"O camponês da Bavária e de Baden que não consegue enxergar para além do campanário da sua igreja local, o pequeno produtor francês de vinho que é levado à bancarrota pelos capitalistas de grande escala que adulteram vinho, e o pequeno plantador americano depenado por banqueiros e congressistas e jogado para longe da corrente maior do desenvolvimento, são convocados, no papel, a assumir a direção do Estado pelo regime da democracia política. Mas, na realidade, em todas as questões básicas que determinam os destinos dos povos, quem toma as decisões pelas costas da democracia parlamentar são as oligarquias financeiras."
Esse parágrafo consta daquilo que foi provavelmente o discurso mais decisivo do século XX: as palavras de Leon Trotski no ato de fundação do Comintern em 1919, que determinariam em linhas gerais a estratégia do comunismo mundial por mais de meio século e, de algum modo, continuam a inspirá-lo até hoje.
Como descrição da realidade, essas palavras continuam válidas: decorrido um século, o povo trabalhador e pagador de impostos continua tentando melhorar o curso das coisas por meio do voto, sendo constantemente ludibriado e frustrado pelas oligarquias financeiras e políticas que burlam o processo legislativo e impõem suas decisões por meio de tratados internacionais, decretos de presidentes, portarias de ministérios, regulamentos de repartições, de prefeituras, de administrações regionais e uma infinidade de outros artifícios, obrigando todo mundo a obedecer leis que nem mesmo existem.
Só o que mudou, nesse ínterim, foi a identidade ideológica dos personagens. A minoria bilionária age em parceria com a esquerda internacional -- isto é, com os herdeiros de Trotski -- para impor a populações estupefatas, por vias transversas que neutralizam o processo legislativo, as mudanças socioculturais mais artificiosas e contrárias às crenças e valores do povo: feminismo, gayzismo, desarmamento civil, multiculturalismo, liberação das drogas, sexualização prematura das crianças nas escolas, dissolução das identidades nacionais por meio da imigração forçada, anticristianismo militante etc. etc.
O povão simples apega-se cada vez mais aos seus valores antigos, cristãos e patrióticos, esperando fazê-los triunfar por meio de candidatos como Donald Trump, Jair Bolsonaro ou Nigel Farage, sendo por isso estigmatizado pela grande mídia de esquerda (a única que existe) como fascista, nazista, racista, assassino de gays, negros e mulheres etc. etc.
A aliança mundial de globalistas e esquerdistas é o fenômeno mais geral e importante da nossa época, e não há um só fato da vida cultural ou política ocidental que não seja, em mais ou em menos, determinado por ela.
À troca de papéis corresponde, pari passu, a inversão não só do conteúdo, mas da própria função do discurso público: a classe dominante rouba as palavras do povo para condená-lo e intimidá-lo como se ele fosse ela, e ela o povo. Intelectuais, artistas, jornalistas e publicitários pagos generosamente pela elite governante bilionária fazem-se de defensores da população ludibriada para poder continuar a ludibriá-la e a acumular poder e dinheiro sob os pretextos mais sedutores e hipnoticamente populistas que uma mendacidade ilimitadamente inventiva já logrou conceber.
Esse discurso meticulosamente invertido é uma invenção, já velha, de engenheiros sociais que, é claro, não se deixam enganar pelo seu próprio ardil. Mas, quando a moda se dissemina no baixo clero do show business, das universidades e da mídia, ela modifica profundamente a psique de multidões inteiras de idiotas úteis, que sentem – e sentem com muita emoção – estar dizendo a mais pura verdade no instante mesmo em que repetem chavões que sua própria experiência direta desmente da maneira mais flagrante. É a síndrome da autopersuasão histérica que, como já explicava o dr. Andrew Lobaczewski, se espalha entre pessoas de mente fraca quando colocadas sob a influência de psicopatas astutos.
Exemplos dessas mentes fracas não faltam. As redações, as cátedras universitárias, o cast inteiro dos canais de TV estão repletos deles. Escolho um a esmo, só porque é desta semana. Com aparente sinceridade, o sr. Fernando Meirelles, publicitário responsável pelo show de abertura das Olimpíadas, escreve no seu Twitter (reproduzo com as execráveis grafias originárias):
"Bolsanaro vai odiar a cerimônia. Trump também. Pelo menos nisso acertamos. A cerimônia de hoje terá índios, empoderamento dos negros e das mulheres, transgêneros e um alerta contra os riscos do uso de petróleio."
Os pobres e oprimidos são aí representados pelos índios, negros, mulheres e transgêneros. Os ricos opressores, pelos srs. Trump e Bolsonaro. Por meio do show, o sr. Meirelles, os patrocinadores do espetáculo e o governo aparecem como advogados dos primeiros contra a prepotência reacionária dos segundos, vagamente identificados, de passagem, como ligados de algum modo aos interesses da macabra indústria do petróleo.
