(Publicado originalmente no Alerta Total - www.alertatotal.net)
"Um dia pretendo /Tentar descobrir /Por que é mais forte /Quem sabe mentir" (Renato Russo).
Intelectualmente limitado, com pouca ou nenhuma leitura, o sujeito era peitudo o suficiente para topar discutir qualquer assunto. Uma ocasião, observei-o interagir num grupo com pessoas notadamente cultas. Sem qualquer constrangimento, intrometeu-se no debate que travavam dois homens de letras sobre Borges e Sábato (e uma alegada rivalidade deste em relação àquele). O magano, cujas limitações eu conhecia bem, tomou a palavra para discordar de um dos debatedores. E se expressou sem inibição, com a técnica intuitiva de falar, falar, falar até aturdir o interlocutor e lhe despertar um desejo difuso de passar adiante.
Incrível! Se alguém lhe perguntasse: quem é Borges? Quem é Sábato? Sem dúvidas ele não teria a menor ideia! Apesar disso, provavelmente por um certo decoro que acaba emergindo nas pessoas decentes por reflexo condicionado, os outros não arrancaram a máscara do impostor, o que teria sido fácil. Pelo contrário, pareciam compelidos a corresponder ao seu irresistível imã de simpatia.
Naquele Macunaíma bem vestido não se percebia autocrítica. E qualquer expressão de modéstia era, nele, sempre tão-somente ardil retórico. Amoral, foi ele mesmo que se definiu como "cafajeste", numa fanfarronice perante amigos mais próximos. Embora não se destacasse pela beleza, pela cultura nem pela estatura moral, exercia considerável atração sobre as mulheres e liderança entre os homens.
Certamente a antropologia e a psicanálise têm subsídios teóricos para quem quiser decifrar o fenômeno desse que é um estilo de "macho dominante": cafajeste, mentiroso, sedutor, inconsequente (indiferente ao sofrimento que possa causar) e com um sutil e quase inexorável dom de envolver o próximo com sua lábia - ao ponto de neutralizar, no caráter comum, a capacidade de indignação. Em suma, alguém com a maior desenvoltura no jogo da sedução e da manipulação.
Sobrevém o curioso resultado: pessoas desprovidas de uma capacidade crítica razoavelmente autônoma (quer dizer, a maioria) não resistem à simpatia aliciante desse personagem; e, num processo inconsciente de negar a realidade, tornam-se alheias ao fato de estarem diante de um espécime visceral, egocêntrico e exclusivamente dedicado ao seu próprio interesse. Trata-se, como se vê, de um tipo humano notadamente egoísta, mas, ao mesmo tempo, dado a demonstrações de generosidade; abominável, mas capaz de enternecer com suas exibições afetivas e fazer-se o mais atraente dos indivíduos.
Aliás, guardada a rudeza das palavras, é preciso dizer: quer num rebanho, alcateia ou matilha, quer num grupo de primatas ou de humanos pseudopolitizados, não haverá macho dominante se não houver fêmeas submissas nem machos subalternos.
Pois bem. Em jornais e revistas dos últimos dias é possível encontrar-se a transcrição do depoimento à Polícia Federal de certo fulano investigado na Operação Lava-Jato, em que se vê, de corpo inteiro (com o acréscimo de uma ofensiva vulgaridade), um exemplar do tipo acima descrito.
É oportuno dizer que, quando a política é regida pelas pulsões mais primitivas da espécie humana (que são praticamente as mesmas de qualquer primata), o resultado é uma sociedade a cabresto, um Estado vicioso e o futuro riscado da agenda.
* Psicólogo e Bacharel em Direito