• Percival Puggina
  • 06/06/2010
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LANTERNA NA POPA

Tomo emprestado para este artigo o nome de um livro de Roberto Campos. A imagem da lanterna iluminando a esteira deixada pelo barco enquanto a proa abre caminho nas trevas é uma das permanentes analogias nacionais. A próxima eleição presidencial é, apenas, o mais recente exemplo. O país do futuro traz o passado como chiclete na sola do sapato. Tudo está sendo conduzido para que o pleito se transforme numa espécie de plebiscito em que o eleitor votará como se estivesse escolhendo entre os governos de Fernando Henrique e Lula. Lula ou FHC? FHC ou Lula? Nenhum dos dois estará com a foto na urna eletrônica e a disputa se dará entre diferentes arranjos políticos, envolvendo pessoas ainda mais diferentes. Teimosamente, a lanterna nega foco ao futuro e a seus verdadeiros protagonistas. Admito, é uma estratégia. Mas, convenhamos, é quase uma fraude. Os governistas pretendem provar a superioridade do governo Lula em relação ao de FHC, como se fosse possível comparar gestões transcorridas em circunstâncias tão distintas. Não é. Conduzir as campanhas por essa trilha significa levar a nação a uma escolha alheia ao cardápio eleitoral. Equivale a promover uma eleição psicografada por personagens que saíram do palco. Ou, pura e simplesmente, é ser levado naquela conversa de comprar Evita por Perón e Cristina por Nestor. Não tenho dúvidas de que essa estratégia acabará imposta ao pleito, mesmo que só possa funcionar com fatos submetidos a requintes de prestidigitação publicitária. Afinal, nem mesmo a tropa de choque do PSDB no Senado fez por FHC entre 1995 e 2002 o que Lula lhe proporcionou ao ficar no posto, de 2003 a 2010, sem mudar uma vírgula das diretrizes centrais do governo ao qual sucedeu. Uma decisão como essa de dar continuidade às linhas implementadas por aquele a quem fazia feroz oposição fornece ao observador que não se deixa enganar um bem testemunhado e sincero reconhecimento do valor de tais políticas. Lula se tornou o mais fiel seguidor de FHC! Fez alguma coisa melhor, outras pior, o filoesquerdismo chique engrossou, mas a essência de tudo foi preservada. Então, que raios de estratégia é essa que pretende transformar a eleição de 2010 numa réplica da de 2002? Simples, meu caro Watson. Uma coisa é o que de fato aconteceu nos últimos anos, graças à manutenção de políticas corretas, ao longo do tempo, sob o benefício de circunstâncias favoráveis, enquanto elas se mantiveram. Outra, bem diferente, é o resultado da desconstrução de imagem que a agitprop petista fez com FHC depois de perder para ele duas eleições consecutivas. Trata-se de verdadeiro paradoxo, apoiado apenas na capacidade de comunicação de Lula. O presidente, todos sabem, consegue arrancar aplausos do auditório até quando, num mesmo discurso, diz A e o contrário de A. Com a maior desenvoltura, fala em tom professoral sobre tudo que convém ainda que nada saiba sobre o assunto. E age como se tivesse ocorrendo na China e sendo publicado em árabe, tudo que não lhe convém, ainda que esteja perfeitamente a par. Foi assim, com esse talento, que ele deletou, numa frase, o lero-lero demagógico com que atacou a imagem do governo FHC. Era tudo bravata. Coisa muito louca isso que vem por aí: um novo pleito entre Lula e FHC, assim proposto pelo primeiro, que é o principal beneficiário e o mais ortodoxo seguidor do segundo. ZERO HORA, 06 de junho de 2010