Mas quem não sabe que, para montar o espetáculo, o sr. Meirelles recebeu 270 milhões de reais de um bilionário esquema público-privado que jamais deu ou daria um tostão a políticos como Trump e Bolsonaro, aos quais odeia tanto quanto o povão os ama?
Quem não sabe que o "empoderamento dos índios, negros e mulheres" é a Leitmotiv do discurso propagandístico de uma elite globalista que continua – para usar as palavras de Trotski – "jogando para longe da corrente maior do desenvolvimento" os trabalhadores, os pequenos plantadores, os micro-empresários e, por isso mesmo, uma multidão de "índios, negros e mulheres"?
E quem não sabe que os donos do petróleo são ainda os árabes, os maiores assassinos de gays e mulheres que já existiram no mundo, contra os quais o show do sr. Meirelles não ousaria nem ousou dizer uma palavrinha incômoda sequer?
Em que mundo, em que fração do universo imaginário o sr. Trump fez algum dano a gays e mulheres, que pelo menos fosse comparável ao que essas criaturas sofrem nas mãos dos muçulmanos sob aplausos frenéticos e incondicionais da esquerda internacional à qual o sr. Meirelles indiscutivelmente pertence e à qual mostrou descarada fidelidade por meio do símbolo comunista do punho esquerdo cerrado?
E em que planeta do mundo da fantasia o sr. Bolsonaro, um modesto capitão da reserva que jamais foi visto sequer ao lado de um bilionário, faz parte da elite opressora?
Sem dúvida o sr. Meirelles acredita no que diz. Mas não acredita pelos meios normais do conhecimento humano e sim por meio da autopersuasão histérica que desmente de maneira brutal e ostensiva tudo o que ele vê, tudo o que ele sabe, tudo o que lhe chega pelos cinco sentidos. O sr. Meirelles não raciocina a partir da sua própria experiência, mas da sua própria voz. Indo da boca para o ouvido, sua alma se entrega toda mole-mole nos braços de um discurso auto-hipnótico que lhe dá, como compensação automática, um prêmio de 270 milhões e a ilusão de fazer bonito.
Com isso não quero dizer que o sr. Meirelles, só por expressar francamente o seu sentimento, seja honesto ou veraz. Se o tipo de sinceridade do fingidor histérico se distingue da mentira deliberada por não saber que é mentira, ela distingue-se das palavras do observador honesto porque não tem nada, absolutamente nada a ver com a categoria da veracidade. Constitui-se de sentimento apenas, e a nada o sentimento é mais obediente do que a imaginação. O fingidor histérico imagina alguma coisa na hora, sente em conformidade com ela, e diz o que sente. A distinção entre o verdadeiro e o falso nem lhe passa pela cabeça. E, se você lhe diz que o discurso dele é falso, ele entende que você apenas sente diferente dele, que tudo não passa de um confronto de emoções opostas, de uma disputa de poder entre dois corações – naturalmente, um malvado – você – e um bonzinho – ele.
A histeria – sempre é bom lembrar – nada tem a ver com chiliques, gritinhos e crises de nervos, embora às vezes recorra a esses instrumentos expressivos quando a crença na mentira começa a falhar e tem de ser reforçada pela mise-en-scène. A histeria é eminentemente fingimento auto-hipnótico, tanto mais forte quanto mais tranqüilo e sereno em aparência.
Aquilo que, na mente do manipulador psicopata, começou como uma mentira concebida friamente para tais ou quais propósitos práticos se torna, na mente passiva e servil dos seus imitadores, um modo de ser, um habitus profundamente arraigado e difícil de remover. A personalidade do psicopata não é afetada pelas suas mentiras, cvoncebidas para uso alheio. A do fingidor histérico é transfigurada e remoldada pela mentira, até que o poder de persuasão da própria voz se sobrepoõe ao apelo dos sentidos, da memória e da razão. O ser humano normal acredita no que vê, no que experimenta e no que sabe. O fingidor histérico, naquilo que aprendeu a dizer.
Como bem observou o dr. Lobaczewski na sua Ponerologia – com certeza o livro mais importante de ciência política das últimas décadas --, numa sociedade dominada por criminosos psicopatas, o fingimento histérico se espalha como uma epidemia, que, se não controlada em tempo, acaba por se tornar o estado de espírito geral e permanente de amplas camadas sociais, especialmente aquelas que encontram nisso um modo de vida, como por exemplo os professores, os jornalistas, os publicitários e os artistas do show business, classes que, por definição, e mesmo em circunstâncias normais, vivem de repassar discursos aprendidos.
Subsidiado por patrocínios bilionários, o fingimento histérico brasileiro fez da abertura das Olimpíadas a sua mais vistosa apoteose.