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Espalhou-se por todos os cantos: fé e razão não se misturam. Esta idéia é repetida em discussões públicas e acadêmicas, no trabalho, em conversas informais e até mesmo em casa. O problema é quando ela toma ares de verdade dentro da igreja. Se fé e razão são realmente incompatíveis, a fé pode se tornar uma espécie de "sentimentalismo", um apêgo cego a qualquer coisa que dê à pessoa conforto e bem-estar, corre o risco de se transformar em mitologia ou ser reduzida a uma simples superstição. Para o católico, no entanto, não é assim.
Reza o Catecismo: "A santa Igreja, nossa mãe, sustenta e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana a partir das coisas criadas" (CIC, 36). Sim. O homem foi criado à imagem e semelhança de Deus (Gen. 1, 26-27). Por graça, ele recebeu uma faculdade que - não é a onisciência divina - mas reflete algo da inteligência do seu Criador, uma faculdade que o distingue de todos os outros seres: a razão. Deus, que assim fez o homem, o chama para amá-Lo, mas também para "conhecê-Lo" (CIC, 31).
Ora, não é possível amar o que não se conhece. Sem a razão, o homem não poderia sequer acolher a fé. Os animais - que não possuem aquela faculdade - não têm nenhum traço de religiosidade. Com a razão, o homem não só acolhe a fé, mas busca as vias para aceder ao conhecimento de Deus com argumentos "convergentes" e "convincentes", capazes de estabelecer "verdadeiras certezas" (Idem). Ele tenta alcançar Deus nas meditações sobre o "movimento", nas questões sobre a ordem e a beleza, sobre o princípio e o fim do mundo (CIC, 32). Identifica em si mesmo uma abertura para o belo e para a verdade, um sentido para o bem moral, reconhece a sua própria liberdade e uma aspiração ao infinito e à felicidade (CIC, 33). Por estas "vias", "o homem pode aceder ao conhecimento da existência de uma realidade que é a causa primeira e o fim último de tudo, 'e que todos chamam Deus'" (CIC, 34).
É verdade, a fé não é puro racionalismo. Não. Os sentidos, a imaginação e as más inclinações podem colocar dificuldades e obstáculos à razão, ela mesma uma faculdade bastante limitada. Não é capaz de gerar a fé, uma graça de Deus. Há uma ordem de conhecimento que o homem jamais pode atingir com as suas próprias forças - com a razão natural: a Revelação divina. Mas, quando o próprio Deus se revelou - em Jesus -, disse que para segui-Lo seria necessário a cada um tomar a sua cruz (Lc. 9, 23). Ele não pediu para ninguém abandonar a sua cabeça. E quando Cristo afirmou ser Ele mesmo o "Caminho", também se apresentou como a "Verdade" e a "Vida", mostrando, assim, que razão e fé estão intimamente associadas. São João Paulo II ilustrou essa associação com uma bela imagem: "a fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio" (Encíclica "Fides et ratio").
Portanto, o católico deve estar preparado contra as armadilhas do chavão e do clichê. Fé e razão misturam-se sim. Se essa posição significa contestar uma idéia que se popularizou, não há o que temer. Não é preciso se intimidar com acusações de acadêmicos ou se constranger com qualquer um que pronuncie a palavra "ciência". Não há motivo para aceitar a mordaça dos que tentam afastá-lo - simplesmente por ser religioso - das discussões públicas e políticas. Porque o católico não renuncia a sua inteligência. E nem poderia abandoná-la, pois já que recebeu a razão como um dom de Deus, ele tem um compromisso ainda mais sério com a Verdade.
(*) Publicado no jornal "Correio da Serra", ed. 850. Barbacena, 07 de Novembro de 2015.