• Percival Puggina
  • 17/07/2011
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O GUAÍBA QUE TEMOS E NÃO TEMOS

Twitter: @percivalpuggina Mês passado, minha mulher e eu realizamos um antigo sonho. Percorremos longo trecho dos Alpes, viajando de leste para oeste, através da Áustria, Suiça e Itália, naqueles cenários de Noviça Rebelde. Ainda trazemos nas retinas lagos esplêndidos, encostas verdejantes, picos nevados e vilarejos no belo estilo bávaro, que começam no jardim da primeira casa e terminam no jardim da última, em verdadeiro concurso de sacadas floridas, capricho e harmonia com a natureza. A todo momento era preciso descer do carro para contemplar, como num êxtase, o que chamávamos protagonismo da paisagem. Em viagens anteriores, centrávamos nossa atenção, principalmente, nas obras que a humanidade ofereceu a Deus - as catedrais, os mosteiros, a arte sacra. Desta feita, desfilavam diante dos nossos olhos muitas das mais belas obras oferecidas por Deus à sua criatura. Entre elas, os lagos alpinos. O roteiro incluía vários: o Zeller, o Hallstatter, o Thun e o Birenz em Interlaken, o Genève e o Maggiore. Pois é sobre os lagos que quero escrever. Aliás, é menos sobre eles e mais sobre o Guaíba. Acontece que aqueles lagos nos faziam lembrar, todo tempo, deste que temos aqui, perto do coração e longe dos olhos. Por quê? Porque era forçoso, em face do que víamos nos Alpes, fosse admirando o conjunto, desde fora, fosse contemplando as orlas em passeios de barco, lamentar o abandono do nosso Guaíba, sentenciado ao ostracismo. Ostracismo? Sim, ostracismo. O Guaíba é um isolado, um ermitão, um misantropo solitário, patrulhado por uma mentalidade sociofóbica que afasta as pessoas e reserva suas margens às ruínas e ao inço. Se essa mentalidade, que primeiro o segrega e, depois, o abandona, orientasse o uso dos lagos de lá, não haveria turismo, nem charmosos hotéis, nem clubes, nem parques, nem piers, nem restaurantes, nem ocupação residencial, nem empresas de navegação transportando, diariamente, milhares de passageiros ávidos por fotografar o harmonioso convívio da urbanização com o cenário natural. Tudo seria barrado, proibido. Promoveriam abraços ao lago, assembléias e passeatas. Haveria candentes discursos e abaixo-assinados em defesa do lago - O lago é do povo!. Qualquer uso significaria privatização de um patrimônio natural, apropriação capitalista da paisagem e lucro auferido em prejuízo das barrancas, das capoeiras e das rãs. O bom é manter a orla inacessível, perigosa e suja. Já pensava em escrever esta crônica quando recebi um levantamento fotográfico das margens do Guaíba, mostrando exatamente isso em 30 deprimentes imagens. Pois é. Bilhões de pessoas considerariam inexcedível privilégio viver num sítio como o de Porto Alegre. Dezenas de milhares de cidades do mundo inteiro ralariam cotovelos de inveja diante do nosso Guaíba! E ele, como tudo neste Estado, está aí, sendo surrado pela ideologia do atraso. Outro dia, indagado sobre o metrô (aquele que ia ficar pronto para a Copa) afirmei que dificilmente sairá do papel. Quando começarem a cavar, descobrirão que a linha vai causar prejuízo ao trânsito de tatus e tuco-tucos, às minhocas e à fauna subterrânea. Pára tudo! E, se os duríssimos debates a esse respeito forem superados pelo bom senso, reze, leitor, para que não encontrem, nas escavações, algum fragmento de cerâmica indígena. Aí, o metrô pode acabar passando por cima da sua casa. ZERO HORA, 17 de julho de 2011.