo era simples, o dono morreu junto. Pois bem, o colunista foi mais além: “O ministro não podia estar naquele avião, porque o avião não era dele. Estava viajando de favor e um magistrado do Supremo Tribunal Federal não pode aceitar favores, de proprietários de aviões ou de qualquer outra pessoa. Nenhum juiz pode, seja ele do mais alto tribunal de Justiça do Brasil, ou de uma comarca perdida num fundão qualquer do interior”.
Aí lembrei de três ministros. Toffoli, que, como presidente do TSE, simplesmente não moveu nenhuma palha para julgar o pedido do PSDB, que queria anular a eleição de Dilma/Temer. Muito mais por Dilma do que por Temer. Lewandowski, que presidiu a sessão do Senado que cassou a Dilma, concordou com a não suspensão de seus diretos políticos, contrariando a Constituição e o regime do Senado. E, finalmente, Gilmar Mendes, que tem dado declarações que o tiram da condição de insuspeito para julgar os casos atuais de corrupção. Além do mais, seguindo a afirmação do jornalista Guzzo, não deveria ter aceito carona no avião de Temer a Portugal para os funerais de Mario Soares, onde sequer compareceu à cerimônia. Para piorar sua situação, e aumentar a desconfiança geral, após a morte de Teori, foi jantar com o Temer, ao lado de Moreira Franco, sogro do presidente tampão da Câmara, e agora preferido do governo, Rodrigo Maia. E sem agenda marcada.
Outra frase de Guzzo que chama a atenção: “Não se trata de saber se o empresário era bom ou ruim. Sua companhia não era adequada, apenas isso, para nenhum magistrado com causas a julgar”. (...)