• Percival Puggina
  • 16/07/2020
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FOI A SOCIEDADE QUE MUDOU OU O STF QUE SE EXTRAVIOU?

 

“Não podemos mais tolerar essa situação que se passa no Ministério da Saúde. Não é aceitável que se tenha esse vazio. Pode até se dizer: a estratégia é tirar o protagonismo do governo federal, é atribuir a responsabilidade a estados e municípios. Se for essa a intenção, é preciso se fazer alguma coisa. Isso é péssimo para a imagem das Forças Armadas.” (...) “É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável. É preciso pôr fim a isso”. (Ministro Gilmar Mendes)

Seria necessário ter problemas neurológicos para que, mesmo sem capacidade de leitura e interpretação, os sentidos não bastassem para identificar nessas palavras o ânimo agressivo e o assumido viés político do ministro. Conforme demonstrei em artigo anterior, Gilmar Mendes não é o único a explicitar esse “ponto de vista”. Outros colegas seus, em recentes declarações, deixam vazar o mesmo pendor, o mesmo estado de espírito e se comprimem sobre o mesmo ponto de vista em relação ao Poder Executivo. Todos esses casos são típicos de um fenômeno em curso no Brasil, afetando a harmonia e a ordem na sociedade.

Refiro-me a algo muito escasso entre nós, que se pode definir como adequação consciente do agir ao ser. Sim, o que direi a seguir, se aplica, também, ao presidente da República. Todo professor, por exemplo, deve ter a consciência da importância do ser professor, não pode assumir-se como “trabalhador em Educação”, nem agir como militante de causas políticas e, muito menos ainda, despejar sobre seus alunos as ditas narrativas com que o conhecimento é empestado e a realidade dissimulada. Todo religioso deve identificar-se como tal, no vestir, no falar e no agir; não pode fazer do altar palanque de comício, nem da liturgia mero pacote de instrumentos para cumprir, naquele impróprio cenário, objetivos inerentes a seu fervor político ou ideológico. Todo detentor de mandato eletivo deve ter consciência da dignidade inerente à representação da sociedade, sabendo que esta pode elevar-se com ele, ou com ele soçobrar. Testemunhei tempos em que tudo isso era intuitivo. Depois, presenciei parlamentares sequestrando plenários, arrancando papéis das mãos do presidente da Casa, instalados como farofeiros na mesa da presidência... E assisti o processo pelo qual a negociação própria dos parlamentos deslocou-se de sua essência deliberativa para ingressar, pragmaticamente, no mundo dos negócios.

Um magistrado, e de modo especial um ministro do STF, deve ter a compostura de magistrado, não deve ser alguém em busca de notoriedade e de protagonismo político. Deve falar pouco, preferivelmente nos autos; trabalhar muito, preferivelmente no Brasil e em sua atividade. Uma vida pessoal discreta, igualmente lhe cai bem.

Diferentemente, o ministro Gilmar Mendes e seus colegas se creem pedagogos gerais da República e de seus cidadãos. Assumem-se como fornecedores do bem em forma de texto autografado (o que já seria uma pretensão abusiva), e também em forma de palpites grosseiros, formulados com as razões do fígado, a custo zero para uma imprensa ávida pelos bocadinhos de intriga que isso possa gerar. Como surpreender-se alguém com o somatório de desgostos que causam aos cidadãos? Será meramente casual o fato de nunca antes haver o STF experimentado tais antagonismos na sociedade? Foi a sociedade que mudou ou o STF que se extraviou? Nenhum dos 11 ministros se pergunta: “Por que esse sentimento em relação a nós, agora quando eu estou aqui?”. Alô?

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* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


 


cloe -   21/07/2020 14:36:00

Bom dia e F Feliz semana para o amigo. Dia do amigo é sempre BOM DIA, Feliz Semana para o amigo. Sempre ansiosa pelos comentários sempre tão inteligentes, Minha admiração. Sempre compartilho com pessoas que te admiram. Abraços.

Rubens Rodrigues -   20/07/2020 17:01:10

Se ao magistrado substituto se ensina que para esquivar-se da suspeição, não poderá nem namorar a comarcana. Pergunta-se: o que dizer de agentes da Supremacia que tem parentes com logomarcas e escritórios exatamente de advocacias? Será que não conversam nunca? Nos casos importantes não se indagam da jurisprudência dominante e a dominar? Pobre Brasil embalado e "presenteado" antes de merecer o presente.

Manuel Valente -   19/07/2020 21:13:16

Infelizmente os juízes continuam os mesmos, para uma sociedade em transformação. A diferença é que o século XXI nos trouxe a quebra das barreiras impostas à comunicação. A tecnologia colocou a sessão do STF, ao vivo, dentro de um barraco na Rocinha. Algo inimaginável no século passado. Qualquer brasileiro com mais ou menos saber e até mesmo nada de saber jurídico, tem a palavra e voto do Ministro em tempo presente. Mas o judiciário não mudou, continua mergulhado num poço de vaidade e de um super protecionismo oligárquico do século IX. O judiciário foi pego de surpresa pelos novos costumes da sociedade. Tanto esquerda como direita usaram as mesmas formas de indicação dos Ministros e o comprometimento político é comum a ambos, que se queixam das mesmas coisas só em épocas diferentes. Enquanto o ex-presidente Lula cobrou “obrigações” do Procurador Geral Janot pela sua indicação, o atual Presidente da República manifesta vontade de indicar um Ministro evangélico. Este jeito de fazer política não se sustenta mais. A transparência e acompanhamento do dia a dia do STF, como de resto o Judiciário, impõe uma cobrança dos seus atos, também em tempo presente pela sociedade. A começar pelas novas indicações com critérios claros e transparentes, pela qualificação e experiência em lugar da “dívida de favor” pela indicação...

MARCO LONGO -   18/07/2020 23:20:49

Professor, não se faz mais política. Limitado nos negócios, o debate parlamentar deslocou-se para o âmbito judiciário. O legislativo abdicou de atuar e exercer sua função.

antonio ventura -   17/07/2020 20:47:10

Excelente artigo com belas ponderações. Hoje vivemos no país dos boquirrotos, Se falassem menos. Haveria mais harmonia. Quanto ao STF, só não se pode falar contra eles. Eles podem e atrevem-se a falar de tudo e todos.

Adriano Riesemberg -   17/07/2020 16:12:31

Extraviaram o STF, por certo, com as viciadas indicações para seus componentes! Se ao menos o Senado tivesse cumprido seu papel, minimamente, não teríamos chegado nessa situação. Agora, um acoberta o outro.

Jose Maia -   16/07/2020 22:42:14

Sou do tempo em que Juiz só se manifestava nos autos... "Tempos estranhos" como bem disse o ministro Marco Aurélio colega do alfacinha Gilmar Mendes.

Luiz R. Vilela -   16/07/2020 21:21:18

Há muito que uma dúvida me faz pensar se é possível que um indivíduo acusado de corrupção, e depois até condenado em várias instâncias, poder nomear alguém pensando unicamente no seu notório conhecimento jurídico, e principalmente na sua conduta ilibada? Seria tamanha a "grandiosidade" do espírito público do nomeante, ao ponto de saber o que faz no poder e não pensar que algum dia quando não mais detiver este poder, e for acusado de cometer crimes, seu nomeado não viria em seu socorro? Que dúvida atroz. Um político, das antigas, já dizia: "Política é a arte de engolir sapos". Porém este mesmo político, esqueceu de dizer que também é a arte de deixar sapos para seus sucessores engolir. Bolsonaro é que o diga. Ministros nomeados por políticos, tem cargos políticos, e como políticos tem se comportado. Todos aqueles que tem o dever de fazer julgamentos, tem a obrigação de não manifestar preferências, afinal tudo o que existe no pais, pode ser motivo de pendência judicial, então o julgador não pode demonstrar gostos, e muito menos dar declarações que ponham em risco a harmonia e independência entre os poderes. O ministro Gilmar Mendes, de forma nada recomendável, fez referencias desastradas sobre as forças armadas. Criou um ambiente de animosidade totalmente desnecessário, sem que fosse possível perceber o real intuito do procedimento. Uma lástima, demonstrou o despreparo para o cargo, e como a língua é o açoite que açoita o próprio linguarudo. passamos a imaginar a qualidade de suas sentenças. É um provocador inconsequente.

FRANCISCO MONTEIRO SOBRINHO -   16/07/2020 21:00:40

APÓS ELEIÇÃO DE BOLSONARO E DESMORALIZAÇÃO TOTAL DAS ESQUERDAS, SINDICATOS, ARTISTA ETCATERVA E SEM MORAL PARA CRITICAS E OUTROS QUETAIS, ALÉM DA LIBERAÇÃO (VIA JUSTIÇA) DOS PIORES ELEMENTOS QUE JÁ GOVERNARAM O PAIS AS DITAS ESQUERDAS ENCONTRARAM NO S.T.F O AMPARO PARA FAZER O QUE NAO CONSEGUEM VIA APOIO POPULAR. HOJE O S.T.F É NA REALIDADE A OPOSIÇÃO QUE TODO ESQUERDOPATA QUERIA, LANÇAM A LAMA E SUPREMO TORNA POSSIVEL. ONDE ESTÁ A TÃO PROPAGDA " REPUTAÇÃO ILIBADA, NOTÓRIO SABER""?

Nicanor Rocha Silveira -   16/07/2020 20:31:24

Caro Professor Puggina, tomo liberdade de fazer esta breve observação. Formado em Direito em 1981, em Abril de 1982 iniciei o exercício da advocacia, portanto há quase quatro ininterruptas décadas. Os Ministros do STF, anos 80, eram Moreira Alves, Cordeiro Guerra, Néri da Silveira além d'outros eméritos e genuínos juristas. Devo citar ainda Sidney Sanches , aqui de Rincão SP, ao ladinho de Araraquara. Curso de pós-graduação com todos esses Juristas Ministros, fazíamos indo até a Capital, semanalmente (PUC SP). Bons tempos ! Valeu muito, nada em vão! Havia um Supremo Tribunal !

Euniceandrade -   16/07/2020 19:21:57

Acompanho suas cronicas sempre, de mts anos gosto mto da sua lucidez.